Luciano de Araújo Ferraz
É
sempre desafiante dissertar sobre o tema das licitações e contratos
administrativos. Matéria corriqueira e importante no dia-a-dia da
Administração Pública não deixa de suscitar questionamentos e
interpretações divergentes, sendo certo que, se o Poder Público pretende
contratar com terceiros, a licitação é, em princípio, procedimento
obrigatório, por força do que dispõe o art. 37, XXI da Constituição.
A
partir desse dispositivo, é comum afirmar-se a existência de um
princípio jurídico-constitucional da licitação. Até na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal alude-se ao princípio constitucional da
licitação. Particularmente, penso que a licitação não é propriamente
princípio jurídico. É instrumento que sintetiza dois princípios
jurídicos, o princípio da igualdade (isonomia), que se encontra na base
do próprio Estado de Direito, e o princípio da economicidade, que
determina a busca das condições mais vantajosas oferecidas pelo mercado,
no momento de a Administração realizar contratos administrativos.
Mas
a licitação - que é regra -, como toda regra que se preze, comporta
exceções. É por isso que o inciso XXI do art. 37 da Constituição inicia
sua redação com a seguinte expressão "Ressalvados os casos previstos na legislação...".
Tais exceções constituem o âmago temático deste ensaio, que versará as
contratações diretas do Poder Público e seu caráter de excepcionalidade.
Nos
termos do art. 22, XXVII da Constituição, compete à União legislar
sobre normas gerais de licitação e contratos administrativos. Entendo
que as exceções à regra da licitação - os casos de contratação direta -
compreendem normas gerais. As hipóteses em que a licitação pode deixar
de ser realizada devem, portanto, estar previstas em legislação oriunda
do Congresso Nacional, descabendo a Estados e Municípios ampliar, via
legislação própria, as hipóteses de contratação direta sem licitação.
Bem
de ver que a Lei n° 8.666/93 (LGL) não esgota as hipóteses em que a
licitação pode deixar de ser realizada. Outras normas provenientes do
Congresso Nacional dispõem sobre contratação direta, a exemplo da Lei nº
8.958/94, que trata da relação entre as Universidades Públicas e suas
Fundações de Apoio, e da Lei nº 11.107/05, que trata dos consórcios
públicos.
Quero dizer com isso que é
possível ao legislador federal (quero dizer nacional) estabelecer em
outras normas hipóteses de dispensa de licitação que não estejam
disciplinadas na LGL. Mas o foco deste ensaio serão os preceitos da LGL sobre contratação direta.
Três são os dispositivos a tratar do tema na Lei nº 8.666/93. O artigo 17, que versa hipótese de licitação dispensada; o artigo 24, que trata de hipótese de licitação dispensável; e o artigo 25, que prescreve hipóteses de licitação inexigível.
Faço
parêntese para esclarecer que não se deve confundir a possibilidade de
realização de contratação direta com ausência de procedimento
administrativo prévio à contratação. Mesmo nos casos de dispensa e
inexigibilidade é necessário que se instaure procedimento interno, vale
dizer, que se cumpram disposições que a LGL estabelece para uma
licitação normal, por exemplo, existência de orçamento, existência de
especificação exata do objeto, constituição de comissão que irá
determinar se a hipótese é mesmo de dispensa de licitação, parecer
jurídico.
Existem, pois, vários atos que
precedem a contratação direta, cuja observância é obrigatória, pena de
se descumprir dispositivos da LGL. Mas é óbvio que há casos em que as
formalidades se tornam menos expressivas, tal como nas contratações de
pequeno valor (art. 24, I e II).
Outra
hipótese - esta corriqueiramente mal interpretada - é a de dispensa de
licitação por emergência (art. 24, IV). É que, não raro, a emergência é
tão premente que inexiste condição de se estabelecer procedimento prévio
para que haja a contratação e, portanto, este procedimento será,
necessariamente, posterior, pena de a Administração ficar engessada,
impedida de atender prontamente à situação de emergência que se
instalou. Não há de ser por conta de meros trâmites burocráticos que a
Administração ficará inerte, deixando de proteger bens jurídicos
superiores como a vida e a integridade física das pessoas ou mesmo de
conservar o patrimônio público.
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