Ninguém desconhece o que pensa e pontifica para o Brasil o ortodoxo economista Joaquim Levy, cogitado como novo ministro da Fazenda do governo Dilma.
Ninguém
desconhece o que pensa e pontifica para o Brasil o ortodoxo economista
Joaquim Levy, cogitado como novo ministro da Fazenda do governo Dilma.
Suas
sabidas concepções fiscais e de desenvolvimento renderam-lhe o
ilustrativo epíteto de Joaquim Mãos de Tesoura. Era assim que se
referiam a ele os corredores palacianos no primeiro governo Lula, do
qual foi Secretário do Tesouro, ao lado do não menos afiado Antônio
Palocci, então ministro da Fazenda.
Suas ideias filiam-se à matriz que levou o mundo ao desenlace sistêmico de 2008. Obra respeitável, diga-se. Injustamente
negligenciada pelo mutirão que se esforça em louvar as qualidades
técnicas, inequívocas, do escolhido para comandar a economia no quarto
ciclo do PT na presidência da República.
A esses cumpre observar que a maior crise sistêmica do capitalismo desde 1929 avança para o seu sétimo ano.
Evidências cravadas em taxas anêmicas de crescimento, desemprego maciço e ameaças deflacionistas fazem dela o episódio de recuperação mais lenta entre todas as últimas crises do capitalismo registradas no século XX.
Que
isso aconteça em paralelo a uma épica abundância de capitais e de
liquidez é ilustrativo do imbróglio que significa escapar de um abismo
escavando o seu fundo --receita apregoada pelos manuais abraçados pelos Levys de todas as latitudes.
Bancos
e as empresas estão líquidos em todo o planeta. Os mercados financeiros
hospedam cerca de US$ 75 trilhões em capitais ociosos, divididos em
voos especulativos pelos seis continentes.
Ao
contrário do que martelam os manuais abraçados pelos Levys e
assemelhados, esse tsunami, equivalente a um PIB mundial, mantém-se
distante da economia real não por excesso de regulação (a ausência delas, ao contrário, explica a crise).
O
que o impede de desembarcar na vida das nações, na verdade, é, de um
lado, a escassez de demanda em uma economia internacional asfixiada por
200 milhões de desempregados, ademais de um poder de compra das famílias
assalariadas devastado.
Mas, sobretudo, faltam ferramentas estatais e instituições multilaterais capazes de orientar e induzir o pouso dessa nuvem financeira para reverte-la em obras, empregos, modernização urbana, energia sustentável, economia verde, etc.
A
carência é tão gritante que mesmo os velhos organismos domesticados
pelo catecismo neoliberal, do FMI ao Banco Mundial, passando pela OCDE, apressam-se agora a prescrever políticas fiscais ativas de Estados e governos para salvar mercados e nações da longa estagnação em marcha.
Por que não acontece?
Porque ao longo de décadas, Levys
e assemelhados cuidaram de demonizar teoricamente e de desmontar na
prática as ferramentas de que se ressentem agora governos e partidos
para sacudir a economia e mudar o destino da sociedade.
A
saber: políticas fiscais ativas; ação estatal reguladora do
investimento e do crédito, mitigando-se as oscilações de ciclo inerentes
ao capitalismo; controles de capitais indissociáveis da rígida
repressão à lambança financeira, de modo a impedir a esterilização do
excedente em especulação rentista; fomento e proteção à indústria;
ênfase na ação de bancos públicos; coordenação dos mercados
internacionais, sobretudo dos mercados financeiros, através de fundos
contracíclicos e bancos de investimento.
Levy
foi aluno de Armínio Fraga com quem colaborou informalmente na costura
do programa do candidato da derrota conservadora em outubro, Aécio
Neves.
O
anunciado novo ministro da Fazenda foi um dos colaboradores do texto
‘Sob a luz do sol, uma agenda para o Brasil’, veiculado um mês antes das
eleições de outubro pelo Centro de Debate de Políticas Públicas, uma versão bandeirante da Casa das Garças, o think tank tucano, no Rio.
