9.19.2014

Contratação direta sem licitação e seu caráter de excepcionalidade*



Luciano de Araújo Ferraz


É sempre desafiante dissertar sobre o tema das licitações e contratos administrativos. Matéria corriqueira e importante no dia-a-dia da Administração Pública não deixa de suscitar questionamentos e interpretações divergentes, sendo certo que, se o Poder Público pretende contratar com terceiros, a licitação é, em princípio, procedimento obrigatório, por força do que dispõe o art. 37, XXI da Constituição.
A partir desse dispositivo, é comum afirmar-se a existência de um princípio jurídico-constitucional da licitação. Até na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal alude-se ao princípio constitucional da licitação. Particularmente, penso que a licitação não é propriamente princípio jurídico. É instrumento que sintetiza dois princípios jurídicos, o princípio da igualdade (isonomia), que se encontra na base do próprio Estado de Direito, e o princípio da economicidade, que determina a busca das condições mais vantajosas oferecidas pelo mercado, no momento de a Administração realizar contratos administrativos.
Mas a licitação - que é regra -, como toda regra que se preze, comporta exceções. É por isso que o inciso XXI do art. 37 da Constituição inicia sua redação com a seguinte expressão "Ressalvados os casos previstos na legislação...". Tais exceções constituem o âmago temático deste ensaio, que versará as contratações diretas do Poder Público e seu caráter de excepcionalidade.
Nos termos do art. 22, XXVII da Constituição, compete à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratos administrativos. Entendo que as exceções à regra da licitação - os casos de contratação direta - compreendem normas gerais. As hipóteses em que a licitação pode deixar de ser realizada devem, portanto, estar previstas em legislação oriunda do Congresso Nacional, descabendo a Estados e Municípios ampliar, via legislação própria, as hipóteses de contratação direta sem licitação.
Bem de ver que a Lei n° 8.666/93 (LGL) não esgota as hipóteses em que a licitação pode deixar de ser realizada. Outras normas provenientes do Congresso Nacional dispõem sobre contratação direta, a exemplo da Lei nº 8.958/94, que trata da relação entre as Universidades Públicas e suas Fundações de Apoio, e da Lei nº 11.107/05, que trata dos consórcios públicos.
Quero dizer com isso que é possível ao legislador federal (quero dizer nacional) estabelecer em outras normas hipóteses de dispensa de licitação que não estejam disciplinadas na LGL. Mas o foco deste ensaio serão os preceitos da LGL sobre contratação direta.
Três são os dispositivos a tratar do tema na Lei nº 8.666/93. O artigo 17, que versa hipótese de licitação dispensada; o artigo 24, que trata de hipótese de licitação dispensável; e o artigo 25, que prescreve hipóteses de licitação inexigível.
Faço parêntese para esclarecer que não se deve confundir a possibilidade de realização de contratação direta com ausência de procedimento administrativo prévio à contratação. Mesmo nos casos de dispensa e inexigibilidade é necessário que se instaure procedimento interno, vale dizer, que se cumpram disposições que a LGL estabelece para uma licitação normal, por exemplo, existência de orçamento, existência de especificação exata do objeto, constituição de comissão que irá determinar se a hipótese é mesmo de dispensa de licitação, parecer jurídico.
Existem, pois, vários atos que precedem a contratação direta, cuja observância é obrigatória, pena de se descumprir dispositivos da LGL. Mas é óbvio que há casos em que as formalidades se tornam menos expressivas, tal como nas contratações de pequeno valor (art. 24, I e II).
Outra hipótese - esta corriqueiramente mal interpretada - é a de dispensa de licitação por emergência (art. 24, IV). É que, não raro, a emergência é tão premente que inexiste condição de se estabelecer procedimento prévio para que haja a contratação e, portanto, este procedimento será, necessariamente, posterior, pena de a Administração ficar engessada, impedida de atender prontamente à situação de emergência que se instalou. Não há de ser por conta de meros trâmites burocráticos que a Administração ficará inerte, deixando de proteger bens jurídicos superiores como a vida e a integridade física das pessoas ou mesmo de conservar o patrimônio público.

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