Apenas 10% dos menores que vivem em abrigos estão aptas a ganhar uma nova família
RIO - O engenheiro Carlos Roberto da Silva Barbosa, de 44 anos,
sempre quis ser pai, mas nunca teve a preocupação de se casar. Em 2007,
mesmo solteiro, resolveu adotar uma criança. Passou a frequentar grupos
de apoio e ingressou no programa “Apadrinhamento afetivo”, direcionado a
menores com poucas perspectivas de adoção. Num abrigo de Marechal
Hermes, conheceu, em 2012, Christofer, de 12 anos. Após quatro meses de
convivência com o menino, Carlos conseguiu realizar seu sonho. Pai e
filho comemoraram neste domingo, na 4ª Caminhada em Defesa da Adoção,
que reuniu cerca de 600 pessoas na Praia de Copacabana, o final de uma
história tão feliz quanto rara: um levantamento do Módulo Criança e
Adolescente do Ministério Público fluminense revela que, das 2.377
crianças que vivem em abrigos públicos no Estado do Rio, apenas 235 —
aproximadamente 10% — estão aptas para adoção. Hoje, 1.008 aguardam o
julgamento de ações de destituição do poder familiar. O restante
simplesmente espera o retorno para os parentes.
— Antes de abrirmos um processo de adoção, precisamos verificar a família de origem e o cadastro nacional de crianças desaparecidas. Nos casos de filhos de dependentes químicos levados para abrigos, é necessário saber se os pais estão fazendo tratamento. Essa condição não permite a concessão da guarda para uma outra família, pois a criança pode voltar aos pais — explica a juíza Mônica Labuto, titular da 1ª Vara da Infância e do Idoso da Regional de Madureira, que recebe processos de bairros das zonas Norte e Oeste.
Segundo a juíza, a rotatividade entre os menores aptos para adoção é alta, mas muitos não querem entrar nesse seleto grupo.
— Há crianças maiores que não estão disponíveis porque elas simplesmente não querem. Dos menores abrigados, 40% são adolescentes. Alguns têm irmãos dentro dos abrigos e preferem ficar com eles — afirma Mônica.
Fila ‘emperra’ com exigências
No Brasil, a lista de pessoas que querem adotar uma criança tem 29.454 nomes, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça. No Rio, são 2.161 pretendentes. Meninas brancas recém-nascidas e com saúde perfeita são as mais procuradas, uma exigência que eleva o tempo médio de espera para cinco anos.
— A realidade nos abrigos públicos é bem diferente desse perfil desejado pela maioria dos aspirantes a pai ou mãe. Meninos mestiços, com idade entre 8 e 10 anos, formam a maioria dos órfãos, e muitos deles integram grupos de irmãos, o que dificulta a adoção — afirma Daniela Vasconcellos, promotora da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio.
Para a Justiça, o ideal é que um órfão fique, no máximo, seis meses num abrigo. As crianças que não conseguem uma família no Rio podem ser adotadas em outros estados graças ao chamado Cadastro Único, que funciona no país desde 2009 e que possibilitou, por exemplo, o ingresso de um menino carioca de 12 anos numa família do interior do Rio Grande Sul.
— Como descobriríamos essa família se não fosse o Cadastro Único? — diz a juíza Mônica Labuto.
Após esgotadas todas as tentativas de adoção em território nacional, órfãos brasileiros são oferecidos a pretendentes do exterior — a Itália é o país que mais adota crianças nascidas aqui, seguida da França. No entanto, o número de menores que ganham pais estrangeiros vêm caindo, informa a secretária-executiva da Comissão Internacional de Adoção no Rio, Ludmilla de Azevedo:
— Em 2011, 53 crianças foram adotadas por estrangeiros no Rio. No ano passado, foram 18. Essa queda certamente está relacionada à crise financeira na Europa. É uma pena, pois a Itália, que tem a maioria dos pretendentes, costuma optar por grupos de irmãos.
A advogada Dalia Tayguara e sua parceira Eva Andrade levaram as duas filhas para a caminhada em Copacabana, que começou às 9h30m no Posto 6. Para a família, o evento, que homenageou o Dia Nacional da Adoção, celebrado no sábado, foi uma festa: também egressa do programa “Apadrinhamento afetivo”, a menina mais velha, Thamara Letícia, de 12 anos, chegou neste domingo à casa da família, em Realengo. A caçula, Daísa Vitória, de 9 anos, foi adotada em 2009.
