Envelhecimento, Corrida contra o tempo
A ciência está longe da cura do envelhecimento, mas o nosso conhecimento sobre o assunto nunca evoluiu tão rapidamente. Saiba o que é verdade e o que é mito sobre o avanço da idade.
Um alienígena que nos visitasse e examinasse os dados
demográficos do século XX pensaria que a humanidade dominou o processo
de envelhecimento. De fato, nossos números impressionam. Em 1900, a
expectativa média de vida
do brasileiro ao nascer era de 33 anos. Hoje, é de 68, mais que o
dobro. Nos Estados Unidos, saltou de 47 para 75 anos, no mesmo período.
“Em breve”, pensaria o alien, “esses terráqueos viverão centenas de
anos”. O extraterrestre ficaria ainda mais impressionado se conhecesse
as técnicas antienvelhecimento que vários profissionais de saúde
oferecem por preços módicos. “A imortalidade está ao alcance das posses
de qualquer um!”, diria o ET.
Nada mais enganoso. Apesar de ser uma das mais antigas preocupações da humanidade, presente em escritos de mais de 5 000 anos, o envelhecimento só é estudado a sério, com rigor científico, há algumas décadas. E ainda não temos muitas certezas a respeito.
Mas há avanços. Na verdade, nosso conhecimento sobre o tema nunca evoluiu tanto, graças a dois fatos. O primeiro foi a explosão da população idosa que, nos países ricos, ultrapassou o número de jovens menores de 14 anos. Para dar bem-estar a essa multidão é preciso entender o que ocorre com ela. O avanço da pesquisa genética também ajudou, especialmente depois que o genoma humano foi desvendado. O que você vai ler nas próximas páginas é um resumo do que se sabe e do que ainda falta saber sobre o assunto.
Mas por que isso acontece? Qual a razão biológica para envelhecer? A resposta é que não há razão. Envelhecemos porque, pela lógica da seleção natural, que é como “pensa” a natureza, o que acontece com o indivíduo depois que ele gerou descendentes não faz diferença para o futuro da espécie. Assim, a perda das reservas – aquele “algo mais” para atravessar momentos difíceis – após a idade reprodutiva não prejudica a espécie. Em alguns casos, pelo contrário, a beneficia. Em ambientes onde falta alimento, quem já passou da idade fértil representa uma competição extra. Aos poucos, portanto, a natureza privilegiou as espécies cujos integrantes deixavam o palco assim que seu papel acabasse.
Esse mecanismo acontece da seguinte forma, segundo Jay Olshansky, professor de Saúde Pública na Universidade de Illinois, em Chicago, Estados Unidos: os genes prejudiciais a uma espécie são simplesmente banidos pela seleção natural ou desativados até depois da idade reprodutiva, porque seus portadores deixam menos descendentes. Pesquisas recentes mostram que muitos genes prejudiciais ao organismo na idade avançada são úteis na juventude. O câncer de pele, por exemplo, é uma versão fora de controle da capacidade da pele de curar as feridas, segundo o gerontologista americano Steve Austad.
A espécie humana foi a primeira a reverter esse estado de coisas. Nosso corpo foi forjado há 130 000 anos, uma época em que os humanos, por mais fortes e saudáveis que fossem, morriam todos antes dos 30, vítimas de acidentes, predadores ou doenças. Mas nós domamos essas adversidades, elevando nossa expectativa de vida para muito além da idade reprodutiva. Ou seja, a degeneração que enfrentamos a partir dos 30 anos, ou, em outras palavras, o envelhecimento, nada mais é que a entrada em um período da vida para o qual a seleção natural não nos preparou. “A velhice é um produto da civilização. Só ocorre nos seres humanos, nos animais domésticos e nos mantidos em zoológicos ou laboratórios”, diz o professor Leonard Hayflick, professor da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia, Estados Unidos, e membro fundador do Instituto Nacional do Envelhecimento dos Estados Unidos.
Mas não somos imunes à seleção natural. A capacidade de prolongar a idade fértil, por exemplo, é um indicador da longevidade e vale também para nós. Segundo um estudo realizado nos Estados Unidos, mulheres que tiveram filhos depois dos 40 anos têm quatro vezes mais chances de atingir os 100 anos que as demais.
