2.25.2012

Amianto: Condenação na Itália, uso liberado no Brasil


A exposição de trabalhadores e pessoas da comunidade aos males causados pelo amianto – fibra natural considerada cancerígena, mas resistente e barata e, por isso, muito utilizada na construção civil – levou dois magnatas à cadeia. A Justiça italiana condenou na segunda-feira 13 o bilionário suíço Stephan Schmidheiny e o barão belga Louis de Cartier de Marchienne a 16 anos de prisão. Os fundadores da empresa Eternit responderam por omissão intencional de cautelas e desastre ambiental doloso ao expor funcionários ao produto, sabendo que este era prejudicial ao meio ambiente e à saúde.
A sentença ainda obriga a dupla a pagar 95 milhões de euros em indenizações aos autores da ação civil, que traz milhares de doentes terminais e mais de 2 mil mortos.
Hermano Castro, pneumologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, destaca que o amianto é considerado cancerígeno em todas as suas formas – inclusive o crisoltina, usado no Brasil – desde o século XX. “Não existe justificativa para a utilização do amianto da maneira como ocorreu e há uma enorme responsabilidade do setor industrial nisto. O mesmo acontece com outros produtos nocivos à saúde, mantidos no mercado apenas por questões comerciais.”

Magnatas fundadores de empresa que expôs funcionários ao amianto sabendo de seu poder nocivo recebem pena de 16 anos de prisão na Itália. Foto: Giuseppe Cacage/AFP
 
Segundo a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), o item, proibido em mais de 50 países, é utilizado em quase 3 mil produtos industriais, como telhas, caixas d’água, pastilhas e lonas para freios.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que 125 milhões de pessoas convivem com amianto no trabalho e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 100 mil trabalhadores morram por ano devido a doenças relacionadas ao amianto.
No Brasil, a Eternit afirmou em comunicado oficial em seu site, não ter relação com a companhia em outros países, inclusive na Itália, e que a empresa possui 100% de capital nacional. “O uso da marca se dá de forma distinta por diversas empresas em vários países.”
Fernanda Giannasi, auditora fiscal do Ministério do Trabalho e fundadora da Abrea, que está na Itália para acompanhar o julgamento, contesta a empresa. “Estão tentando minimizar o problema ao máximo. Até 2001, a Amindus, que faz parte do grupo suíço fundador da empresa no Brasil, ainda tinha participação na Eternit.”
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Segundo ela, na Itália, a empresa declarou falência há anos, mas o processo não tem prescrição. “Os donos não têm mais interesses no amianto, mas isso não significa ausência de responsabilidade.”
A Eternit brasileira aponta que segue “rígidos padrões de segurança que superam as exigências legais”, definidas pela Lei Federal nº 9055/95 sobre o uso, extração e industrialização, entre outros aspectos, do amianto crisotila. É essa lei que Giannasi quer pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a revisar. “É inconcebível pensar que um produto reconhecidamente cancerígeno e que já tem substitutos continue sendo explorado no Brasil.”
Ela espera que a decisão italiana reflita no STF, que, segundo a auditora, deve julgar nas próximas semanas uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANTP), pedindo a inconstitucionalidade da lei federal sobre o uso controlado do amianto. “Acreditamos que os ministros têm uma posição favorável à proibição.”
A mesma posição é defendida por Castro. “Espero que o Brasil siga o exemplo de alguns países da União Europeia (onde o uso do amianto é proibido desde 2005) e que também caminhemos para substituir totalmente o produto no País”, diz. E completa que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) define o amianto como substância perigosa e orienta seu descarte em aterro especial.
Giannasi destaca que no Brasil há um processo de 2004 semelhante ao da Itália, com decisão contra a Eternit em primeira instância pelo Tribunal Judicial de São Paulo por danos morais, materiais e de saúde para 2,5 mil pessoas. Um recurso ainda corre no Supremo Tribunal de Justiça desde 2010.
Apesar de ter o uso liberado nacionalmente, o estado de São Paulo proíbe desde 2007 a utilização de qualquer variedade de amianto em seu território. “É única medida possível para aprovar em cada estado e município uma proibição que se possa chegar a um banimento nacional. Desde 1993, existem iniciativas federais e nacionais neste sentido, mas todas foram frustradas.”
As medidas não seguiram adiante, afirma, porque o Congresso brasileiro concentra um lobby com “grande capilaridade” a favor da manutenção do amianto. “O setor consegue exercer influência com a bancada da crisotila, composta principalmente por deputados de Goiás. Muitos deles financiados por empresas do setor. No Supremo, eles têm como advogado o ex-ministro e ex-presidente do STF Maurício Côrreia (aposentado desde 2004).”
Uma barreira bancada pelo setor industrial considerada pouco inteligente por Castro. “As consequências do uso do amianto aparecem depois e as empresas vão ter que pagar por isso. O País não precisa passar por este transtorno, pois o preço disso são vidas humanas levadas em função desta exposição.”
Carta Capital

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