— Optamos por crianças maiores e, por isso, nosso processo acabou sendo muito rápido — conta Dalia, que pediu que a filha fosse negra, um outro facilitador. — Não enfrentamos problema algum durante o período de convivência.
Para a juíza Mônica Labuto, iniciativas como as de Carlos, Dalia e Eva estão “aumentando as oportunidades” de adoção no estado.
— A adoção monoparental e homoafetiva costuma ser bem-sucedida porque parte de pessoas que têm os pés no chão, que não estão em busca da família perfeita. Elas fazem menos exigências na hora de adotar. Em geral, são pessoas que sofreram preconceito e querem mudar isso. Temos vários exemplos de sucesso — afirma a juíza.
A caminhada de ontem, segundo a advogada Silvana do Monte Moreira, teve como objetivo lembrar que uma adoção não deve acabar apenas com os anseios dos futuros pais — é também um meio de atender às necessidades de uma criança. Um dos fatores mais preocupantes do processo é a possibilidade de rejeição: no Rio, 168 menores foram devolvidos a abrigos. São casos que o Ministério Público trata como “tentativas de colocação malsucedidas”.
Professora adotou casal
Silvana cita como “belo exemplo de cidadania” a iniciativa da professora Eliane Carrão, que adotou um casal de irmãos, Leandro e Sabrina.
— Disseram para mim que Sabrina era especial por ter um dos braços mais curtinhos. Com o passar do tempo, descobri que ela tem um problema grave na coluna e que Leonardo é deficiente auditivo. Não importa, são meus filhos e estamos felizes — diz Eliane, que participou do evento em Copacabana com as crianças.
O desembargador Siro Darlan, o primeiro a conceder a guarda de uma criança a um casal de homossexuais no Rio, em 1996, abriu caminho para a formação de várias famílias que estavam na caminhada, da qual também participou. Ele concluiu, por exemplo, o processo de Maria Vitória, hoje com 10 anos, adotada pela funcionária pública Cristiane Carvalho. Agora, Cristiane e sua parceira, Sílvia Guimarães, tentam levar para casa um bebê.
— Qualquer criança tem direito ao convívio familiar — frisa Darlan.
A situação dos abrigos do Rio é outro assunto muito discutido entre defensores da causa. No ano passado, o Ministério Público apresentou uma ação contra a prefeitura na qual exigiu a abertura de 250 vagas nas casas de assistência social ou no “Família acolhedora”, programa do município que paga famílias credenciadas para cuidar de órfãos.
— Os abrigos deixam a desejar. Temos um com 57 meninos que deveria receber, no máximo, 20. A estrutura de todos é precária. O Estatuto da Criança e Adolescente prevê que os abrigos tenham características de casa, mas a maioria parece institutos de correção — lamenta a promotora Daniela Vasconcellos.
— Antes de abrirmos um processo de adoção, precisamos verificar a família de origem e o cadastro nacional de crianças desaparecidas. Nos casos de filhos de dependentes químicos levados para abrigos, é necessário saber se os pais estão fazendo tratamento. Essa condição não permite a concessão da guarda para uma outra família, pois a criança pode voltar aos pais — explica a juíza Mônica Labuto, titular da 1ª Vara da Infância e do Idoso da Regional de Madureira, que recebe processos de bairros das zonas Norte e Oeste.
Segundo a juíza, a rotatividade entre os menores aptos para adoção é alta, mas muitos não querem entrar nesse seleto grupo.
— Há crianças maiores que não estão disponíveis porque elas simplesmente não querem. Dos menores abrigados, 40% são adolescentes. Alguns têm irmãos dentro dos abrigos e preferem ficar com eles — afirma Mônica.
Fila ‘emperra’ com exigências
No Brasil, a lista de pessoas que querem adotar uma criança tem 29.454 nomes, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça. No Rio, são 2.161 pretendentes. Meninas brancas recém-nascidas e com saúde perfeita são as mais procuradas, uma exigência que eleva o tempo médio de espera para cinco anos.
— A realidade nos abrigos públicos é bem diferente desse perfil desejado pela maioria dos aspirantes a pai ou mãe. Meninos mestiços, com idade entre 8 e 10 anos, formam a maioria dos órfãos, e muitos deles integram grupos de irmãos, o que dificulta a adoção — afirma Daniela Vasconcellos, promotora da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio.
