Timothy Ray Brown, também conhecido como o "paciente de Berlim", era soro positivo, mas nunca tinha desenvolvido a aids. Ainda assim, tomava diariamente medicamentos antirretrovirais. Ele também teve leucemia e, como parte de um longo tratamento para a doença, recebeu o transplante em 2007. Nessa época, Brown teve de parar com a medicação contra o HIV. Em todos os outros casos semelhantes, a interrupção faz a doença aparecer em questão de semanas. Em Brown, isso não aconteceu. Seus médicos publicaram um artigo no periódico Blood, da Sociedade Americana de Hematologia, afirmando que os resultados dos testes "sugerem que a cura da infecção pelo HIV foi alcançada".
A notícia saiu no Huffington Post, que diz que o caso de Brown cria novas perspectivas para a cura definitiva para a aids através de células-tronco geneticamente modificadas. As novas células que ele recebeu não tinham um receptor, o CCR5, que é importante para a proliferação do HIV. Sem ele, o vírus não conseguiu se multiplicar e, portanto, a presença da doença foi refreada mesmo sem os antirretrovirais.
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Como as pessoas que têm proteção natural contra o vírus podem levar à cura
Casos como o de Kai são raríssimos. Estima-se que cerca de 0,5% dos infectados não precisam de remédio e continuam saudáveis dez anos depois de ter contraído o vírus. Ele faz parte de um estudo conduzido pelo professor Jay Levy, da Universidade da Califórnia. Desde o início da epidemia, Levy se dedica a tentar entender por que algumas raras pessoas infectadas nos anos 80 jamais apresentaram sintomas. A compreensão sobre o que garante essa proteção natural pode levar ao desenvolvimento de vacinas, tratamentos e até mesmo à cura da aids.
Gente como Kai pode ser muito útil à ciência. Curiosa para saber como ele vive hoje e a que atribui sua rara sobrevivência, decidi procurá-lo. Confira o que ele me contou:
O que, na sua opinião, explica a sua sobrevivência?
Kai Brothers: Os médicos me dizem que a explicação é a genética. Acredito nisso. Minha família veio do Reino Unido. Ouvi falar sobre diferenças genéticas que podem ter ocorrido em pessoas que sobreviveram à Peste Negra durante a Idade Média. Essas mutações podem ter sido transmitidas aos descendentes. Para mim, isso parece muito plausível. Acho que eu tenho uma proteína diferente ou alguma outra coisa nas minhas células-T que as tornam protegidas dos ataques do vírus.
Como você se sente diante desse fato?
Kai: Sinto-me abençoado por estar vivo e saudável depois de tantos anos. Especialmente agora que vou completar esse marco de 30 anos de soroconversão. Minha vida sempre foi parecida com a das pessoas que não têm HIV. No entanto, tenho a responsabilidade de ser muito cuidadoso com o vírus e não espalhá-lo. Também sinto que tenho a obrigação de participar de múltiplos estudos. Tenho a esperança de poder contribuir para a descoberta de uma vacina ou até mesmo da cura. É por isso que todo mês me submeto a exames de sangue. Nos últimos doze anos, passei por uns 150 exames de sangue.
Quantos amigos você perdeu para a aids?
Kai: Perdi meu primeiro amor e todos os quatro amigos que moravam comigo em São Francisco. Perdi também dúzias de outros amigos ao longo desses anos. Alguns
Como é a sua vida atualmente?
Kai: Levo uma vida plena. Realizei meu sonho de comprar um loft no centro de São Francisco e sosseguei. Isso não teria sido possível se eu não tivesse a confiança de que poderia ter uma vida longa. Conheci meu atual parceiro, Todd, em julho de 2009. Há alguns meses ele se mudou para minha casa. Isso prova que mesmo tarde na vida é possível encontrar sua alma gêmea !!! Trabalho há treze anos numa grande empresa do mercado financeiro. Sou muito feliz com a minha carreira.
Você pratica esportes?
Kai: Faço academia e pratico softball (jogo semelhante ao baseball). Também gosto de ciclismo. Nunca havia tido uma bicicleta até decidir participar do primeiro evento Aids LifeCycle (ALC) há alguns anos. O percurso vai de São Francisco a Los Angeles. Agora já completei o trajeto quatro vezes e consegui arrecadar mais de US$ 20 mil. É mais uma forma de contribuir com a comunidade da aids. Minha irmã gêmea trabalha na San Francisco Aids Foundation. Em grande parte porque foi inspirada por mim.
O que mais você faz para se divertir?
Kai: Também sou apaixonado por teatro. Participei de várias peças em São Francisco. A mais recente foi Aida com a Opera São Francisco. Foi algo que comecei a fazer tarde, mas que sempre foi uma paixão. Eu me sinto muito abençoado por estar vivo até hoje e poder realizar esse sonho.
Desde 1996, os cientistas sabem que cerca de 1% dos europeus têm uma mutação genética que lhes conferem proteção natural contra o ataque do HIV. Para combater a leucemia, Tim precisaria passar por um transplante de medula. O médico decidiu, então, testar uma hipótese: o que aconteceria se Tim recebesse o transplante de um doador que tivesse a tal mutação?
O resultado surpreendeu o mundo. Tim foi declarado curado da aids pelos médicos. É o que revelam os exames e o artigo científico publicado por Hütter na revista Blood, uma publicação da Associação Americana de Hematologia. Tim está há três anos e meio sem medicação antirretroviral. O vírus não voltou. Todos os tecidos examinados (inclusive os do intestino) se mostraram negativos para a presença do HIV.
A história de Tim é uma grande (e boa) notícia. Mas é um caso absolutamente singular. Não pode, de forma alguma, ser encarado como a descoberta da cura da aids. O tratamento que ele recebeu não serve para os outros doentes. É muito difícil encontrar um doador de medula compatível com o paciente e que também tenha a mutação que confere resistência ao HIV. Além disso, o transplante de medula é um procedimento caro e bastante arriscado. Entre 10% e 40% dos pacientes morrem após a intervenção. Quem tem o HIV pode ter muito mais qualidade de vida se tomar o coquetel do que se submeter a um transplante. Ninguém seria maluco, portanto, de sugerir que o tratamento de Tim fosse aplicado em larga escala.
Para os pesquisadores da aids, a história do "paciente de Berlim" é um marco. Ela pode inspirar descobertas que, talvez um dia, possam levar à cura. Para o público em geral (gente como eu e você), Tim e Kai simbolizam a esperança. É ela que nos põe de pé todos os dias e nos faz acreditar que o mundo tem jeito.
Revista Época
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