Entrevista
Pesquisa já demonstrou que enxaguante bucal à base de clorexidina poderia substituir as escovas de dente com sucesso
Marco Túlio Pires
(Jupiterimages)
"Durante dois anos, os pacientes só enxaguavam a boca duas vezes por
dia. Conseguimos controlar o problema de placa bacteriana e de
gengivite"
Paul Warren
Paul Warren
Paul Warren
Warren é o vice-presidente de assuntos sobre a saúde bucal da P&G, grupo que controla a marca Oral-B. Ele já escreveu mais de 100 artigos sobre o controle mecânico e químico das bactérias na boca e, na última semana, esteve no Brasil, em Salvador, para o congresso da Associação Mundial Dentária. Warren explicou a VEJA.com porque o enxaguante bucal ainda não está nas prateleiras dos supermercados e como será a escova de dente do futuro.
Escovar os dentes é coisa do passado?
Fizemos uma pesquisa há 10 anos com um enxaguante bucal. Durante dois
anos, foi tudo o que os pacientes usaram, duas vezes por dia.
Conseguimos controlar o problema de placa bacteriana completamente e com
isso acabaram os problemas de gengivite. E se a quantidade de açúcar em
contato com os dentes fosse controlada, era possível controlar as
cáries também. Contudo, embora as pessoas não tivessem mais que escovar
os dentes, elas não gostavam disso. Para elas, limpar os dentes requeria
algum esforço e o enxague não era suficiente, mesmo o estudo mostrando
que a saúde dos dentes e da gengiva foi preservado nos dois anos durante
a pesquisa.
E esse enxaguante foi desenvolvido por vocês?
Não. Trata-se de um enxaguante genérico chamado clorexidina, disponível
por meio de receita médica em várias partes do mundo. Ele envolve a
superfície do dente com cargas negativas, então, quando uma bactéria se
aproxima, ela é repelida por causa da carga do íon que está lá. Como
qualquer medicação, existe também um risco associado.
Qual é o problema com a clorexidina?
O problema com esse enxaguante é que ele ajuda na formação de manchas
nos dentes. Então, se a pessoa consumir muito café, chá ou vinho tinto, é
provável que ela desenvolva um certo nível de manchas nos dentes. Isso,
claro, é inaceitável para muitas pessoas. A clorexidina é muito útil
para situações onde o paciente não pode escovar os dentes, por causa de
uma cirurgia, por exemplo. Mas, para grandes períodos de tempo, os
efeitos colaterais não são animadores. Além disso, muitas pessoas não
gostaram do gosto, que é bem forte. Eu brinco que se você gosta da
bebida Campari, você irá amar clorexidina. A nossa intenção era
encontrar algo que pudesse se fixar no dente e impedir a formação de
bactérias eliminando a fonte das placas.
A criação de um enxaguante bucal capaz de aposentar a escova de dentes não seria um tiro no próprio pé?
Não acredito que a nossa pesquisa traria esse tipo de consequência. Em
primeiro lugar, os resultados mostraram que mesmo controlando as placas
com um enxaguante, as pessoas ainda gostariam de escovar os dentes. A
impressão é que as pessoas precisam sentir o esforço ao escovar os
dentes para se sentirem aliviadas. Como dentista, fiquei feliz por
termos conseguido controlar a formação de bactérias apenas com um
enxaguante, porque a maioria das pessoas passa apenas 46 segundos
escovando os dentes. Todos os nossos estudos mostraram que o tempo médio
de escovação é inferior a 50 segundos. E se você gasta menos que dois
minutos escovando os dentes, você não está realizando uma higienização
adequada.
A clorexidina seria capaz de eliminar a necessidade de utilizar fio dental?
O enxaguante que estudamos não é capaz de eliminar a comida que fica
presa entre os dentes. Uma dentição perfeitamente alinhada e distribuída
não teria esse tipo de problema, mas como a maior parte das pessoas não
possui uma dentição perfeita, a resposta é não.
O enxaguante bucal seria mais barato que escovar os dentes?
Essa é uma questão interessante. Não tenho dados para afirmar que sim.
Mas depende de quanto custaria o enxaguante se ele existisse no mercado
de massa. Contudo, uma escova de dente é um aparato relativamente
barato. É possível adquirir escovas mais sofisticadas que possuem preços
variados e uma escova elétrica pode custar até 100 dólares. E
honestamente, sob uma perspectiva de eficiência pelo custo, uma escova
elétrica é melhor do que uma escova manual.
Vocês continuam na busca por um enxaguante que elimine a necessidade de escovas de dentes?
O clorexidina ainda é o padrão máximo para remoção de placas no que
diz respeito a enxaguantes bucais e sabemos que ele possui esses efeitos
colaterais com relação ao sabor e formação de manchas. Continuamos
buscando outros agentes que pudessem ter a mesma eficácia sem os efeitos
colaterais, mas, depois de 15 anos, ainda não encontramos nada. Isso
quer dizer que ainda teremos que escovar nossos dentes com uma boa pasta
dental e utilizar o fio.
O que podemos esperar para o futuro?
Houve uma pesquisa feita nos EUA ano passado perguntando às pessoas
quais cinco objetos elas levariam para uma ilha deserta. O segundo
colocado na lista foi a escova de dente. Isso mostra como as pessoas
estão ligadas a esse pequeno objeto. Creio que, baseado nas muitas
pesquisas que estive envolvido por todos esses anos, temos escovas
manuais bastante eficientes se usadas devidamente. Esse é o
desafio. Então, acredito que as pesquisas irão apontar para o
desenvolvimento de escovas elétricas, uma vez que elas fazem um trabalho
melhor em menos tempo.
As escovas elétricas estão por aí há um bom tempo, mas a maioria das pessoas ainda prefere as escovas simples.
Temos que motivar as pessoas para que a utilização seja correta. Por
isso, teremos escovas elétricas com algum tipo de mecanismo de resposta,
não apenas com uma contagem regressiva a partir de dois minutos, mas
demonstrando quais partes da boca devam ser escovadas melhor, se a
pressão está correta e assim por diante. Também acredito que as escovas
terão uma função diagnóstica. Ou seja, aproveitar todas as informações
existentes na saliva da pessoa. Seria possível captar, por meio de chips
presentes na escova, informações sobre a sua saúde bucal e geral.
Sabemos que a saliva pode mostrar indícios de diabetes e, se há
sangramento, pode ser algum sinal de gengivite. O dentista poderia
verificar a sua escova e dizer que você precisa se esforçar mais na
escovação ou que você apresenta sinais de diabetes, cáries ou gengivite,
por exemplo.
E como seria a escovação perfeita?
A primeira coisa a ser notada é a importância da saúde bucal. A boca
não é separada do corpo, existe uma relação muito grande entre a saúde
do nosso corpo e a saúde bucal. Por isso, uma boca saudável faz parte de
um corpo saudável. E para chegar nesse estágio, é preciso existir uma
escovação adequada, sistemática, passando em cada um dos dentes cobrindo
todas as regiões. É preciso uma escova de dente com uma cabeça pequena
para que todas as áreas sejam alcançadas e o mais importante, que você
tenha paciência. Se você dedicar pouco tempo de manhã porque está com
pressa para o trabalho ou escola, gaste mais tempo à noite para
compensar.
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