6.01.2013

Moda

photo Reinaldo Lourenço cria coleção feminina de verão 

 

  • Toda vez que vejo uma mulher muito bonita, eu me lembro da criança que eu fui, sempre atenta às qualidades dos outros, sem ver grandes atributos em mim. Eu precisava de um cirurgião plástico. De um ortodontista. Ou de um milagre. Ou precisava fazer a única coisa que dependia apenas de mim: aprender a gostar de mim do jeito que vim ao mundo. Escolhi esse segundo caminho, o único sobre o qual eu tinha certo controle.
    Moda e Autoestima
    E a moda, generosa, deu um jeito de ocupar um lugar em minha vida como grande aliada, mesmo que por muito tempo eu apenas me culpasse por isso. Eu podia ter uma tremenda sensação de bem estar dentro de uma roupa bonita, mas logo isso se transformava em culpa, porque assim me ensinaram. (Apesar de sermos obrigados a cobrir o nosso corpo com alguma coisa todos os dias, insistimos em dizer que vestir-se é assunto sem importância. E durma com um barulho desses.)
    O raciocínio ainda é piorado pela forma como a moda é tratada pelas mídias em geral, inclusive pela maior parte dos blogs de moda: os discursos são rasos a tal ponto, que nos esquecemos que o vestir é uma manifestação cultural.
    Moda e Autoestima
    Como se não bastassem seus inimigos particulares, que atacam sua segurança a todo momento, você ainda tem que conviver com a culpa: já que roupa não traz felicidade, o que você está fazendo de novo dentro do provador?
    Hoje, falo sobre moda e autoestima por experiência própria. O vestir foi parte da construção de um ser humano mais confortável em si mesmo e esse aprendizado merece ser passado para frente. Mas, como todo discurso reduzido a poucas palavras, a mensagem pode soar duvidosa. A desconfiança é compreensível. Vivemos num mundo em que os comerciais de TV nos sorriem soluções de vida, como se um eletrodoméstico pudesse de fato nos fazer mais felizes ou melhores. Não, uma peça de roupa não tem o poder de aumentar nossa felicidade. Mas tem o poder de nos oferecer um outro ponto de vista a respeito de nós mesmos.
    Moda e Autoestima
    Se a nudez é crua, o vestir é uma construção. Não podemos escolher ter as pernas grossas ou finas, mas podemos decidir o que nos vai cobrir (ou não) as pernas e, assim, construir com nossas preferências a nossa forma de estar no mundo. Um strip-tease pode revelar muito sobre o nosso corpo. Mas o ato de vestir pode falar muito mais sobre as nossas escolhas e a nossa alma.
    Fotos Cris: Fernando Martins e Vanessa Kohler.

    Já reparou que existem algumas peças da moda que são exaustivamente usadas por um tempo e depois caem no ostracismo?
    É isso que diferencia os clássicos. Eles não são usados até cansar. Mas são usados sempre. É como um namoro intenso que dura alguns meses e depois termina de repente, comparado a uma relação mais calma e duradoura que acaba em casamento. Um é paixão, o outro é amor de verdade.
    Roupa pra Casar
    Repare bem: existem roupas pra casar e roupas só para uma breve aventura.
    Tive um rápido relacionamento com uma calça saruel. Hoje, olho para trás e não me reconheço. Tenho boas lembranças de um tempo lado a lado com uma sandália gladiador. Terminamos amigavelmente. Tentei namorar uma calça de cintura alta. Não durou nem um jantar.

