Responsabilização criminal e punição pelas violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura militar. Esta recomendação constará do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e atinge uma centena de ex-agentes civis e militares da repressão, ainda vivos, que cometeram crimes e participaram de forma direta das barbaridades cometidas pelo regime militar por 21 anos em nosso país.
O relatório será entregue no próximo dia 10 à presidenta Dilma e segundo Pedro Dallari, coordenador da CNV, será um documento “impactante”. Ele trará, em detalhes, os crimes e o funcionamento da estrutura de repressão, tortura, prática de crimes e extermínio montada pelos militares e que se manteve no Brasil entre 1964 e 1985.
Em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, do UOL, Dallari acrescentou que a partir dos relatos de torturas apurados pela Comissão, o relatório detalha “estupros, uso de animais em tortura, um quadro de horrores”. Com as informações do documento, previu o coordenador da CNV, “vai se instaurar uma situação muito constrangedora no país”.
“A sociedade vai se virar para as Forças Armadas (FFAA), para a presidente da República, para o governo, esperando uma atitude. E o que é pior, como esses atuais comandantes (das FFAA) vão deixar seus postos, eles deixarão uma bomba armada para seus sucessores, que terão que lidar então com esse quadro muito difícil de administrar”, prevê Dallari.
3 anos de investigações
Neste entrevista ao UOL, Dallari deu detalhes do relatório, resultado de três anos de investigações, visitas de reconhecimento dos centros de tortura, análise e coleta de documentos e, sobretudo, de depoimentos das vítimas e seus familiares. A CNV também ouviu os torturadores e criminosos do período, mas a quase totalidade deles não respondeu a perguntas e manteve-se em silêncio. Lamentavelmente, eles permanecem acobertados até hoje pela Lei de Anistia recíproca e, também, pelo comportamento vergonhoso das nossas FFAA que em nada contribuíram com os trabalhos da Comissão.
”Vamos indicar a necessidade da responsabilização”, prossegue Dallari. “Como isto vai ser feito, se vai ser afastando-se a aplicação da Lei de Anistia, reinterpretando-a, modificando a lei, isto é algo que caberá ao Ministério Público (MP), ao Poder Judiciário e ao Legislativo”, acentuou. Ele lembrou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que se negou a revogar ou revisar a Lei em 2010, que o relatório da Comissão levará a uma interpretação da Lei da Anistia por parte da Corte Suprema a partir de “casos concretos, com vítimas e autores concretos”.
Dallari pondera que há desdobramentos à frente, porque “a identificação dos autores não significa acusação de que eles sejam responsáveis, porque isso depende do devido processo legal”. Mas garante que os relatos serão todos detalhados e aponta que “à luz do direito internacional, dos direitos humanos, essas graves violações são crimes contra a humanidade e (para eles) não há anistia”.
Sobre a postura das Forças Armadas ao longo de todo esse período e sua completa falta de cooperação, Dallari lembra fato ocorrido 6ª pp, quando o MP descobriu que um hospital do Exército, no Rio (Hospital Central do Exército – HCE) não só ocultou documentos da época da ditadura, como passou a investigar os integrantes da CNV. “Essa situação é muito grave e deve ser apurada. Ou essa ocultação de documentos obedeceu a ordens superiores – o que eu realmente não creio – ou houve quebra de hierarquia e desobediência ao que seria uma orientação do (comandante do Exército), general Enzo Peri”.
Forças Armadas: completa falta de colaboração com a CNV
“Se o Ministério da Defesa e o comandante do Exército, diante desse quadro muito grave, não tomarem providência, isto será visto mais do que como inação, como cumplicidade. Não há razão para as FFAA, na sua atual composição, se acumpliciarem com condutas que não praticaram” – concluiu Dallari.
O fato é que as FFAAs fugiram da verdade, da responsabilidade que têm com o país, da oportunidade de assinarem uma nova página na História do Brasil e sobre elas próprias. Perderam a oportunidade de pedir desculpas à nação por terem desfechado um golpe, rasgado a Constituição, rompido a legalidade e sustentado uma nefasta ditadura por 21 anos.
Vamos ver, agora, à luz dos novos fatos, como o STF (hoje com uma nova composição, renovada em mais de 50% em relação àquela que manteve a Lei em 2010) vai se posicionar sobre a revisão da Lei da Anistia. Bem como se posicionarão ante as conclusões do relatório e a possibilidade de revogar a Lei também o Congresso Nacional, o MP e o Poder Judiciário como um todo.
Cliquem aqui e confiram a íntegra da entrevista.
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