Ser feliz não é comer sempre o mesmo prato no restaurante que você mais gosta ou gozar de uma vida plena e tranquila; a ciência mostra que a chave para a satisfação pessoal é fazer coisas arriscadas, desconfortáveis e até mesmo desgastantes
por Todd B. Kashdan e Robert Biswas-Diener | Ilustração: Nik Neves
Para
nós, psicólogos que estamos sempre viajando de avião, a maneira como
descrevemos nossa profissão para o vizinho de assento é determinante
para saber se passaremos cinco horas ouvindo intrigas, detalhes de um
casamento decadente, ou sobre o quanto é impossível resistir a uma bomba
de chocolate. Mesmo usando fones de ouvido enormes, é impossível
ignorar aquele passageiro decidido a contar sua história de abandono na
infância. Para os que arriscam dizer a verdade e admitir que estudamos a
felicidade, a resposta é quase sempre a mesma: o que eu posso fazer
para ser feliz?
O
segredo da felicidade é uma preocupação cada vez mais importante na era
moderna, já que o aumento da estabilidade financeira proporciona a
muitos a oportunidade de se concentrar no crescimento pessoal. Uma vez
que já não somos mais caçadores preocupados em encontrar a próxima
presa, procuramos viver nossas vidas da melhor maneira possível.
A busca da felicidade é uma epidemia mundial — em
um estudo com mais de 10 mil participantes de 48 países, os psicólogos
Ed Diener, da Universidade de Illinois, e Shigehiro Oishi, da
Universidade de Virginia, descobriram que pessoas de todos os cantos do
mundo consideram a felicidade mais importante do que outras realizações
pessoais altamente desejáveis, tais como ter um objetivo na vida, ser
rico ou ir para o céu. A febre da felicidade é estimulada em parte pelo
crescente número de pesquisas que sugerem que, além de ser boa, a
felicidade também faz bem — ela está ligada a muitos benefícios, desde
maiores salários e um melhor sistema imunológico até estímulo à
criatividade.
A
maioria das pessoas entende que a felicidade verdadeira é mais do que
um emaranhado de sentimentos intensos e positivos — ela é melhor
descrita como uma sensação plena de “paz” e “contentamento”. Não importa
como seja definida, a felicidade é parcialmente emocional — e por isso
está ligada à máxima de que cada indivíduo tem um ponto de regulação,
como um termostato, definido pela bagagem genética e a personalidade de
cada um.
A
felicidade verdadeira dura mais do que uma dose de dopamina, por isso é
muito importante pensar nela como algo que vai além da emoção. A
sensação de felicidade de cada um também inclui reflexões cognitivas,
tais como quando você ri — ou não! — da piada do seu melhor amigo, ou
quando analisa o formato do seu nariz ou a qualidade do seu casamento.
Somente parte desta sensação tem a ver com o que você sente; o resto é
produto de um cálculo mental, em que você computa suas expectativas,
seus ideais, a aceitação daquilo que não pode mudar e inúmeros outros
fatores. Assim, a felicidade é um estado mental e, como tal, pode ser
intencional e estratégico.
Não
importa qual seja o seu ponto de regulação emocional, seus hábitos
diários e suas escolhas — da maneira como você lida com uma amizade até
como reflete sobre decisões em sua vida — podem influenciar o seu
bem-estar. Os hábitos de pessoas felizes foram documentados em estudos
recentes e fornecem uma espécie de manual a ser seguido. Aparentemente
(e paradoxalmente, é preciso dizer), atividades que causam incerteza,
desconforto, e mesmo uma pitada de culpa estão associadas às
experiências mais memoráveis e divertidas das vidas das pessoas. As
pessoas mais felizes, ao que parece, têm vários hábitos não-intuitivos
que poderiam ser considerados como infelizes. Ou seja, nem tudo aquilo
que os livros de auto-ajuda defendem que pode te fazer feliz tem parcela
significativa na sua felicidade. A felicidade pode vir de onde menos se
esperava. Duvida? Que bom, isso significa que você tem grandes chances
de ser feliz. Confira a seguir como.
01> O IMPORTANTE É CORRER RISCOS
Situações complicadas, incertas e até mesmo desgastantes são fundamentais para aumentar nossa sensação de satisfação
É
sexta-feira à noite e você tem planos de jantar com os amigos. Se você
quiser ter certeza de que vai chegar em casa satisfeito, você pede uma
pizza ou um hambúrguer. Se, em vez disso, você escolher um tipo de
comida que nunca experimentou (culinária etíope — claro, por que não?)
você corre o risco de não gostar muito daquela injera com wat (tipo de
massa fina de pão coberta com carne condimentada) —, mas pode ser que se
surpreenda com um sabor delicioso.
Pessoas
verdadeiramente felizes aparentam saber intuitivamente que a felicidade
duradoura não se trata apenas de fazer aquilo de que gostamos. Ela
também exige crescimento pessoal e se aventurar além dos limites da sua
zona de conforto. Em um estudo de 2007, os psicólogos do estado do
Colorado Todd Kashdan e Michael Steger monitoraram as atividades diárias
de estudantes e como eles se sentiam durante 21 dias; aqueles que
sentiam curiosidade em determinado dia também se diziam mais satisfeitos
com a vida — e se envolviam em um número maior de atividades que
levavam à felicidade, tais como expressar sua gratidão aos colegas ou
praticar atividades voluntárias.