    Roupa pra Casar
    Com algumas peças, sou casada no papel. Na verdade, sou adepta da poligamia. Vive no meu quarto o amado vestido acinturado de comprimento abaixo do joelho. E acho que vamos fazer Bodas de Ouro. Amo a sapatilha desde o tempo em que ela nem era famosa. Dedico o mesmo amor a uma calça sequinha e, confesso, adoro sair com as duas para passear. Amo apaixonadamente o meu trench coat. Sei que vai ser pra sempre. E como o meu coração é grande, amo também a saia lápis, o tubinho, a camisa branca, o vestido vermelho. E de vez em quando saio com uns lenços agarrados ao meu pescoço, curtindo uma amizade colorida. Há algumas primaveras circulo por aí com a estampa de oncinha. Sei que ela é meio perua, mas não consigo viver sem.
    Roupa pra Casar
    Na moda, também vale se divertir com as erradas até encontrar a roupa ideal. Mas cuidado. A vida é muito curta para se casar com um look qualquer.
  • Outono
    Faz dois dias que entramos oficialmente no Outono, tempo de céu bonito e folhas que caem – pelo menos teoricamente! Nada mais apropriado para falar de novas coleções, pois é oficialmente no dia 21 de março que têm permissão para entrar no nosso armário as novas cores e formas da estação.
    O fenômeno parece estranho e pouco original, mas o fato é que as passarelas do mundo inteiro se comunicam e o mundo vai se pintando dos mesmos tons. Se o céu muda de cor e assume um azul como em nenhuma outra época do ano, se as árvores perdem flores e ganham tons de bege como grandes damas da elegância, é justo que mudemos de roupa também.
    Outono
    E se o outono inverno fala de um frio cinzento, nossas folhagens vão assumir tons terrosos e avermelhados, como uma fogueira acesa pra esquentar os nossos pés. Como se não bastassem os tons, virão os brilhos e metalizados para nos deixar exuberantes, mesmo que as folhas caiam. E se no outono algumas folhas se tornam transparentes e até mesmo rendadas, nossas roupas também vão entrar no clima. Transparências e rendas vão falar de delicadeza, mais do que de adeus. De transformação, mais do que de fins.
    Outono
    É divertido observar, na virada de estação, os movimentos das pessoas como quem observa os pássaros. E se surpreender com as mudanças de tons de suas penugens, que nessa estação vão começar sutis, passar pelos vinhos e bordôs e acabar num grande e intenso vermelho invadindo as vidas e os guarda-roupas.
    Depois alguém me diz que a moda não é um assunto apaixonante.
    (fotos roubadas do excelente 2 be fashion)
    Gente, eu acho que meu HD anda cheio demais e de vez em quando eu não raciocino. Lembram deste post? Ele falava sobre um convite que recebi do Ministério das Relações Exteriores para escrever especialmente para uma publicação chamada Textos do Brasil. Na ocasião, postei a imagem do tal texto, mas muita gente não conseguiu ler. E eu não tive a ideia de publicar o texto na íntegra, em vez do arquivo visual. Dã. E aí, dois meses depois, tive a ideia! Palmas pra minha cabecinha que não conseguiu pensar no dia! Segue o texto que escrevi sobre a relação entre moda e internet, que será editado em várias línguas para ser lido pelo mundo afora.

