11.15.2010

Mulheres que dizem não

As japonesas querem maridos dedicados, bem empregados
e, de preferência, que se vistam bem. Na falta de candidatos
assim, continuam solteiras – para desespero do governo,
que luta para aumentar a taxa de fecundidade do país
Fotos Paulo Vitale



A segunda nação mais rica do mundo precisa desesperadamente de algo que nem o seu monumental PIB de 4,5 trilhões de dólares é capaz de comprar e nem todo o seu virtuosismo tecnológico é capaz de produzir: bebês. Mais precisamente, cerca de 900 000 a mais por ano. Com uma das menores taxas de fecundidade do planeta e o maior porcentual de idosos, o Japão corre o risco de ver sua população de 128 milhões de pessoas encolher – juntamente com a sua produtividade e riqueza – para um patamar inferior a 100 milhões de habitantes em 2046. Na tentativa de amenizar tal catástrofe, o governo anunciou, no último mês de junho, o terceiro pacote de medidas em doze anos destinado a aumentar o número de Akiras e Michikos nos berçários do país. Com um orçamento de 15 bilhões de dólares, o programa é uma tentativa de facilitar a vida das mães que trabalham. Mas não tem o poder de alterar aquilo que especialistas apontam como a principal causa da escassez de crianças no país: a pouca disposição dos japoneses – e, sobretudo, das japonesas – de casar cedo. Num país em que praticamente não existem pais solteiros, o altar é etapa inescapável para a procriação – e, quanto mais tarde os casais chegam a ele, menor a probabilidade de que contribuam para povoar a nação.
Por que os japoneses estão adiando o momento de compartilhar o tatame? Nas pesquisas, homens e mulheres respondem a mesma coisa: porque ainda não acharam o parceiro certo. Por "parceiro certo", entendem alguém que tenha bom caráter, seja carinhoso e dedicado à família. Os predicados exigidos por um e outro gênero são basicamente os mesmos. À exceção de um, invariavelmente mencionado pelas mulheres: o parceiro ideal, afirmam as japonesas, tem de ser alguém "economicamente estável’.
Eis aí, afirmam especialistas, a mais incontornável das dificuldades a separar o mundo ideal da realidade. Até 1992 – antes do estouro da bolha econômica que mergulhou o Japão numa recessão de dez anos –, 95% dos trabalhadores entre 20 e 35 anos tinham emprego fixo. Hoje, esse número caiu para 70%. O restante forma o segregado grupo de trabalhadores temporários conhecidos como "freeters" (contração da palavra inglesa "free", ou livre, com "arbeiter", que significa trabalhador, em alemão). "As mulheres não querem se casar com freeters", diz Masahiro Yamada, sociólogo e professor da Universidade Tokyo Gakugei. "Isso diminui em 30% o seu leque de pretendentes." Sinal de que as japonesas são conservadoras e querem ser sustentadas pelo marido? Não, responde a pesquisadora Mariko Fujiwara: sinal de que são pragmáticas e têm noção do que as espera. No Japão, diz Mariko, diretora do instituto de pesquisas Hakuhodo, especializado em comportamento, à exceção de um pequeno grupo de mulheres que hoje ocupa cargos executivos nas empresas, a grande maioria das trabalhadoras é pouco qualificada ou formada em universidades de menor prestígio. Numa sociedade competitiva como a oriental, elas sabem que não têm grandes perspectivas de carreira. "Essa percepção faz com que ajam de forma realista. Para se casarem, querem um homem que se responsabilize financeiramente pela família", diz a pesquisadora.
As amigas Mizuko Toriyama, 34 anos, e Akiko Takahashi, 33, confirmam a tese de Mariko. As duas dizem que não pretendem se casar com alguém "financeiramente instável". "Não sei se vou querer trabalhar até os 60 anos de idade", justifica Mizuko. "Não quero baixar meu padrão de vida", explica Akiko. Como secretária da presidência de uma grande empresa, Akiko ganha o equivalente a 1.800 dólares por mês. Diz que a boa situação financeira de um pretendente não é a primeira condição para que ela aceite casar-se com ele ("dedicação à família vem antes"), mas é a segunda. "Quando somos mais novas, só enxergamos a parte externa do homem: se é bonito, como se veste. Depois, quando amadurecemos, a realidade fala mais alto: entendemos que é necessário procurar alguém que tenha futuro", diz ela. Ah, sim, Akiko tem namorado – e com uma boa situação profissional: engenheiro de sistemas numa grande empresa. Akiko pretende casar-se com ele? Não. E por que não? "Desconfio que ele seja o típico homem japonês", diz. Segue a descrição do "típico homem japonês", segundo Akiko: "Aquele que trabalha todo dia até 11 da noite, nunca janta com a família e, nos fins de semana, vai jogar golfe com os amigos".
Mulheres exigentes, homens desorientados: o problema dos solteiros no Japão é tão sério que, em algumas regiões, o poder público tomou para si a tarefa de tentar encontrar noivas para eles. É o caso da cidade de Ikeda, na província de Nagano, oeste do Japão. Com 11 000 habitantes e uma economia baseada na rizicultura, ela é berço natural para um tipo de solteiro com pouco valor de mercado: aquele que vem de uma família de orçamento modesto e tradições arraigadas – como a que reza que a mulher deve ir morar com a sogra depois do casamento. Por causa disso, a prefeitura mantém, desde 2004, um Departamento de Promoção de Casamentos, com a atribuição, entre outras, de organizar "eventos de confraternização para solteiros" – encontros campestres que se destinam a aproximar os avulsos locais das solteiras da vizinhança.
Por meio de panfletos, solteiros e solteiras são convidados a participar (elas, com o transporte pago pela prefeitura) de um "Tokimeki-biyori", algo como "dia perfeito para se encantar". Em geral, o encontro começa com um piquenique, seguido de atividades variadas, como rafting. O último encontro do gênero ocorreu no ano passado. Depois dele, a prefeitura percebeu que talvez não fosse suficiente reunir num mesmo espaço jovens de sexos opostos e objetivos idênticos. Para que o evento produzisse o resultado esperado (leia-se romance, namoro e, oxalá, casamento), era preciso, antes de tudo, que as partes se comunicassem. Eis aí algo difícil para os japoneses. "Os homens tinham grande dificuldade em aproximar-se das mulheres", afirma Tohru Ohsawa, coordenador de eventos da prefeitura. Foi dele a idéia de contratar o professor Kiyoharu Ohashi para uma série de palestras na cidade. Ohashi especializou-se em ensinar homens solteiros a se comportar diante das mulheres de modo a aumentar suas chances de mudar de estado civil. No mês passado, ele deu sua terceira palestra em Ikeda, patrocinada pela prefeitura (veja reportagem abaixo).
[POBRE, NÃO]
Com 33 e 34 anos, as amigas Akiko e Mizuko continuam solteiras e dizem que assim pretendem permanecer até achar um homem que seja dedicado à família "e que tenha futuro"
As mulheres japonesas podem se dar ao luxo de ser mais exigentes do que os homens por dois motivos. O primeiro é que estão em vantagem numérica – a porcentagem de solteiros é maior do que a de solteiras no Japão. O segundo é que elas estão muito menos expostas do que eles às pressões sociais para deixar o celibato. No caso dos homens, essas pressões partem tanto da família, interessada na perpetuação da linhagem, como dos chefes e colegas de trabalho – já que, no Japão, funcionário confiável é funcionário casado. A vida das solteiras japonesas também tende a ser bem mais divertida do que a dos homens. Para elas, trabalhar (ainda) é uma opção. Para eles, é uma atividade obrigatória em todos os aspectos, além de ser, muitas vezes, extenuante. O Japão é o país em que mais se trabalha no planeta: 28% dos seus habitantes cumprem jornadas de mais de 50 horas por semana (contra 20% dos americanos, 15% dos ingleses e 5% dos alemães e franceses). Já as solteiras costumam ter um animado círculo de amigas, avulsas como elas, e que, como elas, podem gastar como quiserem o dinheiro que ganham, já que vivem com os pais. "Com uma vida boa e confortável, acabam rejeitando um candidato na espera de coisa melhor. Mais tarde, rejeitam outro e, quando vêem, estão com 30 e muitos anos", diz Mariko Fujiwara. O problema não é, portanto, que as japonesas não queiram se casar e ter filhos. Como a maioria das solteiras do mundo, elas sonham com isso – apenas estão à espera do homem ideal. E, ao contrário do Japão, não têm urgência em resolver o assunto.