A
curiosidade — aquele estado pulsante e ávido do não-saber — é
fundamentalmente um estado de ansiedade. Quando, por exemplo, o
psicólogo Paul Silvia mostrou aos participantes de uma pesquisa uma
série de pinturas, as imagens tranquilas de Claude Monet e Claude
Lorrain evocaram sentimentos felizes, enquanto as obras misteriosas e
inquietantes de Egon Schiele e Francisco Goya causaram curiosidade.
Ao
que parece, a curiosidade consiste basicamente em explorar. Pessoas
curiosas em geral entendem que, apesar de não ser fácil se sentir
desconfortável e vulnerável, este é o caminho para se tornar mais forte e
sábio. Na verdade, um olhar aprofundado no estudo de Kashdan e Steger
sugere que pessoas curiosas investem em atividades que lhe causam
desconforto, pois estas atuam como um trampolim para estados
psicológicos mais elevados.
É
claro que existem diversas circunstâncias na vida em que a melhor
maneira de aumentar seu grau de satisfação é simplesmente fazer o que te
faz bem, como tocar sua música favorita numa jukebox ou fazer planos
para visitar seu melhor amigo. Mas, de vez em quando, vale a pena buscar
uma nova experiência, mais complicada, incerta e até mesmo desgastante —
seja finalmente fazer aquela aula de caratê pela primeira vez ou ceder a
sua casa para a exibição do filme de arte de um colega. As pessoas mais
felizes optam pelas duas vias e assim se beneficiam de ambas.
02> DETALHES TÃO PEQUENOS
Pessoas mais felizes não são minuciosas e têm uma proteção emocional natural contra o desgaste dos pequenos detalhes
Uma
crítica comum às pessoas felizes é que elas não são realistas — levam a
vida alegremente sem levar em conta os perigos e problemas do mundo.
Pessoas satisfeitas tendem a ser menos analíticas e atentas a detalhes.
Um estudo conduzido pelo psicólogo Joseph Forgas, da Universidade de New
South Wales, constatou que pessoas com uma predisposição a serem
felizes — ou seja, aquelas que tendem a ser positivas — são menos
céticas do que as outras. Elas são menos críticas e mais receptivas com
estranhos, o que as torna mais suscetíveis a mentiras e golpes.
Claro,
ficar de olho nos detalhes pode ajudar quando se trata de navegar o
complexo universo social de colegas e namorados — e é algo que as
pessoas menos alegres tendem a fazer. Na verdade, o psicólogo da
Universidade Virginia Commonwealth, Paul Andrews, argumenta que a
depressão é, na verdade, uma questão de adaptação. Pessoas depressivas,
segundo a lógica, tendem a refletir e processar mais suas experiências
do que as outras — e, por consequência, ter mais insights sobre si mesmo
ou sobre a condição humana —, embora paguem um preço emocional por
isso. Um pouco de atenção aos detalhes ajuda a avaliar o universo social
de maneira mais realista.
No
entanto, muita atenção aos detalhes pode interferir no nosso
funcionamento cotidiano, como dizem as pesquisas realizadas pela
psicóloga Kat Harkness, da Queen’s University. Em seu estudo, ela mostra
que as pessoas deprimidas tendem a notar mudanças nas expressões
faciais dos outros a cada minuto. Já as pessoas felizes tendem a ignorar
tais mudanças repentinas — um ar de aborrecimento, um sorriso
sarcástico. Você provavelmente conhece tal fenômeno das interações com
seu parceiro. Quando estamos de mau humor, notamos pequenas mudanças de
expressão que geralmente surgem de uma briga (“Eu vi você virar os olhos
pra mim! Por que você fez isso?!”), mas quando estamos de bom humor,
passamos por cima desses detalhes (“Você me provoca, mas eu sei que no
fundo você ama estar perto de mim”). As pessoas mais felizes têm uma
proteção emocional natural contra a energia desgastante dos pequenos
detalhes.
Do
mesmo modo, as pessoas mais felizes não dão tanta importância para o
seu desempenho. Ao rever a literatura de pesquisa de Oishi e seus
colegas, nota-se que as pessoas mais felizes — cujas notas foram 9 ou 10
no quesito satisfação com a vida — tendem a ter desempenhos piores do
que pessoas medianamente felizes quando se trata de notas, frequência em
aulas e salários. Em resumo, elas se preocupam menos com o seu
desempenho; acreditam que vale a pena sacrificar um certo grau de
realização para não ter que se preocuparem com coisas pequenas.
