Sempre na mira dos médicos quando o assunto é o coração, agora a gordura se tornou alvo de pesquisas que a associam a outras doenças, como as infecciosas e o câncer
"Observamos que, diante da invasão pelo micro-organismo, o sistema imune libera substâncias que, por sua vez, emitem uma ordem para que haja diminuição dos índices de LDL", conta, em entrevista a SAÚDE!, o médico geneticista Peter Ghazal, que conduziu o experimento. À primeira vista, essa informação pode soar como uma boa notícia. Afinal, prestes a iniciar um combate, as células imunológicas nos prestariam um serviço extra ao nocautear o colesterol ruim. Só que a história é bem outra. Os pesquisadores desconfiam que, ao mantermos o LDL sob rédeas curtas, as defesas não precisariam queimar essa gordura e, assim, ficariam mais disponíveis para enfrentar os micróbios baderneiros. A pergunta que não quer calar é: por que elas têm de se meter nesse imbróglio gorduroso?
A bióloga Marília Seelaender, do Grupo de Pesquisas sobre o Metabolismo do Câncer da Universidade de São Paulo, esclarece a teoria com mais detalhes. "Ao ser desafiado, o sistema imunológico fabrica uma substância, o interferon. Ele, por sua vez, inibe a produção de enzimas responsáveis pela síntese de colesterol", esclarece. Ou seja, as fábricas dessa partícula entram em marcha lenta. De acordo com Marília, uma molécula formada durante esse processo, chamapor da mevalonato, seria importante para que alguns vírus, como o da dengue, consigam se multiplicar a contento. Em outras palavras, interromper esse ciclo no início privaria o inimigo do substrato de que necessita para se replicar.
Com base nesse resultado, Peter Ghazal e sua equipe se animam com a hipótese de que as estatinas — as principais drogas utilizadas para controle do colesterol — possam ser uma alternativa ou um reforço aos medicamentos contra infecções no futuro. "As estatinas bloqueiam justamente a via do mevalonato", concorda Marília. "Mas investigamos, também, outras maneiras de interromper esse mecanismo", anuncia Ghazal. Na opinião do cardiologista Raul Dias dos Santos, diretor da Unidade de Lípides do Instituto do Coração, em São Paulo, toda a linha de pesquisa faz bastante sentido. "Há evidências de que pacientes tratados com estatinas apresentam menor risco de morrer diante de uma septicemia, infecção generalizada grave".
Chega de malhar o colesterol. Agora é a vez de enaltecê-lo. Mas não sua faceta vilã, o LDL, e sim a do bem, o HDL. Ele acaba de ser aclamado como auxiliar na prevenção do tumor de cólon em um experimento liderado pelo National Institute for Public Health, na Holanda. Para estabelecer essa relação, os cientistas analisaram os resultados de exames de sangue de 1 238 pessoas saudáveis e do mesmo número de indivíduos com câncer colorretal. Em cerca de 700 deles, a doença se localizava no intestino. O objetivo era comparar o perfil de colesterol dos dois grupos e detectar correlações entre os níveis da gordura e a incidência do problema. Os hábitos dos participantes também foram avaliados.
O resultado foi surpreendente. "Verificamos uma ação protetora do HDL e de uma de suas proteínas, a apo A, contra as lesões localizadas no cólon", revela o epidemiologista Bas Bueno-de- Mesquita. A cada 16,6 miligramas por decilitro de aumento no HDL e 32 na apo A, houve uma redução de 22 e 18% na probabilidade de sofrer do mal, respectivamente. "Uma das explicações para esse efeito seria a ação anti-inflamatória desses lipídeos", especula o pesquisador. Ele se refere à neutralização de substâncias pró-inf lamatórias relacionadas ao câncer, como a interleucina-6, que agridem as células, induzindo-as a uma multiplicação desordenada. Há outra hipótese igualmente plausível. "O HDL carrega uma enzima, a paraoxonase, que diminui a oxidação do LDL", esclarece Raul Santos. E o processo oxidativo natural do
organismo influi na gênese de tumores.
"Não podemos descartar, ainda, a possibilidade de o HDL e a apo A serem meros marcadores de maus hábitos, que, estes sim, propiciariam a enfermidade", lembra o oncologista Samuel Aguiar Junior, do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo. Marília Seelaender entende esse ponto de vista: "Níveis muito baixos do colesterol bom podem ser reflexo de fatores como sedentarismo, obesidade, alto consumo de gordura saturada e tabagismo. Aí, cabe ao médico alertar sobre a necessidade de reverter esse quadro".
Por fim, há mais uma situação em que o colesterol faria soar o sinal de alarme para o câncer. "Quedas muito bruscas nas taxas da gordura levantam suspeitas", diz Santos. Isso porque o tumor a utilizaria para compor suas membranas celulares. Mas, na opinião de Marília, é pouco provável que isso aconteça: "Algumas células tumorais sintetizam o próprio colesterol de que necessitam. Dificilmente precisariam retirar esse substrato do organismo". Pelo sim, pelo não, cabe a você, leitor, preservar o intestino da ameaça e dar uma força ao HDL, maneirando na gordura saturada e suando a camisa
Justiça à gordura Apesar do status de vilão, o colesterol tem papel primordial em diversas funções orgânicas
Se está em excesso, ele é uma ameaça para as artérias; por outro lado, sua escassez faz uma falta imensa para o corpo todo. Isso porque o colesterol participa da formação de substâncias importantíssimas para o organismo. "Esse lipídeo é matéria-prima para a fabricação de hormônios, como o estrogênio, a testosterona e o cortisol", exemplifica Marília Seelaender. "Além disso, integra as membranas de todas as nossas células e atua na comunicação entre elas", completa. Por fim, a partícula também é precursora de vitaminas, como a D (veja a reportagem na página 24).
Cérebro engordurado? LDL nas alturas contribuiria para o desenvolvimento do Alzheimer
Não à toa, estudos já apontavam, na década de 1990, uma associação entre doenças cardiovasculares e o risco de apresentar Alzheimer. O culpado seria o colesterol ruim, o LDL, conforme sugerem pesquisas atuais. "Uma proteína conhecida como precursora de amiloide é produzida no sistema nervoso e quebrada por enzimas, liberando fragmentos inócuos", explica o neurologista Paulo Caramelli, da Universidade Federal de Minas Gerais. "Acontece que o LDL induziria um metabolismo alterado dessa mesma proteína, favorecendo a formação das chamadas placas beta-amiloides, que estão por trás do Alzheimer"
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