O número de vezes que uma célula se divide, por exemplo, é programado para cada espécie e está diretamente relacionado à longevidade. As células do camundongo, animal que vive três anos, dividem-se 15 vezes. As nossas dividem-se 50 vezes. E as da tartaruga das ilhas Galápagos, que vive 175 anos, dividem-se 110 vezes. Os cientistas já sabem que o número de divisões é determinado pelo tamanho dos telômeros, um novelo de DNA localizado na extremidade dos cromossomos e que serve como uma sola. A cada divisão, os cromossomos perdem parte do telômero, até que a sola acaba e a célula pára de se dividir e morre. Há uma enzima que evita a perda do telômero e torna a célula imortal. Seria o elixir da imortalidade? Longe disso. É ela que produz células cancerosas.
Richard Lerner, do instituto de pesquisa The Scripps, em La Jolla, na Califórnia, descobriu que alguns genes responsáveis pela divisão celular se modificaram com o tempo, provocando alterações que acarretam os sinais visíveis da degeneração e doenças. “O envelhecimento é predominantemente um problema de divisão da célula”, diz.
Jay Olshansky e outros colegas pensam diferente. Para eles, não há genes programados para nos envelhecer, mas sim para combater o envelhecimento, seja reparando os danos causados às células, seja evitando ameaças. O problema é que, após a idade reprodutiva, esses genes não dão mais conta do recado, em parte porque perdem eficiência e em parte porque o trabalho aumenta, porque outros genes se alteram e se tornam fontes potenciais de danos à célula. Ou seja, para Olshansky, os genes influenciam o envelhecimento, mas de forma indireta, como efeitos colaterais do crescimento, do desenvolvimento e da manutenção da saúde. “Envelhecer não se deve a uma intenção evolucionária, mas a uma negligência da seleção natural”, diz.
Ninguém sabe ao certo o que causa os danos à célula. Entre os vários suspeitos, os mais famosos são os radicais livres, que são moléculas altamente reativas produzidas aos bilhões dentro da célula, como resíduo tóxico da transformação da glicose em energia. Os radicais são um perigo porque reagem com qualquer molécula que encontram, modificando-a. Dentro da célula, isso significa deformações no DNA, enzimas e proteínas importantes para o seu funcionamento.
Portanto, esqueça as fórmulas mágicas. Não é possível frear o envelhecimento e impedir as mudanças que ocorrem com a idade (veja quadro ao lado). Mas é possível evitar males maiores. “Não há como evitar as perdas decorrentes do processo de envelhecimento. Mas é possível aumentar a eficiência da parte que sobrevive a cada ano”, diz Clineu de Mello Almada Filho, da Unifesp.
Um coração enfartado ainda pode bater por anos, uma pessoa vive bem com um só pulmão e um idoso pode aumentar sua capacidade aeróbica e sua força, até o ponto de poder correr para alcançar o ônibus sem morrer fulminado. É aqui que entra em cena o estilo de vida de cada um. Calcula-se que o estilo de vida responde por 70% da longevidade de uma pessoa. Só 30% se devem a fatores genéticos. Imagine uma pessoa de 60 anos com pneumonia. A doença compromete os pulmões e reduz o nível de oxigênio no sangue, obrigando o coração a acelerar seu ritmo para bombear mais sangue e suprir a carência de oxigênio. Se a pessoa estiver bem condicionada, ela tomará seus antibióticos e ficará curada da pneumonia. Mais lentamente do que se fosse mais jovem, mas dará conta do recado. Se ela for sedentária, porém, seu coração tem mais chance de sucumbir ao esforço extra, ter uma insuficiência cardíaca e precisar de cuidados extras.
Mas qual é o estilo de vida ideal? Acredite, ele é mais óbvio do que você pode imaginar e pode ser resumido em oito atitudes saudáveis.
Coma direito As escolhas alimentares, sozinhas, podem aumentar ou diminuir a vida de uma pessoa em 13 anos. E os cientistas já têm uma razoável certeza do que é uma boa dieta. A maior parte dos estudos diz que o regime mais saudável é baseado em frutas, vegetais, grãos integrais, peixe, nozes e poucas porções de carne sem gordura.
Não fume O cigarro é o primeiro fator de risco para o câncer e aumenta a incidência de doenças cardíacas, duas das principais causas de morte.