A opção pelo filho único
Apesar dos incentivos do governo, mulheres acham
que um segundo filho ameaça o seu emprego
[DOIS É DEMAIS]
A engenheira Natsuki e seu primeiro filho. "Se tiver um segundo, vão dizer: ‘De novo?’·"
Engenheira formada pela Universidade Nihon, uma das maiores do Japão, Natsuki Tanaka, de 32 anos, acaba de ter o seu primeiro filho. Embora diga que gostaria que o bebê tivesse ao menos um irmão, já decidiu que vai encerrar a produção por aí. Motivo: ela teme que uma segunda gravidez a force a deixar o bom emprego que tem numa grande empresa de telecomunicações. A decisão de Natsuki está bem de acordo com os resultados de uma pesquisa feita pelo governo japonês. Ela mostra que a maioria dos casais com um só filho queria, na verdade, ter dois. Não o faz por dois motivos: o primeiro é o alto custo para criar uma criança no Japão (em torno de 200 000 dólares, do nascimento ao término da faculdade) e o segundo é precisamente o fato de as mulheres acreditarem que um segundo filho inviabilizaria suas chances de continuar empregadas.
Não que as leis japonesas não facilitem a vida das mães que trabalham. Até o início da década de 90, as coisas eram bem difíceis: cada empresa tinha sua própria política de licença-maternidade, quando tinha alguma. A maior parte se contentava em conceder às gestantes algumas semanas de folga, quase sempre não remuneradas. Sucessivos anos de baixíssimas taxas de natalidade, no entanto, mudaram a situação. Hoje, as empresas são obrigadas a conceder às funcionárias catorze semanas de licença-maternidade (seis antes do parto e oito depois), seguidas da opção de retornar ao trabalho ou de ficar em casa (recebendo 50% do salário) até que o bebê faça 1 ano. Depois disso, a criança tem direito a uma vaga em creche subsidiada pelo governo e a mãe, a um horário de trabalho mais flexível que o dos colegas.
Natsuki concorda que a lei é bastante razoável. Mas diz que não são as condições objetivas que a preocupam. O que ela teme é que uma segunda gravidez desagrade seu chefe e colegas de trabalho. "Eles são gentis, mas, quando dizem: ‘Que bom que você vai poder ficar tanto tempo fora cuidando do seu bebê’, percebo que há uma certa crítica pelo fato de que alguém terá de fazer o meu serviço", conta. Para a engenheira, no entanto, ainda que a gravidez de uma funcionária sobrecarregue seus colegas, não há grandes problemas quando ela ocorre pela primeira vez. "Mas, na segunda, vão dizer: ‘De novo?’." Natsuki também não acredita que vai usufruir o direito legal de chegar mais tarde e ir embora mais cedo do serviço. "Se todos tiverem de trabalhar até meia-noite, eu não poderei simplesmente virar as costas e ir embora", diz. "Não é uma questão de a lei permitir ou não. Na vida real, as coisas funcionam de outro modo."

