Frei Betto
O Papa Francisco participa da Via Sacra nesta sexta-feira com os jovens na Praia de Copacabana. A Via Sacra, exercício de piedade cristã, teve seu auge na Idade Média. Consiste em percorrer, mental e espiritualmente, 14 estações ou fases da prisão, tortura e morte de Jesus, em Jerusalém, do palácio de Pilatos até o Monte Calvário, onde o crucificaram.
Em igrejas e capelas são encontrados, nas paredes laterais, os quadros da Via Sacra: Jesus condenado à morte; Jesus carregando a cruz etc. Após o Concílio Vaticano II, muitas comunidades adotaram uma 15ª estação: a ressurreição de Jesus.Chama a atenção o fato de o Papa Francisco dispensar a 15ª estação. Toda a fé cristã está centrada na Páscoa, no fato de Jesus ter ressuscitado, o que foi testemunhado pelos apóstolos, e por “apóstolas” como Maria Madalena, a primeira a encontrar e anunciar Jesus ressuscitado.
A Via Sacra que culmina na 14ª estação — “Jesus é sepultado” — reforça uma espiritualidade de quem encara esse mundo como “vale de lágrimas”, o que não aproxima os jovens da Igreja. Jesus não veio pregar sofrimento e morte. Veio trazer para todos “vida, e vida em abundância” (João 10, 10).
Ao longo de sua história, a Igreja adotou dois símbolos de fé cristã: o peixe, em referência ao batismo pela água; e a cruz, na qual Jesus foi assassinado.
Nos primeiros séculos, a comunidade, fundada por pescadores, preferiu o acróstico grego Ichthys, que significa peixe, iniciais da frase Iesous Chistós Iheou hyiós Soter (Jesus Cristo, filho de Deus Salvador).
Sob as perseguições do Império Romano, os cristãos se reuniam em catacumbas, imersos na clandestinidade, como peixes dentro da água. Frente a tantos que foram martirizados, a Igreja adotou o símbolo da cruz.
Soa paradoxal que o Cristianismo, que celebra a vida como dom maior de Deus, adote como símbolo um instrumento de morte. Cruzes são adequadas a cemitérios, sobre tumbas. Não é o caso de Jesus, que deixou vazio seu túmulo de pedra. O fato central da fé cristã não é a morte de Jesus, é a sua ressurreição. Como diz Paulo, não houvesse ele ressuscitado, a nossa fé seria vã (I Coríntios 15, 14).
Como simbolizar a ressurreição? Através de algo que expresse a vida. E não conheço melhor símbolo que o pão. Alimento universal, é encontrado em quase todos os povos, seja feito de trigo, milho, mandioca, centeio, cevada ou qualquer outro grão ou tubérculo.
“Eu sou o pão da vida”, definiu-se Jesus (João 6, 48). No entanto, muitos têm a vida ameaçada por falta de pão. É vergonhoso constatar que, hoje, segundo a FAO, um bilhão de pessoas vive em estado de desnutrição crônica. Isso em países ditos cristãos, muçulmanos, budistas…
Jesus fez da partilha do pão e do vinho o sacramento central da comunidade de seus discípulos — a eucaristia. Ensinou que repartir o pão é partilhar Deus.
Repartir o pão era um gesto tão característico de Jesus que isso permitiu aos discípulos de Emaús o reconhecerem (Lucas 24, 30-31).
Em Jesus, Deus se fez carne e pão, a ponto de o Filho afirmar “o pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (João 6, 51). Se já não temos, entre nós, a presença visível de Jesus, ao menos adotemos, como sinal de sua presença, isto que ele mesmo escolheu na última ceia — o pão. Sinal de que somos também seus discípulos, empenhados em tornar realidade, para todos, “o pão nosso de cada dia”, os bens que imprimem saúde, dignidade e felicidade à nossa existência.
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