Beba com moderação Evidências sugerem que consumir uma taça de vinho por dia faz bem ao coração e às artérias. Mais que isso, porém, pode trazer complicações, principalmente ao fígado e ao cérebro.
Controle seu peso Pessoas muito magras e muito gordas vivem menos. Nas tabelas peso-altura, que indicam o peso desejável para várias estaturas, a expectativa de vida é maior para quem se mantém no centro da faixa de peso desejável. Pesquisas recentes aumentaram esse limite para até 20% acima do ponto médio.
Exercite-se Os benefícios mais conhecidos do exercício ocorrem no coração. O famoso Framingham Heart Study, que monitora, há mais de 50 anos, a saúde dos habitantes de Framingham, nos Estados Unidos, descobriu que andar uma hora por dia durante a vida adia a morte por dois anos. Outros órgãos também ganham. As incidências de diabete e de câncer no cólon caem. E o cérebro corre menos risco de falhas.
Mantenha a cabeça ativa Estudar, aprender línguas, enfim, obter novos conhecimentos gera novas conexões entre neurônios, mantendo o cérebro saudável. Há indícios de que isso reduz o risco de doenças como o Alzheimer.
Relacione-se com os outros Homens bem relacionados socialmente, bem-humorados e otimistas têm mais chance de envelhecer saudavelmente e sem problemas psicológicos.
Encontre um modo de lidar com o estresse Estudos sugerem que otimistas tendem a viver mais que os pessimistas. E os religiosos sobrevivem aos ateus. Aliás, se rir não for o melhor remédio, como diz o ditado, certamente é um deles. Risadas exercitam o coração, reduzem os níveis dos hormônios do estresse, aumentam a imunidade e limpam os pulmões.
Essas são dicas de prevenção. Para quem já chegou à idade avançada, a geriatra Andrea Prates, coordenadora do Centro de Informação sobre o Envelhecimento Saudável, em São Paulo, acrescenta outros dois conselhos: procure manter a autonomia e a independência. Segundo pesquisas realizadas com idosos, velhinhos que tomam conta de si têm menos chance de morrer que os que dependem de outras pessoas para realizar suas atividades diárias.
Seja qual for a origem desse suposto limite, ele já foi superado. Em 1997, a francesa Jeanne Calment morreu aos 122 anos e 164 dias e é a pessoa que, oficialmente, mais tempo viveu, quebrando inclusive o limite de 115 anos que Leonard Hayflick estipulara no início dos anos 90, em seu livro Como e Por Que Envelhecemos (Editora Campus, esgotado no Brasil).
A verdade é que não há como saber nosso limite, mas o assunto ainda gera discussão porque institutos de previdência e empresas seguradoras, entre outros ramos de atividade, vivem de calcular quanto tempo viveremos e uma mudança no limite de idade teria influência direta na expectativa de vida. Em um documento assinado por James W. Vaupel, da Duke University, Carolina do Norte, Estados Unidos, e por Jim Oeppen, da Universidade de Cambridge, Inglaterra, que estudam demografia e populações, os dois cientistas afirmam que “a expectativa de vida não parece estar chegando a um limite” e dizem que tentar demarcar essa fronteira pode levar a erro. “Todas as tentativas de prever qual seria a expectativa de vida no futuro foram quebradas, desde as que foram feitas em 1928 até as elaboradas em 1990. Em média, a realidade ultrapassou a expectativa projetada em cinco anos.”
Do outro lado desse debate estão cientistas como Olshansky, também munidos de bons argumentos. O crescimento da expectativa de vida no século XX, diz ele, deve-se principalmente à redução das causas de morte entre crianças e jovens, graças a conquistas como saneamento, vacinação e medicamentos. Hoje, restaria pouca margem para avanços nessas faixas etárias: se eliminássemos todas as causas de morte existentes antes dos 50 anos nos países ricos, a expectativa de vida de um recém-nascido aumentaria apenas 3,5 anos. Para que a expectativa de vida aumente ainda mais, será preciso adicionar anos às pessoas de mais de 70 anos, o que não é tão fácil.
Pois há uma exigência a mais. Essas pessoas teriam que ser controladas durante toda a vida, até que a última morresse, porque ninguém descobriu ainda um indicador para medir o envelhecimento humano, além do método mais óbvio, o tempo de vida.
