Uma nova droga está em testes para combater a falta de desejo feminino. Ela funciona mesmo ou é apenas uma jogada da indústria farmacêutica?
Fernanda Colavitti
Ela é caracterizada pela ausência de desejo sexual por um período superior a seis meses. Não é que essas mulheres não tenham parceiros, não tenham orgasmos ou não saibam obter prazer de alguma forma. Elas simplesmente não têm vontade. São “frígidas”, para usar uma terminologia velha e quase insultuosa. E sofrem imensamente com isso. O desejo hipoativo, segundo os médicos especialistas, é uma grande fonte de angústia feminina. Essa é a notícia ruim. A notícia boa é que o primeiro tratamento destinado especificamente a esse problema poderá chegar ao mercado entre o fim de 2010 e o início de 2011. Na última terça-feira, dia 17, o laboratório alemão Boehringer Ingelheim apresentou, durante um encontro médico na França, os resultados de um estudo que demonstrou a eficácia de uma substância chamada flibanserina no tratamento da baixa libido (leia na próxima página o quadro com os resultados completos do estudo). As voluntárias que receberam o medicamento, já batizado “Viagra cor-de-rosa”, eram maiores de 18 anos, ainda não haviam atingido a menopausa e estavam em relações “estáveis, monogâmicas e heterossexuais” por pelo menos um ano. Todas sofriam de TDSH. O estudo reuniu dados recolhidos por sete grupos de testes envolvendo mais de 5 mil europeias e americanas ao longo de 48 semanas. Enquanto tomavam o novo medicamento, pediu-se a elas que relatassem eventos sexuais de qualquer espécie. Valiam relação sexual, sexo oral, masturbação ou estimulação genital pelo parceiro. O questionário perguntava se o ato foi satisfatório ou não.
As 738 participantes do teste publicado na revista científica Journal of Sex Research relataram um aumento médio de 96% no número de “eventos sexuais satisfatórios” por mês. Ou seja: elas passaram a sentir prazer mais vezes (sozinhas ou com parceiros), embora não chegassem necessariamente ao orgasmo. Antes do tratamento, elas tinham em média 2,7 situações satisfatórias por mês. Depois de tomar doses diárias de 100 gramas de flibanserina por 24 semanas, elas passaram a reportar aos médicos uma média de 5,3 episódios por mês. As participantes também disseram sentir mais desejo sexual de forma genérica e menos ansiedade com sua performance erótica. Em outras palavras, ficaram mais felizes consigo mesmas.
Teria sido encontrado o Viagra feminino, mais um Santo Graal da indústria farmacêutica? Ainda não. Primeiro, porque a substância patenteada pela Boehringer ainda não foi aprovada pelas autoridades que controlam a produção e a venda de medicamentos. Ainda em fase de testes, a flibanserina pode revelar-se uma falsa promessa e nem chegar ao mercado. E essa talvez nem seja a razão mais importante para ter cautela em relação à novidade. Assim que o anúncio do remédio surgiu, levantaram-se duas ordens de objeções a ele. A primeira é que a doença que a flibanserina se propõe tratar é controversa. Muitos estudiosos da sexualidade feminina dizem que o desejo das mulheres envolve fatores demais para permitir definições categóricas, como Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo. O que é sexualidade normal, perguntam esses críticos? Quantas vezes por semana a mulher tem de sentir desejo? Ou, ainda, como se podem separar situações de desgaste afetivo de situações de desinteresse sexual? Por trás dessa resistência, há uma opinião consistente: a indústria farmacêutica estaria tentando resolver por meios químicos um problema que tem natureza mais ampla. Seria uma situação semelhante à de milhares de crianças levadas que saem de consultórios psiquiátricos com uma receita do remédio ritalina para tratar outra sigla mágica criada pelos médicos, o TDAH, ou Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade. Ou à daqueles que recebem antidepressivos para tratar situações normais – e bastante humanas – de tristeza ou melancolia. Assim como muitos antidepressivos, a flibanserina opera alterando no cérebro os níveis de serotonina, um neurotransmissor que influi na sensação de bem-estar.
A outra ordem de objeção à nova droga diz respeito à eficácia do produto experimental. Apesar dos resultados porcentuais altissonantes, na casa dos 96% de melhora, os estudos com a flibanserina sugerem que o medicamento é capaz de produzir, na prática, menos de dois episódios adicionais de prazer por mês. O número parece pequeno, mesmo para mulheres com baixa libido. Saltar de uma média de 2,7 para 5,3 momentos satisfatórios de prazer por mês justifica tomar um medicamento todos os dias, pela vida toda? Ainda não há consenso sobre isso. “Para uma mulher que está sem desejo nenhum, praticamente com aversão ao parceiro, que não transava nenhuma vez por mês, passar a transar pelo menos uma vez fará uma grande diferença na vida dela”, diz a ginecologista Carolina Carvalho, da Universidade Federal de São Paulo. “É exatamente para essas mulheres, que relatam atividade sexual praticamente zero, que esse medicamento poderá ser interessante. Para uma mulher que tenha falta de desejo moderado, provavelmente não valerá a pena.”
Ainda que a flibanserina esteja sendo comparada ao Viagra, as semelhanças entre os dois medicamentos são pequenas. Para começar, o objetivo do Viagra não é estimular o desejo. O homem que procura esse medicamento já sente vontade de transar, mas não consegue iniciar ou concluir a relação por falta de ereção. A pílula azul resolve esse problema aumentando o fluxo sanguíneo no pênis. Sua ação é mecânica e local. É por esse motivo que os testes realizados em 2004 com o Viagra para o tratamento da disfunção sexual feminina não mostraram resultados promissores. A libido da mulher parece ter menos relação com seus órgãos sexuais que com sua mente. Ao atuar no sistema nervoso, a flibanserina busca interferir na base neurológica do problema
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