Para a Justiça, o ideal é que um órfão fique, no máximo, seis meses num abrigo. As crianças que não conseguem uma família no Rio podem ser adotadas em outros estados graças ao chamado Cadastro Único, que funciona no país desde 2009 e que possibilitou, por exemplo, o ingresso de um menino carioca de 12 anos numa família do interior do Rio Grande Sul.
— Como descobriríamos essa família se não fosse o Cadastro Único? — diz a juíza Mônica Labuto.
Após esgotadas todas as tentativas de adoção em território nacional, órfãos brasileiros são oferecidos a pretendentes do exterior — a Itália é o país que mais adota crianças nascidas aqui, seguida da França. No entanto, o número de menores que ganham pais estrangeiros vêm caindo, informa a secretária-executiva da Comissão Internacional de Adoção no Rio, Ludmilla de Azevedo:
— Em 2011, 53 crianças foram adotadas por estrangeiros no Rio. No ano passado, foram 18. Essa queda certamente está relacionada à crise financeira na Europa. É uma pena, pois a Itália, que tem a maioria dos pretendentes, costuma optar por grupos de irmãos.
A advogada Dalia Tayguara e sua parceira Eva Andrade levaram as duas filhas para a caminhada em Copacabana, que começou às 9h30m no Posto 6. Para a família, o evento, que homenageou o Dia Nacional da Adoção, celebrado no sábado, foi uma festa: também egressa do programa “Apadrinhamento afetivo”, a menina mais velha, Thamara Letícia, de 12 anos, chegou neste domingo à casa da família, em Realengo. A caçula, Daísa Vitória, de 9 anos, foi adotada em 2009.
— Optamos por crianças maiores e, por isso, nosso processo acabou sendo muito rápido — conta Dalia, que pediu que a filha fosse negra, um outro facilitador. — Não enfrentamos problema algum durante o período de convivência.
Para a juíza Mônica Labuto, iniciativas como as de Carlos, Dalia e Eva estão “aumentando as oportunidades” de adoção no estado.
— A adoção monoparental e homoafetiva costuma ser bem-sucedida porque parte de pessoas que têm os pés no chão, que não estão em busca da família perfeita. Elas fazem menos exigências na hora de adotar. Em geral, são pessoas que sofreram preconceito e querem mudar isso. Temos vários exemplos de sucesso — afirma a juíza.
A caminhada de ontem, segundo a advogada Silvana do Monte Moreira, teve como objetivo lembrar que uma adoção não deve acabar apenas com os anseios dos futuros pais — é também um meio de atender às necessidades de uma criança. Um dos fatores mais preocupantes do processo é a possibilidade de rejeição: no Rio, 168 menores foram devolvidos a abrigos. São casos que o Ministério Público trata como “tentativas de colocação malsucedidas”.
Professora adotou casal
Silvana cita como “belo exemplo de cidadania” a iniciativa da professora Eliane Carrão, que adotou um casal de irmãos, Leandro e Sabrina.
— Disseram para mim que Sabrina era especial por ter um dos braços mais curtinhos. Com o passar do tempo, descobri que ela tem um problema grave na coluna e que Leonardo é deficiente auditivo. Não importa, são meus filhos e estamos felizes — diz Eliane, que participou do evento em Copacabana com as crianças.
O desembargador Siro Darlan, o primeiro a conceder a guarda de uma criança a um casal de homossexuais no Rio, em 1996, abriu caminho para a formação de várias famílias que estavam na caminhada, da qual também participou. Ele concluiu, por exemplo, o processo de Maria Vitória, hoje com 10 anos, adotada pela funcionária pública Cristiane Carvalho. Agora, Cristiane e sua parceira, Sílvia Guimarães, tentam levar para casa um bebê.
— Qualquer criança tem direito ao convívio familiar — frisa Darlan.
A situação dos abrigos do Rio é outro assunto muito discutido entre defensores da causa. No ano passado, o Ministério Público apresentou uma ação contra a prefeitura na qual exigiu a abertura de 250 vagas nas casas de assistência social ou no “Família acolhedora”, programa do município que paga famílias credenciadas para cuidar de órfãos.
— Os abrigos deixam a desejar. Temos um com 57 meninos que deveria receber, no máximo, 20. A estrutura de todos é precária. O Estatuto da Criança e Adolescente prevê que os abrigos tenham características de casa, mas a maioria parece institutos de correção — lamenta a promotora Daniela Vasconcellos.
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