Na falta de dados como esses, indispensáveis ao rigor científico, os cientistas testam suas idéias em animais, o que limita o alcance das descobertas.
A ironia é que, a despeito da tecnologia empregada nas pesquisas, a técnica mais eficaz até hoje descoberta para retardar o envelhecimento e aumentar a longevidade foi descoberta há 70 anos e consiste, simplesmente, em passar fome. Essa técnica, chamada de restrição calórica ou subnutrição sem desnutrição, nada mais é que uma dieta de baixas calorias, correspondente a dois terços do que o animal come normalmente e suficiente apenas para manter os sistemas vitais operando. O benefício é evidente. A dieta dobrou a longevidade média de ratos e já foi testada, com sucesso, em fungos, moscas, vermes, peixes, aranhas, ratos e camundongos. Estudos em andamento em macacos rhesus mostram que os resultados serão idênticos.
Como isso ocorre? Ninguém sabe. Suspeita-se que a dieta reduz a produção de radicais livres, que nascem durante a transformação de glicose em energia dentro da célula.
O próximo passo é fazer testes em humanos, o que não vai ser fácil, porque a técnica tem menos efeito quanto mais tardiamente é adotada. Além disso, mesmo que fique comprovada, será que as pessoas se submeteriam a isso? Há indícios de que a restrição calórica causa desconforto, além, claro, de uma baita fome. Os cientistas estão agora procurando mimetizar seu efeito sem a necessidade de jejum e já há notícias promissoras. No mês passado, foi anunciada a descoberta de uma substância que impede o metabolismo da glicose, imitando o efeito de uma dieta rigorosa e enganando a célula.
Outra técnica famosa é o uso de antioxidantes, que combatem os radicais livres, impedindo-os de danificar a célula. Essas substâncias realmente existem e são conhecidas. Muitas são, inclusive, produzidas pelo organismo ou encontradas em alimentos, como as vitaminas E e C. O desafio dos cientistas é provar que doses extras de antioxidantes podem aumentar o combate aos radicais livres sem causar outros males à saúde. Até agora, a prova não surgiu, embora haja experiências de sucesso em animais como vermes.
Um dos maiores riscos das pesquisas nessa área é que as pessoas podem pensar que não têm nada a perder se usarem uma substância cuja eficácia não foi comprovada. Mas a interrupção de uma grande pesquisa sobre reposição hormonal em mulheres pelo governo dos Estados Unidos acendeu um alerta. Depois de cinco anos de reposição, concluíram os cientistas, os riscos do tratamento superaram os supostos benefícios.
A teoria da reposição hormonal tem uma boa base científica. A produção hormonal de fato cai com o avanço da idade. Mas não se sabe se isso é causa ou efeito da velhice. Preocupado com isso, o Instituto Nacional do Envelhecimento, nos Estados Unidos, emitiu o seguinte comunicado no ano passado: “Contrariamente ao rumor popular, nenhum complemento demonstrou eficácia na prevenção ou na reversão do envelhecimento”.
Na dúvida, melhor deixar a natureza agir sozinha.
por Rodrigo Vergara / Marcio Penna
Nada mais enganoso. Apesar de ser uma das mais antigas preocupações da humanidade, presente em escritos de mais de 5 000 anos, o envelhecimento só é estudado a sério, com rigor científico, há algumas décadas. E ainda não temos muitas certezas a respeito.
Mas há avanços. Na verdade, nosso conhecimento sobre o tema nunca evoluiu tanto, graças a dois fatos. O primeiro foi a explosão da população idosa que, nos países ricos, ultrapassou o número de jovens menores de 14 anos. Para dar bem-estar a essa multidão é preciso entender o que ocorre com ela. O avanço da pesquisa genética também ajudou, especialmente depois que o genoma humano foi desvendado. O que você vai ler nas próximas páginas é um resumo do que se sabe e do que ainda falta saber sobre o assunto.
O que é envelhecimento?
Um exemplo conhecido do que acontece quando envelhecemos é o que
ocorre na savana africana. Quando uma leoa ataca uma manada de
antílopes, a maioria dos bichos escapam dando saltos assombrosos e, no
final, quem acaba nas garras dos felinos são os animais velhos, que já
não conseguem acompanhar os mais novos. “Em linhas gerais, o
envelhecimento é isso: a perda gradativa das reservas que todos os
organismos têm para usar em momentos de estresse”, diz o professor de
Geriatria Clineu de Mello Almada Filho, da Universidade Federal Paulista
(Unifesp), que também é gerontologista (profissional que estuda o
envelhecimento). Em humanos, é essa perda que torna mais difícil, ano
após ano, varar a noite estudando ou enfrentar uma maratona de trabalho.