    Moda brasileira ponto com.
    Moda Brasileira Ponto Com
    Na página inteira da revista, a imagem perfeita. A pele, os cabelos, a boca, os olhos. As curvas. É instantâneo desejar o vestido da modelo, talvez porque ele me desperte o desejo pacote-completo: quero ser a modelo. Fecho a revista e abro o laptop. Na tela do computador, uma pessoa real. Já até a vi na rua. O vestido que ela usa é o mesmo da modelo da revista. Não parece tão glamuroso, mas continua bonito. Ela é real e eu também. Começo a pensar seriamente no vestido. Por algumas décadas, a moda foi assunto distante. Nem forma de expressão, nem manifestação cultural. A moda era algo fora de nós. Feita para as passarelas, manequins, tapetes vermelhos e corpos esguios. Não nos reconhecíamos nela. Moda era sonho e o sonho era distante.
    “Ela mexe com moda”, costumávamos dizer. Como se o simples ato de vestir alguma coisa para ir ao trabalho não fosse em si uma atitude de moda.
    Mas nem só no vestir moravam os nossos sonhos. Famoso por suas mulheres de Ipanema, o Brasil vendia a sua imagem dourada para o resto do mundo. Sabíamos nos despir como nenhum outro país.
    Mais uma vez a distância. O que fazer com os nossos corpos se eles não estivessem bronzeados? Como caminhar até o mar se não nos acompanha o Photoshop?
    Acelera o filme. Estamos nos anos 90. A internet já faz parte das nossas vidas. E aos poucos vamos descobrindo que ela é muito mais que uma forma fazer as cartas partirem num segundo e chegarem no outro.
    Mágica como o nosso sonho do “teletransporte”, a web virtualiza a informação. A enciclopédia Barsa migra para o computador. Os jornais não sujam mais os dedos. A notícia chega mais rápido que o pensamento.
    Em 1997, a coisa começa a esquentar. Um garoto cria o blog – o diário pessoal que pode ser dividido com o mundo, sem constrangimentos. Pensou, escreveu, publicou: ao alcance de leitores de qualquer lugar do planeta.
    (Pause no filme. Presta atenção e anota, porque nessa parte muita coisa acontece.)
    Acontece, por exemplo, o fim das fronteiras geográficas e o encontro entre as mentes de pessoas de todas as latitudes, que passam a compartilhar suas dúvidas, crenças, sonhos e causas – sem que o fuso-horário seja um problema.
    2004. Nascem o Orkut e o Facebook. Os sites de relacionamento são capazes de casar pessoas de pontos opostos do planeta. Nasce uma nova geografia: a das afinidades. Nela, o americano e o japonês são vizinhos de muro.
    Em 2005, a criação do Youtube comprova: a vida real nunca foi tão interessante. Mais uma fresta para observar vidas de gente de todo tipo.
    Enquanto isso, blogs sobre todos os assuntos continuam a surgir. Mais que conteúdo formal, as pessoas buscam conselhos, relatos sinceros. As empresas são grandes demais para que se confie nelas. A web é ampla demais para que eu comece do nada a minha procura. O tempo é curto demais para que eu cometa erros ao longo da estrada. Melhor consultar as pessoas ao redor do mundo.
    E da angústia diante das infinitas possibilidades, passamos à alegria de encontrar quem nos indique o melhor caminho. Para fazer minha viagem mais segura, converso com quem conhece a estrada.
    Revolução na troca de informações. O que era uma imposição de cima para baixo – manda quem pode, obedece quem tem juízo – agora é democracia. O monólogo vira diálogo – ou seminário, com gente de todo canto. Relatos, reclamações e opiniões vão e vêm em todas as direções. O computador torna-se arma de um movimento coletivo.
    Se o site informa, o blog aconselha. É pessoal. E um mau conselho pode acabar com uma grande amizade. É alguém que está dizendo, não é o discurso do porta-voz de uma multinacional. E cada pessoa passa a eleger o seu blogueiro de confiança.
    Em 2006, uma revolução em apenas 140 caracteres: com o Twitter, passamos a acompanhar os pensamentos de cada um. Nunca mais estaremos sós.
    2008. A internet elege um presidente negro para os Estados Unidos. De clique em clique, mudam-se até atitudes.
    (Muita história para muito pouco tempo. E o mundo de cabeça pra baixo.)
    O particular torna-se coletivo. O coletivo chega bem perto de cada um. Não temos apenas dois olhos, mas muitos. Não temos só uma opinião: temos várias.
    Em seu pequeno quarto em Pequim, a chinesinha se veste colorido – e fotografa. Longe dali, uma espanhola espia. E compartilha a foto. Um brasileiro elogia de cá. A indiana palpita de lá. E a conversa não tem mais fim. A moda do dia a dia ganha corpo. E voz.
    Em Nova York, um fotógrafo de moda clica os looks dos transeuntes. No Brasil, uma mulher resolve registrar as roupas que usa para ir trabalhar. As fotos ganham legendas, como num editorial de moda. E o mundo acompanha.
    O blog vira moda. O blog de moda vira tendência. Leitoras vorazes são também blogueiras que não passam um dia sem postar. Meninas de 12 anos falam sobre o que vestem, com a mesma tranquilidade com que criticam os modelos que passam pelos tapetes vermelhos. E os estilistas acompanham.
    As ruas, que antes refletiam a criação dos estilistas, passam a ser também inspiração.
    A internet ganha milhares de blogs de moda a cada dia. Estima-se que existam 13 milhões de blogs no mundo sobre o assunto – cerca de 100 mil deles podem ser brasileiros. Do jeans ao vestido de festa, dos sapatos às bijuterias, da maquiagem ao esmalte, não há assunto esquecido pelos blogueiros, não há pergunta que não possa ser respondida. São os consultores informais de moda. Amigos que temos espalhados pelo mundo para nos ajudar a colocar lá no alto a nossa autoestima.
    A moda, antes tão distante, agora se confunde com o nosso dia a dia. Como escovar os dentes.
    Um dia, no blog da moça que vai trabalhar, uma mulher comenta: “Você se veste como as francesas: para mostrar a roupa, e não o corpo”. É a mulher brasileira aprendendo a se vestir, com a mesma arte com que se despe.
    Nem o corpo, nem a roupa. Democrática, a moda brasileira vê nascer o que faz sentido: vestir-se para revelar a alma.

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