Em artigo
publicado no jornal Folha de São Paulo no dia 06/01/15, o físico Rogério
Cerqueira Leite, professor emérito da Universidade de Campinas
(UNICAMP), e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq)
levantou uma lebre que há muito está sendo falada em voz baixa nos
corredores das universidades brasileiras, mas que até agora era quase um
tabu (Aqui!),
qual seja, o baixo impacto da maioria das publicações produzidas pelas
nossa comunidade científica. Em seu arrazoado construído a partir de um
levantamento feito pela revista britânica “Nature”, Cerqueira Leite
apontou que o Brasil aporta 2,5% das publicações indexadas em revistas
internacionalmente, atrás até do Chile. Além disso, Cerqueira Leite
também notou que boa parte do que é incluído nos currículos dos
pesquisadores brasileiros se dá na forma de jornais openscience
(abertos), e que a maioria dos artigos não passa mesmo é de lixo
científico.
O que
Cerqueira Leite não disse é que essa situação se dá às barbas, e muitas
vezes sob impulso das duas principais agências de fomento à produção
científica no Brasil, o CNPq e a CAPES. O fato é que essas agências
foram tomadas pela lógica da quantidade para ocultar a falta de
qualidade que decorre do contínuo sucateamento financeiro e intelectual
das universidades brasileiras, especialmente em anos da vigência da
máxima “Brasil grande, Estado pequeno” que se instalou após as reformas
neoliberais impostas no governo de Fernando Collor de Melo.
Esta
realidade é hoje conhecida até do mais jovem pesquisador que está
iniciando os seus estudos de Iniciação Científica, e foi elevada aos
momentos quase sacralizados pelo Currículo Lattes, que se tornou a
principal forma de se obter recursos, cada vez mais escassos diga-se de
passagem, e que acabam ficando quase sempre nas mesmas mãos. Além
disso, qualquer avaliação que seja feita hoje pela CAPES e pelo CNPq irá
utilizar o total de produções, seja o artigo publicado na Nature ou no
“Journal of Applied Sciences da Universidade Federal de Atol das Rocas”.
Mas o pior é que dai decorre uma lógica cínica de que é preciso
publicar, seja lá o que for, em nome da sobrevivência. E ai de quem
quiser refletir ou criticar essa hegemonia quantitativa!
É dessa
adesão quase irrefletida a princípios quantitativos para se aferir
mérito que decorre a adesão a pseudo-revistas científicas publicadas em
prédios localizados em algum bairro central em países como Romênia,
Índia e China. E como, apesar da lembrança colocada no momento do envio
do CV Lattes ao CNPq que falsidade ideológica é crime, punições por
fraude científica são quase tão raras quanto prisão por crime do
colarinho branco. Em função disso, o que se vê é uma inundação de
pseudo-artigos que aparecem normalmente em revistas que são colocadas em
listas internacionais como devendo ser evitadas por suspeitas de serem
fajutas (Aqui!).
Sair dessa
cultura de quantidade sobre qualidade não será fácil, pois se prende a
uma lógica de mérito que está institucionalizada. Entretanto, se não
houver a devida disposição para enfrentar o problema, a ciência
brasileira continuará num processo de auto-enganação cujo resultado
final é nos manter como um país periférico na produção
acadêmica qualificada e, pior, imerso nas profundas desigualdades
sociais e econômicas que se mantém intactas por causa dessa situação
científica capenga.
Aproveitando
a deixa, ainda digo que se alguém está surpreso no número de notas
“zero” na prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),
esta surpresa seria ainda maior se fossem lidas algumas dissertações e
teses, e artigos científicos produzidos até nas melhores universidades
brasileiras. A baixa proficiência no uso da língua portuguesa é de tal
proporção que chega a ser assustador para uma pessoa que, como eu, teve
pais cuja escolaridade não passou dos dois anos iniciais do antigo
ensino primário. É que, em comparação, meus pais tinham melhor controle e
garbo no tratamento da língua portuguesa!
Agora,
parafraseando Karl Marx, para evitar jogar a criança fora com a água
suja do banho, eu diria que a saída para esta armadilha criada por quem
quer destruir o nosso incipiente parque científico nacional será exigir
que se reverta a lógica do mérito a partir de critérios que coloquem a
importância e a necessidade de uma produção intelectual que sirva
efetivamente para resolver os graves problemas que afligem o Brasil. E
aqui há que se valorizar sim a produção científica qualificada, e que
esteja submetida a critérios de robustez, independente da disciplina em
que estiver incluída. Do contrário, continuaremos a produzir lixo
acadêmico e a sermos motivo de escárnio. E, o que é pior, afundados num
ciclo social que mistura pobreza, segregação e violência.
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