Na juventude, essas coisas são menos desgastantes.Mas por que isso acontece? Qual a razão biológica para envelhecer? A resposta é que não há razão. Envelhecemos porque, pela lógica da seleção natural, que é como “pensa” a natureza, o que acontece com o indivíduo depois que ele gerou descendentes não faz diferença para o futuro da espécie. Assim, a perda das reservas – aquele “algo mais” para atravessar momentos difíceis – após a idade reprodutiva não prejudica a espécie. Em alguns casos, pelo contrário, a beneficia. Em ambientes onde falta alimento, quem já passou da idade fértil representa uma competição extra. Aos poucos, portanto, a natureza privilegiou as espécies cujos integrantes deixavam o palco assim que seu papel acabasse.
Esse mecanismo acontece da seguinte forma, segundo Jay Olshansky, professor de Saúde Pública na Universidade de Illinois, em Chicago, Estados Unidos: os genes prejudiciais a uma espécie são simplesmente banidos pela seleção natural ou desativados até depois da idade reprodutiva, porque seus portadores deixam menos descendentes. Pesquisas recentes mostram que muitos genes prejudiciais ao organismo na idade avançada são úteis na juventude. O câncer de pele, por exemplo, é uma versão fora de controle da capacidade da pele de curar as feridas, segundo o gerontologista americano Steve Austad.
A espécie humana foi a primeira a reverter esse estado de coisas. Nosso corpo foi forjado há 130 000 anos, uma época em que os humanos, por mais fortes e saudáveis que fossem, morriam todos antes dos 30, vítimas de acidentes, predadores ou doenças. Mas nós domamos essas adversidades, elevando nossa expectativa de vida para muito além da idade reprodutiva. Ou seja, a degeneração que enfrentamos a partir dos 30 anos, ou, em outras palavras, o envelhecimento, nada mais é que a entrada em um período da vida para o qual a seleção natural não nos preparou. “A velhice é um produto da civilização. Só ocorre nos seres humanos, nos animais domésticos e nos mantidos em zoológicos ou laboratórios”, diz o professor Leonard Hayflick, professor da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia, Estados Unidos, e membro fundador do Instituto Nacional do Envelhecimento dos Estados Unidos.
Mas não somos imunes à seleção natural. A capacidade de prolongar a idade fértil, por exemplo, é um indicador da longevidade e vale também para nós. Segundo um estudo realizado nos Estados Unidos, mulheres que tiveram filhos depois dos 40 anos têm quatro vezes mais chances de atingir os 100 anos que as demais.
O que nos faz ficar velhos?
As teorias sobre as causas do envelhecimento podem ser divididas em
dois grupos: as primeiras dizem que o envelhecimento é um processo
programado, que sucede o desenvolvimento embrionário e o crescimento; as
outras defendem que o envelhecimento é um processo aleatório, causado
por danos que vão se acumulando no organismo. Hoje, a segunda é mais
aceita entre os cientistas que estudam o assunto, embora haja alguns
fatos importantes que não se encaixam nela.O número de vezes que uma célula se divide, por exemplo, é programado para cada espécie e está diretamente relacionado à longevidade. As células do camundongo, animal que vive três anos, dividem-se 15 vezes. As nossas dividem-se 50 vezes. E as da tartaruga das ilhas Galápagos, que vive 175 anos, dividem-se 110 vezes. Os cientistas já sabem que o número de divisões é determinado pelo tamanho dos telômeros, um novelo de DNA localizado na extremidade dos cromossomos e que serve como uma sola. A cada divisão, os cromossomos perdem parte do telômero, até que a sola acaba e a célula pára de se dividir e morre. Há uma enzima que evita a perda do telômero e torna a célula imortal. Seria o elixir da imortalidade? Longe disso. É ela que produz células cancerosas.
Richard Lerner, do instituto de pesquisa The Scripps, em La Jolla, na Califórnia, descobriu que alguns genes responsáveis pela divisão celular se modificaram com o tempo, provocando alterações que acarretam os sinais visíveis da degeneração e doenças. “O envelhecimento é predominantemente um problema de divisão da célula”, diz.
