11.28.2014

Quando o velho é novo

A legalização da maconha, do aborto, as ações ambientais (30% da energia do país vem hoje de fontes renováveis), tudo isso fez com que o Uruguai se tornasse em um símbolo progressista

Florência Costaflorencia.costa@brasileconomico.com.br
Há quatro anos, do outro lado do mundo, na Índia, alguns jornalistas que frequentavam o Clube de Correspondentes do Sul da Ásia, em Nova Délhi, conversavam , certa noite, sobre a América do Sul. “O Uruguai não existe. Desconfio que o Brasil criou o boato da existência desse país só para mostrar que não está sozinho na América do Sul”, disse um jornalista nepalês, rindo. O pequeno Nepal, afinal de contas, todo mundo conhece por causa de sua famosa cadeia montanhosa, os Himalaias. O Uruguai era no máximo reconhecido pelos amantes do futebol. Naquele ano, 2010, o médico uruguaio Tabaré Vázquez foi substituído no cargo de presidente do país, no dia 1º de março, pelo ex-guerrilheiro tupamaro José Mujica. Hoje, não há formador de opinião no mundo que não conheça (ou brinque que não conheça) o Uruguai.
Pepe Mujica, como é chamado, colocou para sempre o Uruguai, com seus 3,4 milhões de habitantes, no mapa Mundi dos que vivem em terras distantes. Daqui a quatro meses, Mujica passará seu mandato presidencial para o sucessor, que segundo indicam todas as pesquisas, será o colega da Frente Ampla, coalizão de esquerda. Tabaré Vazquez deverá ser eleito neste domingo, derrotando o candidato da oposição Luis Lacalle Pou, do conservador Partido Nacional, e retornando ao poder.No Uruguai, a reeleição não é permitida.
A Frente Ampla iniciou o seu governo há 9 anos pelas mãos de Vazquez, hoje com 74 anos. A coalizão esquerdista quebrou pela primeira vez a alternância de poder tradicional entre os partidos Branco e Colorado. Dez anos atrás quase 40% da população vivia abaixo da linha da pobreza: hoje, menos de 11%. 
O governo uruguaio aprovou no ano passado dois projetos históricos, que fizeram manchetes na imprensa internacional: a legalização da venda da maconha (o primeiro país do mundo a fazer isso) e do aborto. Essas medidas e o famoso despojamento desse ex-guerrilheiro que passou 13 anos na prisão nos duros anos da ditadura militar,quando foi torturado e ficou na solitária, transformaram Mujica em superestrela progressista internacional, uma das mais humildes celebridades do mundo. 
“El paisito” chegou a ser escolhido pela conservadora revista “The Economist”, em 2013, como o “país do ano”.O presidente sem papas na língua é direto quando explica o motivo pelo qual lutou pela legalização da maconha: o tráfico de drogas é muito pior do que o consumo da erva. Por mais de 80 anos se tenta lutar contra o mal com métodos repressivos, e olhe no que deu o México. Há alguns dias a língua, sem papas, de Mujica o fez cometer uma gafe diplomática ao afirmar que o México é um “Estado falido”, ao comentar o desaparecimento dos 43 estudantes que teriam sido entregues pela polícia para serem massacrados por narcotraficantes. 

A legalização da maconha, do aborto, as ações ambientais (30% da energia do país vem hoje de fontes renováveis), tudo isso fez com que o Uruguai se transformasse em um símbolo de país progressista e moderno, embora seja liderado há quase uma década por dois senhores: Tabaré tinha 65 anos quando assumiu a presidência em 2005 e ele é quatro anos mais novo do que Mujica. Luis Lacalle Pou, 41 anos, usou a idade como arma de campanha: mas não colou. O velho pode ser novo e o novo pode ser muito velho. No caso de Lacalle, ele encarna o Uruguai antigo de seu pai, o ex-presidente Luis Alberto Lacalle (1990-1995). 

Mas Mujica já deixa saudades. Nesta semana, um mendigo recebeu uma esmola de 100 pesos (cerca de R$ 10) de Mujica. “Quero que você seja presidente a vida toda”, disse o mendigo. “Não, você tá louco? “, reagiu o presidente uruguaio, com seu costumeiro desapego. Mujica se despedirá deu seus colegas da região no dia 8 de dezembro durante a 24ª Cúpula Íbero-Americana de chefes de Estado e de Governo, em Vera Cruz, no México. 
Aos 79 anos, ele está longe de pendurar as chuteiras. Eleito senador no primeiro turno das eleições, realizado no dia 26 de outubro, ele já avisou que seu plano é, além de dedicar-se ao mandato no Legislativo, onde a Frente Ampla continua dominando, abrir uma escola agrária para jovens ao lado de sua chácara, em Rincon del Cerro, a 20 minutos de Montevideo. O lugar se tornou famoso pela simplicidade. Mujica preferiu morar ali, em sua casa de três quartos — com a mulher Lúcia Topolansky, também senadora e ex-guerrilheira, e a cadelinha vira-lata de 18 anos e três pernas, Manoela — do que mudar-se para o palácio presidencial. “Eu sou rico aqui”, costuma dizer. 
Tudo em Mujica é simples: suas roupas, sua casa, seu velho fusquinha azul (que ele se recusou a vender para um sheik árabe por US$ 1 milhão), sua cadelinha e sua atitude. E assim, com o seu despojamento, ele conquistou o mundo e tornou seu país admirado até na Ásia. Façanha que nenhum outro em seu país conseguiu alcançar. Nem outros chefes de Estado. 
A fama do presidente do Uruguai fez com que recebesse convites do mundo topo para, assim que deixar a presidência, participar de conferências e eventos dos mais variados em vários lugares do planeta. O diretor nacional de turismo do país, Benjamin Liberoff, disse que Mujica “é um ativo que valoriza a marca Uruguai” e ajuda a posicionar a nação sul-americana no cenário internacional. Mujica tem uma imagem que transmite muitos valores em um mundo carente de valores.

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