A professora Thais Queluz conta que tinha duas metas quando criou o curso Seleção Racional de Medicamentos e Boas Práticas de Prescrição Médica e Odontológica, em 2003. A primeira era conscientizar os alunos de que a receita médica é um documento do paciente e, portanto, ele precisa entender o que está escrito nela. "Não pode ter abreviações, a letra tem de ser legível, a dosagem e a forma de administração devem estar claras", diz a professora.
O desafio maior, porém, é ensinar os estudantes a fazer uma escolha racional. "Mostramos como buscar evidências científicas que ajudem a selecionar a droga com base em quatro critérios: eficácia, segurança, facilidade de acesso e custo", diz Thais. Se há dois remédios semelhantes, afirma, deve-se optar pelo mais barato. Mas isso nem sempre acontece por causa do assédio da indústria farmacêutica, com seus brindes e amostras grátis.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), metade dos medicamentos que circulam no mundo foi prescrita, administrada ou vendida incorretamente.
Em 2010, o Ministério da Saúde ofereceu recursos para Thais desenvolver uma versão online do curso. O material foi entregue em dezembro e, nos próximos meses, estará disponível no portal da Universidade Aberta do SUS, ainda em fase de teste.As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
AE - Agência Estado
Receitas médicas devem ser legíveis
No Brasil, a legislação é clara, mas poucos médicos cumprem a lei e atendem ao seu código de ética, entregando aos pacientes receitas legíveis e com informações completas, sejam manuscritas ou eletrônicas.“O problema foi a administração de uma dose errada ou a posologia errada de um remédio”, declarou ao jornal Folha de S. Paulo (6/2/2006). “E sabe por que isso acontece? Porque o farmacêutico ou o paciente não entenderam a letra do médico. Porque ele usa praticamente a mesma abreviação para designar miligrama ou micrograma numa receita, o que dá uma brutal diferença”.
No Brasil, a legislação é clara, mas poucos médicos cumprem a lei e atendem ao seu código de ética, entregando aos pacientes receitas legíveis e com informações completas, sejam manuscritas ou eletrônicas. Portanto, caligrafia é assunto mais grave do que sugere a jocosa expressão “letra de médico”.
Rodinei Vieira Veloso faz a sua parte. Professor de Deontologia e Legislação Farmacêutica da Universidade São Francisco, campi Bragança Paulista e Campinas (SP), usa a imaginação para conscientizar os alunos sobre a importância do profissional de farmácia.
No ano passado, por exemplo, pediu que escrevessem a marca Bombril em um pedaço de papel e tentassem comprar “o remédio”. Dos dez estabelecimentos visitados na região de Bragança Paulista, só um recusou o atendimento. “Os nove restantes venderam medicamentos que começavam com a letra B, a única escrita de forma clara”, conta o professor. “Tem de haver uma mudança de postura”.
Mar de Remédios
Vários fatores contribuem para criar o risco – condições de trabalho, inexperiência, rotina, má formação acadêmica dos profissionais de saúde, rótulos mal elaborados. Esse conjunto ainda se agrava com a similaridade de nomes, problema ampliado com o volume de remédios existentes no mercado – 30 mil, informa a Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ou 1,6 bilhão de unidades, de acordo com a Febrafarma- Federação Brasileira de Indústria Farmacêutica.
Para a professora Silvia Helena Cassiani, da Faculdade de Enfermagem da Universidade de São Paulo, campus Ribeirão Preto, um terço dos erros de medicação deve-se à semelhança entre os nomes de remédios.
“Há mais ou menos oito anos, houve uma troca de medicamento aqui em Bragança”, conta Veloso. “Em vez de Helmiben, um anti-helmíntico usado contra verminose e de uso oral, foi vendido o Hebrin, um antimicótico à base de iodo, de uso tópico. O Hebrin foi ingerido por uma criança de 5 anos, que sofreu sérias complicações gástricas, com seqüelas até hoje”.
Curiosamente, a população quase não reclama sobre esse tipo de problema. O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo recebeu, de 2004 até agosto deste ano, doze denúncias sobre “caligrafia ilegível” na prescrição. O Procon-SP, nenhuma, segundo Renata Molina, supervisora de saúde da entidade. “O consumidor não deve se intimidar”, alerta Renata. “É preciso perguntar ao médico que remédio ele está prescrevendo, qual a forma de administração. Não é só pôr a receita no bolso e ir embora”.
Informatização pode ajudar
Prescrições em prontuários eletrônicos podem melhorar os diagnósticos e reduzir riscos para os pacientes. Estudo comparativo de 45 prontuários manuscritos e eletrônicos de pacientes do Centro de Traumatologia do Esporte da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) mostrou diferença significativa: menos de 34% dos prontuários escritos à mão permitiram um diagnóstico correto; já entre os eletrônicos o acerto foi de quase 67%.
A sugestão do fisioterapeuta Maurício Merino Nunes, que realizou o estudo em 2005, é estimular a informatização dos prontuários, dando maior confiabilidade a um documento de importância crítica tanto para o tratamento quanto do ponto de vista legal.
Dificuldades, como transpor para a tela as anotações não-padronizadas e os desenhos muitas vezes encontrados nos prontuários, seriam superadas com a utilização de fotos, filmes, digitalização de exames, etc. Além de resolver o problema, esses recursos multimídias aumentariam a compreensão do quadro clínico documentado.
Outra vantagem apontada é o potencial da documentação eletrônica para melhorar a qualidade e a continuidade do processo assistencial como um todo e, ainda, para contribuir com pesquisas nas mais diversas áreas de saúde.
Responsabilidade Solidária
Ao prescrever medicamento, dosagens e tomadas difíceis de ler, médicos e cirurgiões-dentistas descumprem uma legislação que começou em 1932, com Getúlio Vargas. O então chefe do Governo Provisório assinou decreto que obrigava os médicos a “escreverem as receitas por extenso, legivelmente, em vernáculo, nelas indicando o uso interno ou externo dos medicamentos, o nome e a residência do doente, bem como a própria residência ou consultório”.
Nas décadas seguintes, várias leis e códigos de ética ampliaram essa determinação, de modo que, hoje, a responsabilidade é solidária. No caso de dano à saúde, os órgãos médicos competentes apuram cada caso, verificando se o médico, o farmacêutico e o consumidor podem ser responsabilizados, explica Renata Molina, do Procon-SP. “O primeiro, por ser o prescritor; o farmacêutico, porque tem conhecimento específico para interpretar a prescrição e, não conseguindo, tem amparo legal para recusar o aviamento – a dispensação, na nomenclatura médica; e o consumidor, porque deveria ter tirado a dúvida com o médico”.
Segundo o departamento jurídico do CRF-SP – Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo, se a farmácia ou drogaria for responsabilizada, “o farmacêutico será responsável solidário independentemente de quem tenha vendido (o remédio), uma vez que os balconistas trabalham sob sua supervisão”. Quanto à indústria, será responsabilizada se ficar comprovado que o medicamento que produziu era impróprio para uso.
Fonte: Revista Medicina Social
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