Jay Olshansky e outros colegas pensam diferente. Para eles, não há genes programados para nos envelhecer, mas sim para combater o envelhecimento, seja reparando os danos causados às células, seja evitando ameaças. O problema é que, após a idade reprodutiva, esses genes não dão mais conta do recado, em parte porque perdem eficiência e em parte porque o trabalho aumenta, porque outros genes se alteram e se tornam fontes potenciais de danos à célula. Ou seja, para Olshansky, os genes influenciam o envelhecimento, mas de forma indireta, como efeitos colaterais do crescimento, do desenvolvimento e da manutenção da saúde. “Envelhecer não se deve a uma intenção evolucionária, mas a uma negligência da seleção natural”, diz.
Ninguém sabe ao certo o que causa os danos à célula. Entre os vários suspeitos, os mais famosos são os radicais livres, que são moléculas altamente reativas produzidas aos bilhões dentro da célula, como resíduo tóxico da transformação da glicose em energia. Os radicais são um perigo porque reagem com qualquer molécula que encontram, modificando-a. Dentro da célula, isso significa deformações no DNA, enzimas e proteínas importantes para o seu funcionamento.
O que fazer para viver mais?
Preocupados com a proliferação dos tratamentos que prometem evitar a velhice,
um grupo de 51 cientistas emitiu, há dois meses, um relatório
importante. Nele, os autores fizeram um resumo do que se sabe sobre o
tema e lançaram um alerta. À luz do conhecimento atual, disseram,
“nenhum dos métodos comercializados provou-se capaz de retardar, parar
ou reverter o envelhecimento humano”. E acrescentaram: “Alguns desses
métodos podem inclusive ser perigosos”. Ou seja, embora a ciência pareça
ter domado a natureza, ela ainda não descobriu a fonte da juventude, se
é que um dia descobrirá.Portanto, esqueça as fórmulas mágicas. Não é possível frear o envelhecimento e impedir as mudanças que ocorrem com a idade (veja quadro ao lado). Mas é possível evitar males maiores. “Não há como evitar as perdas decorrentes do processo de envelhecimento. Mas é possível aumentar a eficiência da parte que sobrevive a cada ano”, diz Clineu de Mello Almada Filho, da Unifesp.
Um coração enfartado ainda pode bater por anos, uma pessoa vive bem com um só pulmão e um idoso pode aumentar sua capacidade aeróbica e sua força, até o ponto de poder correr para alcançar o ônibus sem morrer fulminado. É aqui que entra em cena o estilo de vida de cada um. Calcula-se que o estilo de vida responde por 70% da longevidade de uma pessoa. Só 30% se devem a fatores genéticos. Imagine uma pessoa de 60 anos com pneumonia. A doença compromete os pulmões e reduz o nível de oxigênio no sangue, obrigando o coração a acelerar seu ritmo para bombear mais sangue e suprir a carência de oxigênio. Se a pessoa estiver bem condicionada, ela tomará seus antibióticos e ficará curada da pneumonia. Mais lentamente do que se fosse mais jovem, mas dará conta do recado. Se ela for sedentária, porém, seu coração tem mais chance de sucumbir ao esforço extra, ter uma insuficiência cardíaca e precisar de cuidados extras.
Mas qual é o estilo de vida ideal? Acredite, ele é mais óbvio do que você pode imaginar e pode ser resumido em oito atitudes saudáveis.
Coma direito As escolhas alimentares, sozinhas, podem aumentar ou diminuir a vida de uma pessoa em 13 anos. E os cientistas já têm uma razoável certeza do que é uma boa dieta. A maior parte dos estudos diz que o regime mais saudável é baseado em frutas, vegetais, grãos integrais, peixe, nozes e poucas porções de carne sem gordura.
Não fume O cigarro é o primeiro fator de risco para o câncer e aumenta a incidência de doenças cardíacas, duas das principais causas de morte.
Beba com moderação Evidências sugerem que consumir uma taça de vinho por dia faz bem ao coração e às artérias. Mais que isso, porém, pode trazer complicações, principalmente ao fígado e ao cérebro.
