A boa vida de Demóstenes
Sem mandato e prestígio, o ex-senador Demóstenes continua a desfrutar dos luxos da época de parlamentar. Comemorou o Réveillon num dos melhores restaurantes de Paris, frequenta uma badalada academia, faz tratamentos em clínicas estéticas e degusta vinhos
Josie Jeronimo e Adriano Machado (fotos), de GoiâniaFELIZ E ASSOVIANDO
No dia de seu aniversário, o ex-senador Demóstenes Torres saiu
de casa de terno e gravata, mas não teve compromisso social:
foi a uma clínica estética e comprou iguarias para o jantar
Na quarta-feira 23, em seu primeiro aniversário depois da queda, assistiu-se a uma pequena romaria na entrada do condomínio Parque Imperial, em Goiânia, onde Demóstenes reside num apartamento avaliado em R$ 2 milhões. Vestido de paletó e gravata, Demóstenes saiu de casa pouco depois das 9 da manhã. Ocupado, conforme um assessor, com os preparativos de um jantar de aniversário, assumiu o volante de uma Vera Cruz Hyundai e passou duas horas fora de casa. No fim da tarde, saiu mais uma vez, dirigindo-se a uma clínica estética. No carro com o vidro semiaberto, dava tchauzinho para quem o reconhecia. Em sua vida sem mandato, Demóstenes tem aproveitado para fazer testes frequentes de popularidade.
A situação se inverte quando Demóstenes aparece nos lugares mais nobres da capital de Goiás. Numa badalada academia de ginástica localizada na Praça do Ratinho, que frequenta há anos, o tratamento é outro – revelam os funcionários. Antes, as pessoas daquele local, um dos pontos de concentração do mundo endinheirado da cidade, formavam rodinha para ouvir histórias e perguntar sua opinião. Na última semana, foi visto sozinho, como uma companhia a ser evitada. Um motorista de táxi que costuma levar Demóstenes até o aeroporto conta que recentemente ele estava muito animado e falante até a metade do caminho. Mas, quando o carro passou pelo rio Meia Ponte, ocorreu uma cena significativa. Chovia muito naquele dia, e o taxista comentou: “O rio Meia Ponte está parecendo uma cachoeira.” Ele conta que após ouvir a palavra “cachoeira” Demóstenes amarrou a cara e fez o resto da viagem em silêncio.
A vida de Demóstenes depois da queda tem elementos que lembram um melodrama do século XIX, mas vários capítulos poderiam ser escritos por Robert Parker, o mais celebrado enólogo do planeta. Em dezembro, Demóstenes esteve em Paris para passar o Réveillon e aproveitou a estadia para jantar no Taillevent, um dos mais exclusivos restaurantes da capital francesa. Situado a poucos passos da avenida Champs-Élysées e do Arco do Triunfo, o Taillevent serve vinhos que custam em média 1,8 mil euros, mas podem chegar a 18 mil euros, caso o cliente opte pelo Bordeaux Château Lafite-Rothschild, safra 1846. O gosto do ex-senador por vinhos raros e caros tornou-se conhecido nacionalmente depois que a Polícia Federal descobriu que Cachoeira lhe deu um lote de cinco garrafas do maravilhoso Bordeaux Cheval Blanc (nota mínima de 93 sobre 100 nas avaliações disponíveis de Robert Parker), pagando US$ 14 mil pela iguaria. Como se vê, longe do Senado e dos holofotes da televisão que ajudaram a transformá-lo num campeão da moralidade pública, Demóstenes continua um cálice refinado e aplicado.
VOCES ACREDIAM QUE ESTA FIGURA AI EM CIMA VAI ACELERAR ALGUMA COISA
Hoje em dia ele só aparece em Brasília uma vez por semana e passa a
maior parte de seus dias em Goiânia. Foi ali que, há poucos dias, num
jantar no restaurante Madero, degustou uma garrafa de Pêra Manca (nota
mínima de 86 na avaliação de Parker), que custa R$ 940. Em outra
ocasião, numa visita à cantina San Marco, informou aos garçons que faria
um pedido modesto, para uma refeição rápida. Pediu um Sirah Incógnito,
português cujo preço é R$ 450 (87 sobre 100 na avaliação de Parker).