O
texto elaborado por um frente ecumênica do conservadorismo acadêmico
incluiu, além de Levy, economistas e interlocutores das campanhas de
Aécio Neves (PSDB) e de Marina Silva (PSB), como o ex-presidente tucano
do BNDES, Edmar Bacha, ademais de Samuel Pessoa, Marcos Lisboa, Mário
Mesquita e o economista-chefe do Itaú, Ilan Goldfajn. (http://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2014/09/Coletanea-capitulos-Sob-a-Luz-do-Sol-final.pdf).
As propostas
assim harmonizadas passam ao largo de qualquer autocrítica em relação
ao cuore neoliberal, como se o ano de 2008 nunca tivesse existido no
calendário do século XXI.
Desse bunker de certezas inoxidáveis saltam as linhas mestras adequadas a qualquer governo resultante das urnas de outubro.
Exceto o do PT.
Incluem-se nessa bateria:
a) a redução ‘gradativa’ da meta de inflação dos atuais 4,5% para 3% (não sem mensurar o custo em juros e desemprego dessa transição);
b) o fim do financiamento subsidiado do BNDES (o que inviabiliza qualquer política industrial);
c)
o fim da exigência de conteúdo nacional nas compras do Estado (pá de
cal no poder indutor dos gastos públicos para desenvolver setores
produtivos locais);
d) ‘liberar’ a Petrobras da obrigatoriedade de participação em todos os projetos do pré-sal e, literalmente, “gerar uma melhora no marco regulatório no setor de petróleo” ( leia-se, fim da regulação soberana do pré-sal);
e) a
criação de um Conselho de Avaliação Fiscal independente do governo
“para auxiliar a preparação dos orçamentos e avaliar a aderência da
política fiscal em curso aos objetivos declarados pelas autoridades”
(cabeça de ponte de um engessamento ainda maior do governo, que ficaria
tutelado por um regulador fiscal acima das urnas e dos votos);
f) a
autonomia operacional do Banco Central com mandatos fixos para sua
diretoria estabelecidos por lei (retira do Presidente da República a
autoridade para demitir e renomear diretorias alargando assim a
ingerência do mercado sobre a política monetária);
g) repensar
a ênfase do Brasil às negociações multilaterais da Rodada de Doha e ao
MERCOSUL (contorcionismo em defesa de acordos de livre comércio que
miram um renascimento da Alca);
h) e, por fim, um
melífluo arrazoado sobre a necessidade de ‘estimular a volta’ da
mão-de-obra ao mercado de trabalho, sem explicar o que estaria impedindo
esse retorno (Bolsa Família, seguro-desemprego?). O que se depreende,
de qualquer forma, é a preocupação subjacente em baixar o custo do
trabalho no país –pressionado, a longo, prazo, diz o documento, pela
queda da natalidade e o fim da transição urbano/rural, o que reforça a
importância de se elevar a produtividade do assalariado brasileiro.
Não se duvida da competência técnica de Joaquim Levy. Essa competência como mostra o resumo acima está a serviço de ideias.
E
essas ideias e concepções históricas são distintas daquelas que as
urnas de outubro consagraram como mais adequadas ao país nos próximos
quatro anos.
A macroeconomia reúne técnicas úteis à direita e à esquerda.
Responsabilidade fiscal, inflação baixa, câmbio competitivos, ademais, não são apanágios de qualquer coloração partidária.
O amálgama, porém, quem dá é a concepção política que maneja as alavancas do desenvolvimento de uma nação. (É prerrogativa da Dilma)
O
amálgama da coalizão conservadora que tentou derrotar Dilma tem como
requisito abortar um processo de crescimento baseado na distribuição da
riqueza para devolver o país aos trilhos de um neoliberalismo puro
sangue.
Ungido ministro da Fazenda do PT, Joaquim Levy vai dançar conforme a valsa?
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