Controle seu peso Pessoas muito magras e muito gordas vivem menos. Nas tabelas peso-altura, que indicam o peso desejável para várias estaturas, a expectativa de vida é maior para quem se mantém no centro da faixa de peso desejável. Pesquisas recentes aumentaram esse limite para até 20% acima do ponto médio.
Exercite-se Os benefícios mais conhecidos do exercício ocorrem no coração. O famoso Framingham Heart Study, que monitora, há mais de 50 anos, a saúde dos habitantes de Framingham, nos Estados Unidos, descobriu que andar uma hora por dia durante a vida adia a morte por dois anos. Outros órgãos também ganham. As incidências de diabete e de câncer no cólon caem. E o cérebro corre menos risco de falhas.
Mantenha a cabeça ativa Estudar, aprender línguas, enfim, obter novos conhecimentos gera novas conexões entre neurônios, mantendo o cérebro saudável. Há indícios de que isso reduz o risco de doenças como o Alzheimer.
Relacione-se com os outros Homens bem relacionados socialmente, bem-humorados e otimistas têm mais chance de envelhecer saudavelmente e sem problemas psicológicos.
Encontre um modo de lidar com o estresse Estudos sugerem que otimistas tendem a viver mais que os pessimistas. E os religiosos sobrevivem aos ateus. Aliás, se rir não for o melhor remédio, como diz o ditado, certamente é um deles. Risadas exercitam o coração, reduzem os níveis dos hormônios do estresse, aumentam a imunidade e limpam os pulmões.
Essas são dicas de prevenção. Para quem já chegou à idade avançada, a geriatra Andrea Prates, coordenadora do Centro de Informação sobre o Envelhecimento Saudável, em São Paulo, acrescenta outros dois conselhos: procure manter a autonomia e a independência. Segundo pesquisas realizadas com idosos, velhinhos que tomam conta de si têm menos chance de morrer que os que dependem de outras pessoas para realizar suas atividades diárias.
Qual o limite biológico para o ser humano?
Em boa parte da literatura médica sobre envelhecimento, o limite de
120 anos aparece como sendo um dado científico. Não é. Segundo
Olshansky, a origem desse número é a Bíblia. O Antigo Testamento diz que
Adão viveu 930 anos, Noé alcançou os 950 anos e Matusalém, até hoje
sinônimo de pessoa longeva, comemorou 969 aniversários. Mas Deus mudou
as regras do jogo. Logo antes do Dilúvio, Ele disse: “Meu Espírito não
irá disputar com o homem, pois ele é mortal. Seus dias serão 120 anos”
(Gênesis, 6:3).Seja qual for a origem desse suposto limite, ele já foi superado. Em 1997, a francesa Jeanne Calment morreu aos 122 anos e 164 dias e é a pessoa que, oficialmente, mais tempo viveu, quebrando inclusive o limite de 115 anos que Leonard Hayflick estipulara no início dos anos 90, em seu livro Como e Por Que Envelhecemos (Editora Campus, esgotado no Brasil).
A verdade é que não há como saber nosso limite, mas o assunto ainda gera discussão porque institutos de previdência e empresas seguradoras, entre outros ramos de atividade, vivem de calcular quanto tempo viveremos e uma mudança no limite de idade teria influência direta na expectativa de vida. Em um documento assinado por James W. Vaupel, da Duke University, Carolina do Norte, Estados Unidos, e por Jim Oeppen, da Universidade de Cambridge, Inglaterra, que estudam demografia e populações, os dois cientistas afirmam que “a expectativa de vida não parece estar chegando a um limite” e dizem que tentar demarcar essa fronteira pode levar a erro. “Todas as tentativas de prever qual seria a expectativa de vida no futuro foram quebradas, desde as que foram feitas em 1928 até as elaboradas em 1990. Em média, a realidade ultrapassou a expectativa projetada em cinco anos.”
Do outro lado desse debate estão cientistas como Olshansky, também munidos de bons argumentos. O crescimento da expectativa de vida no século XX, diz ele, deve-se principalmente à redução das causas de morte entre crianças e jovens, graças a conquistas como saneamento, vacinação e medicamentos. Hoje, restaria pouca margem para avanços nessas faixas etárias: se eliminássemos todas as causas de morte existentes antes dos 50 anos nos países ricos, a expectativa de vida de um recém-nascido aumentaria apenas 3,5 anos. Para que a expectativa de vida aumente ainda mais, será preciso adicionar anos às pessoas de mais de 70 anos, o que não é tão fácil.
