Vamos sorrir e cantar
Completar oito décadas no dia que lhe deu fama e fortuna só pode ser obra do destino. Homem de sorte, Silvio Santos não aposta à toa
Cristina Padiglione e Alline Dauroiz
Se vale a máxima de que nenhum reality show é de fato real porque ninguém se comporta naturalmente diante de uma câmera, Silvio Santos, puro show, é exceção à regra. Não que Senor Abravanel estampe o tempo todo aquele sorriso contemplado pela TV. O caso é que o homem, 80 anos completados hoje, não tem como fugir daquela voz que tudo lhe deu, daquele timbre de quem venderia geladeira até no Polo Norte, e daquele senso de humor que nem as próprias desgraças perdoa.
Silvio sabe rir dos outros – mais do que de si. Ao fim daquele fatídico dia em que o sequestrador Fernando Dutra Pinto invadiu sua casa e lhe fez refém, diante de um exército de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas, teve humor para contabilizar quantas horas a Rede Globo, sua rival, havia lhe dedicado em toda a programação.
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Avesso a entrevistas, mas vaidoso, adora posar para a Caras. Há coisa de dois anos, fotografou, feliz da vida, para a capa da revista, ao lado dos manequins de cera em tamanho natural que trouxe dos Estados Unidos. Como empresário, Silvio Santos é excelente animador, e tem ciência disso – há um mês, por ocasião do rombo anunciado no Banco Panamericano, admitiu que nunca havia pisado na instituição e que seu negócio, em todo o grupo de 44 empresas, é de fato a televisão. A seguir, o Estado revela histórias, manias e paixões de Senor Abravanel, o camelô que virou magnata, por quem o conheceu por trás do pancake.
Silvio por Luciano Callegari (ex-diretor artístico e de programação do SBT, foi seu braço direito por 43 anos): "Com aquela risada, quem vai falar mal dele? Ele começa a dar risada na hora em que entra no palco, aquilo é uma máscara. Quando corta, é outro cara, e depois dos 70 anos, ele perdeu o rumo. Ele administra por conflito, gosta de jogar um executivo contra o outro. A liderança dele é a liderança do terror. Ele não tem amigos, não sabe participar de roda de amigos. Conta piada só no palco. Não tem vida social. Está recluso em Celebration, município ligado a Orlando. Leva filmes do Brasil para assistir lá. É ‘Um pobre homem rico’."
Silvio por Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, ex-vice-presidente de Operações da Rede Globo): "Silvio Santos e Senor Abravanel não são a mesma pessoa, como se pensa. Silvio Santos é o maior apresentador da televisão, em todos os tempos, comparável aos melhores do mundo. Senor Abravanel é um empresário centralizador que se orgulha de ter soluções próprias, quase sempre de bolso de colete, inesperadas e pouco convencionais. Às vezes dá certo, às vezes não. Mas temos que reconhecer que os dois são brilhantes, fato comprovado pela carreira deles."
Silvio por Roque (Gonçalo Roque, coordenador de auditório, fiel escudeiro há 47 anos): "Conheci Silvio Santos na Rua Sebastião Pereira, na Rádio Nacional, quando eu entregava correspondência e trabalhava na portaria. Acabei indo ajudá-lo nos programas de auditório, atendendo o público e entregando brindes. O segredo dele para encantar uma plateia é o coração. Uma vez ele me disse: ‘Meu público é o que tenho de mais importante.’ Um dia ele voltou dos EUA e falou: ‘Trouxe uma ideia: a partir de agora, quero os banheiros que recepcionam o público mais limpos que qualquer cozinha de casa.’ Hoje nossos banheiros têm o melhor papel higiênico, flores e até coqueiro. E ele inspeciona de vez em quando."
Microfone de lapela. Por Callegari: "Era o tempo da TV Paulista ou já início da Globo. O Silvio mandou trazer dois microfones (de lapela) dos Estados Unidos, eram os únicos no Brasil. Chamou o Hélio Siqueira, e disse: ‘Você vai ser responsável por esses microfones.
Quando for gravar, quando for embora, você tem que estar junto com isso, não larga, é sua responsabilidade’. Um dia o Hélio pegou os microfones, colocou no carro, banco de trás, e saímos, eu, ele e o Neymar de Barros, com umas meninas. Fomos jantar e tal, e quando voltamos, 4h da manhã, tinham roubado os microfones. Foi na rua Major Diogo, na Bela Vista. O Hélio ficou tão apavorado que perdeu a memória e foi internado. O Silvio chamou a gente de moleque, ameaçou mandar embora, e o Hélio lá internado. O Silvio foi ver o Hélio e o Hélio dizia ‘quem é o senhor?’ (Luciano conta às gargalhadas). Ele ficou quatro dias no hospital. Quando voltou a trabalhar, o Silvio foi até ele: "Tá melhor? Ótimo. Não pense que eu esqueci, não: você vai pagar 200 cruzeiros por mês, que eu vou descontar do seu salário, até pagar tudo’."
Bebedeira. Por Boni: "Ainda na TV Paulista, aluguei uns quartos no Hotel Jequitimar no Guarujá, que muito tempo depois viria a ser comprado pelo Silvio. Por acaso encontrei o Silvio na praia e convidei-o a tomar uma caipirinha especial, feita por mim. Como se sabe, o Silvio não bebe. Mas, talvez para fazer uma média comigo, topou. Tomou a caipirinha de uma vez, como se fosse remédio, e caiu duro na areia. Tivemos que removê-lo para o quarto e arejá-lo. Chamamos um médico, mas antes ele voltou a si, dizendo: ‘Se você quer o meu horário eu dou, não precisa me matar’."
Rotina. Por Roque: "Dia sim, dia não ele está no SBT. Chega geralmente 8h30, 9h. Grava três vezes por semana. No camarim dele não tem luxo. Mas ele faz questão da grelha e do fogão lá, porque é ele mesmo quem cozinha, quase sempre bife. E adora os queijinhos dele, provolone... Quem cuida do camarim é a dona Raimunda, que está com ele há uns 15, 20 anos."
O artista. Por Callegari: Ele contratou a Carla Perez no auge. Aí dizia: ‘ela está fazendo muito sucesso, deixa esfriar um pouco pra gente colocar ela no ar’. Ela ficou quatro meses na geladeira. A minha leitura é a seguinte: ele vê em cada cara que faz sucesso uma concorrência pra ele. Quantas vezes ele prejudicou o Gugu porque o Gugu dava mais audiência que ele? Ele aumentava os breaks (comerciais ) do Gugu, colocava calhau (publicidade do Grupo SS)..."
Dica para o momento. Por Boni: "O Silvio Santos precisa de muitas dicas artísticas, mas antes o Senor Abravanel precisa de muitas dicas empresariais. Como os dois são rápidos e inteligentes, o SBT poderia reassumir logo a sua posição."
Demissão. Por Roque: O Silvio nunca gostou que dirigissem pra ele. Mas o Palito era um manobrista que trabalhava para o Silvio há anos. Ele só manobrava o carro do Silvio, não dirigia. Mandaram o Palito embora uma vez e, quando o Silvio descobriu, falou que tudo bem, mas que ele só voltaria a trabalhar quando o Palito estivesse de volta."
Silvio por Silvio. "Fui obrigado a ser dono de televisão, eu não nasci dono de televisão, eu nasci animador de programas e continuaria sendo animador de programas, se os homens não fossem tão vaidosos, tão poderosos." (em 1989, em seu programa)
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