Como seduzir uma japonesa
Diante da escassez de noivas, solteiros fazem
curso para aprender a conquistar mulheres
[PRIMEIRA LIÇÃO]
Combinar as cores e "parar de comprar roupas no supermercado", diz a instrutora
Estendida na parede da sala de aula, uma faixa com letras grandes convida: "Vamos polir o homem que mora dentro de você: as chaves para fazer sucesso nos encontros". Na platéia, estão quatro homens com idade entre 29 e 35 anos, todos solteiros. É a terceira palestra que o professor Kiyoharu Ohashi, diretor da Escola de Noivos de Nagoya, faz na cidade de Ikeda a convite da prefeitura local. Há quatro anos, Ohashi dá cursos em que ensina a homens ansiosos por deixar o celibato noções de moda e "técnicas de conversação" – o ponto fraco dos japoneses em matéria de sedução, segundo ele.
Dessa vez, Ohashi trouxe instrutoras para ajudá-lo. A platéia, minúscula, está muda e tensa. A primeira instrutora começa por relacionar temas que podem render "boas conversas". De acordo com o professor Ohashi, escolher sobre o que vai falar é uma das principais dificuldades relatadas pelos alunos. "Ao contrário das mulheres, que lêem revistas e vão a restaurantes da moda com as amigas, os homens japoneses só trabalham. Na hora de um encontro, não têm assunto." A instrutora sugere que os alunos comecem por perguntar às mulheres em que cidade nasceram. Para efeito de treino, propõe simular diálogos com os participantes. O primeiro se recusa. O segundo desiste logo no início. O terceiro segue a sua orientação e começa perguntando de onde ela é. "Kioto", responde a instrutora. Ele leva a mão ao queixo e permanece vários segundos em silêncio balançando afirmativamente a cabeça, até que, finalmente, diz: "Ah, Kioto... Tem muita violência em Kioto, não?". A instrutora salta da cadeira, levando as mãos à testa: "Não, não!", exclama, enquanto os demais riem. "O comentário deve ser agradável!" O participante enrubesce.
Outro exercício consiste em aprender a sorrir no momento de cumprimentar uma mulher – tarefa que pode ser das mais complicadas para um japonês. Parte por timidez, parte por tradição, muitos homens costumam apresentar-se às mulheres com a cara mais fechada possível. "Isso assusta", informa a instrutora. Depois de distribuir espelhos aos participantes, ela pede a eles que exercitem alguns músculos faciais, de modo a "relaxá-los e aprender a dar um sorriso natural". I. Matsuoka – 32 anos, funcionário de uma empresa de construção que, como os demais participantes, afirma ter-se inscrito no curso "por curiosidade" – concentra-se diante da própria imagem, move alguns músculos do rosto para baixo e para cima e logo desanima: "Muzukashi" ("difícil"), diz. Ohashi concorda. "Assim como não foram treinados para sorrir, os japoneses não foram ensinados para atrair uma mulher e nem mesmo para ser agradáveis com ela", diz. Agora, diante da concorrência apertada, correm o risco de ficar para titios.

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