Quais os últimos avanços da ciência?
Há muita pesquisa hoje procurando tratamentos e remédios que
retardem, parem ou revertam o envelhecimento. Mas os cientistas esbarram
em um problema metodológico: não há como provar suas descobertas em
humanos. Primeiro porque as pessoas têm hábitos diferentes, o que
multiplica as variáveis que afetam o tempo de vida.
Para provar, por exemplo, o efeito de um alimento sobre o
envelhecimento, seria necessário selecionar, desde o nascimento, algumas
centenas de pessoas para submetê-las à dieta escolhida. Essas pessoas
teriam de ser representativas da população que se quer estudar (a mesma
proporção de cada raça, de cada nível social etc.). Para comparar, seria
preciso selecionar um grupo idêntico, que mantivesse os hábitos normais
da população. Difícil, não?Pois há uma exigência a mais. Essas pessoas teriam que ser controladas durante toda a vida, até que a última morresse, porque ninguém descobriu ainda um indicador para medir o envelhecimento humano, além do método mais óbvio, o tempo de vida.
Na falta de dados como esses, indispensáveis ao rigor científico, os cientistas testam suas idéias em animais, o que limita o alcance das descobertas.
A ironia é que, a despeito da tecnologia empregada nas pesquisas, a técnica mais eficaz até hoje descoberta para retardar o envelhecimento e aumentar a longevidade foi descoberta há 70 anos e consiste, simplesmente, em passar fome. Essa técnica, chamada de restrição calórica ou subnutrição sem desnutrição, nada mais é que uma dieta de baixas calorias, correspondente a dois terços do que o animal come normalmente e suficiente apenas para manter os sistemas vitais operando. O benefício é evidente. A dieta dobrou a longevidade média de ratos e já foi testada, com sucesso, em fungos, moscas, vermes, peixes, aranhas, ratos e camundongos. Estudos em andamento em macacos rhesus mostram que os resultados serão idênticos.
Como isso ocorre? Ninguém sabe. Suspeita-se que a dieta reduz a produção de radicais livres, que nascem durante a transformação de glicose em energia dentro da célula.
O próximo passo é fazer testes em humanos, o que não vai ser fácil, porque a técnica tem menos efeito quanto mais tardiamente é adotada. Além disso, mesmo que fique comprovada, será que as pessoas se submeteriam a isso? Há indícios de que a restrição calórica causa desconforto, além, claro, de uma baita fome. Os cientistas estão agora procurando mimetizar seu efeito sem a necessidade de jejum e já há notícias promissoras. No mês passado, foi anunciada a descoberta de uma substância que impede o metabolismo da glicose, imitando o efeito de uma dieta rigorosa e enganando a célula.
Outra técnica famosa é o uso de antioxidantes, que combatem os radicais livres, impedindo-os de danificar a célula. Essas substâncias realmente existem e são conhecidas. Muitas são, inclusive, produzidas pelo organismo ou encontradas em alimentos, como as vitaminas E e C. O desafio dos cientistas é provar que doses extras de antioxidantes podem aumentar o combate aos radicais livres sem causar outros males à saúde. Até agora, a prova não surgiu, embora haja experiências de sucesso em animais como vermes.
Um dos maiores riscos das pesquisas nessa área é que as pessoas podem pensar que não têm nada a perder se usarem uma substância cuja eficácia não foi comprovada. Mas a interrupção de uma grande pesquisa sobre reposição hormonal em mulheres pelo governo dos Estados Unidos acendeu um alerta. Depois de cinco anos de reposição, concluíram os cientistas, os riscos do tratamento superaram os supostos benefícios.
A teoria da reposição hormonal tem uma boa base científica. A produção hormonal de fato cai com o avanço da idade. Mas não se sabe se isso é causa ou efeito da velhice. Preocupado com isso, o Instituto Nacional do Envelhecimento, nos Estados Unidos, emitiu o seguinte comunicado no ano passado: “Contrariamente ao rumor popular, nenhum complemento demonstrou eficácia na prevenção ou na reversão do envelhecimento”.
Na dúvida, melhor deixar a natureza agir sozinha.
por Rodrigo Vergara / Marcio Penna
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