Ficou contrariado porque o estoque havia acabado. Acabou servindo-se de
um Malbec argentino, o Angélica Zapata, a R$ 300 a garrafa (a qualidade
varia, mas Parker deu 91 para a safra de 1997). Ao reunir três
procuradores para um encontro festivo, Demóstenes pediu um “Barca
Velha”, que pode chegar a R$ 1,4 mil nas boas safras. Como brinde de
Natal, Demóstenes distribuiu aos amigos e aliados políticos uma garrafa
do sugestivo espumante português “Terras do Demo”, vendida a R$ 80.
Procurado por ISTOÉ para uma entrevista, Demóstenes alegou que,
orientado por seus advogados, preferia não dar depoimento nem responder a
perguntas, mas ficou claro que ainda acumula poder no Estado. Instalada
nas vizinhanças da residência do ex-senador, a equipe de ISTOÉ foi
abordada por uma viatura policial, que pediu documentos.Do ponto de vista legal, Demóstenes tem algumas complicações pela frente. Em agosto de 2012, com receio de que, mesmo sem mandato, ele ainda tivesse influência para livrar-se de qualquer investigação interna, 82 procuradores de Goiás assinaram um manifesto público exigindo que fosse aberta uma investigação sobre sua conduta. O caso hoje se encontra no Conselho Nacional do Ministério Público, que tem três opções pela frente. Pode transformar o afastamento temporário em permanente, sem maiores consequências para Demóstenes. Pode ainda aposentá-lo compulsoriamente, o que lhe permitiria conservar os vencimentos de R$ de 24 mil. Ou votar por sua demissão, que implicaria perda de qualquer benefício.
Responsável por arquivar as primeiras denúncias sobre Cachoeira que chegaram ao Ministério Público, o procurador-geral, Roberto Gurgel, costuma fazer pronunciamentos enfáticos em que confirma a disposição de acelerar as investigações contra Demóstenes. Procurado para comentar o caso, o procurador-geral mandou dizer, através de uma assessora, que sempre atuou no Conselho de forma isenta, “sem qualquer interferência nas decisões, como qualquer co nselheiro poderá confirmar”. Na prática, o caso caminha devagar. Amigo de Demóstenes, o conselheiro Fabio Silveira foi sorteado como primeiro relator e depois de 20 dias declarou-se impedido, o que já atrasou o processo em um mês.
Por causa de uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, Demóstenes também enfrenta um inquérito criminal no Tribunal Federal Regional da 1a Região. É investigado por corrupção passiva, prevaricação e advocacia administrativa. Esse processo é mais demorado e não tem prazo definido para chegar a uma conclusão.
Ao perder o mandato, Demóstenes ficou inelegível até 2027. Há poucas semanas, contestando o período em que não poderá candidatar-se, ele apresentou recurso ao Tribunal Regional Eleitoral para rever a decisão. Perdeu, mas cabe uma segunda tentativa. As incertezas da Justiça colocam várias opções no futuro político do ex-senador. Ele não foi totalmente abandonado pelos antigos aliados nem será. Muitos deles têm interesse confesso em sua herança. O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), que atua na mesma fatia do eleitorado, prepara sua candidatura ao Senado em 2014 e conta com os votos de Demóstenes.
No plano pessoal, Demóstenes pensa em atuar como advogado de grandes empresas. Atualmente, além dos vencimentos como procurador (R$ 24 mil), Demóstenes tem rendimentos como sócio da Nova Faculdade, estabelecimento de ensino em Contagem, Minas Gerais. O dono da instituição é Marcelo Limírio, sócio de Cachoeira em redes de laboratórios de Goiás. Nas conversas em que fala de seus planos, Demóstenes tem dito que, se for condenado pelo Conselho da Magistratura, poderá advogar. Wellington Salgado, ex-senador e amigo fiel, já se dispôs a ajudar.
Colaboraram: Izabelle Torres e Claudio Dantas Sequeira
Fotos: divulgação; adriano machado; Directphoto
Foto: Adriano Machado
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