03> EU TORÇO POR VOCÊ
Comemorar de verdade o sucesso dos seus amigos pode te fazer mais feliz do que conquistar os seus próprios
Você já ouviu isso um milhão de vezes: um bom amigo é aquele com quem você pode contar quando precisa. Segundo uma pesquisa recente da Gallup World Poll, o melhor indicador de felicidade no trabalho era se a pessoa tinha ou não um melhor amigo com quem podia contar. Assim, faz sentido pensarmos que um bom amigo é aquele que nos leva pra tomar uma cerveja quando recebemos uma promoção no trabalho — ou que somos um quando buscamos aquele amigo no bar que acabou de ser demitido e está muito bêbado para voltar pra casa dirigindo.
Você já ouviu isso um milhão de vezes: um bom amigo é aquele com quem você pode contar quando precisa. Segundo uma pesquisa recente da Gallup World Poll, o melhor indicador de felicidade no trabalho era se a pessoa tinha ou não um melhor amigo com quem podia contar. Assim, faz sentido pensarmos que um bom amigo é aquele que nos leva pra tomar uma cerveja quando recebemos uma promoção no trabalho — ou que somos um quando buscamos aquele amigo no bar que acabou de ser demitido e está muito bêbado para voltar pra casa dirigindo.
De
fato, tal apoio alivia as pancadas difíceis da vida e ajuda a vítima a
superá-las. Ainda assim, novas pesquisas revelam uma ideia menos
intuitiva sobre amizades: as pessoas mais felizes são aquelas que estão
presentes nos sucessos dos amigos e cujas realizações são comemoradas
por eles.
Tal
ideia é reforçada pela psicóloga Shelly Gable, da Universidade da
Califórnia, em Santa Bárbara. Uma pesquisa realizada por ela e alguns
colegas revelou que quando parceiros românticos falham em dar
importância ao sucesso do outro, o casal tem mais chances de se separar.
Em contrapartida, quando os parceiros comemoram as realizações uns dos
outros, eles tendem a ficar mais satisfeitos e compromissados com o
relacionamento, desfrutando de mais amor e felicidade.
No
entanto, fora do nosso relacionamento principal, por que capitalizar o
sucesso dos outros nos faria mais feliz? Por que devemos apoiar aquele
amigo sortudo, ouvindo todos os detalhes de mais uma de suas conquistas
sexuais quando nós mesmos passamos muitas noites de sexta-feira lendo
gibi? Primeiramente, ele precisa de você, de verdade. O processo de
conversar sobre uma experiência positiva com alguém que escuta
atentamente muda, de fato, a memória daquele evento — dessa forma,
depois de falar sobre a sua experiência, seu amigo vai se lembrar
daquela noite com a modelo de maneira ainda mais positiva do que ela foi
realmente, e vai ser mais fácil para ele relembrar deste encontro
alguns anos depois, quando ela der o fora nele. Mas igualdade é
importante, e você também pode pegar uma carona na positividade do seu
amigo. Assim como nós nos sentimos mais felizes quando compramos
presentes ou doamos dinheiro para caridade em vez de gastarmos com nós
mesmos, nos sentimos mais felizes ao ouvir os relatos de sucesso de
nossos amigos.
Na
vida, existem muitas pessoas esperando uma oportunidade para mostrar
seu heroísmo. Difícil mesmo é encontrar pessoas que realmente conseguem
compartilhar a alegria e realização dos outros sem sentir inveja. Assim,
mandar flores para uma amiga que está se recuperando de uma cirurgia
pode ser generoso da sua parte, porém oferecer o mesmo buquê quando ela
se formar em Medicina ou ficar noiva gera mais satisfação para ela — e
principalmente para você.
04> SENTIMENTOS NEGATIVOS À MOSTRA
Admitir
sentir raiva ou inveja pode nos tornar mais flexíveis, e a habilidade
de mudar nosso estado mental é fundamental para o bem-estar
As
pessoas mais saudáveis psicologicamente têm um entendimento nato de que
as emoções servem como um feedback — um sistema de radar interno que
fornece informações sobre o que está acontecendo (e o que vai acontecer)
no nosso universo social. Pessoas felizes e radiantes não escondem seus
sentimentos negativos. Elas reconhecem que a vida é cheia de decepções e
batem de frente com elas, sempre usando de sua raiva para se defender e
de sua culpa como motivador para mudar seu próprio comportamento. Esta
hábil alternância entre prazer e dor — habilidade de mudar seu
comportamento para atender à demanda da situação — é conhecida como
flexibilidade psicológica.
A
habilidade de mudar o estado mental de acordo com a circunstância é um
aspecto fundamental para o bem-estar. George Bonanno, psicólogo da
Columbia University, descobriu que, após o 11 de Setembro, as pessoas
mais flexíveis que moravam em Nova York quando os ataques aconteceram —
aquelas que ocasionalmente sentiam raiva, mas também escondiam sua
emoção quando necessário — se recuperaram mais rápido e desfrutaram de
melhor saúde mental do que as que não souberam se adaptar.
Oportunidades
para reagir de maneira flexível estão em toda parte: uma recém-casada
que acaba de descobrir que é infértil talvez esconda sua desesperança de
sua mãe, mas se abra com a amiga; pessoas que passaram por algum trauma
talvez expressem sua raiva para outras que compartilham do mesmo
sentimento, mas a esconda de amigos. O que nos permite obter melhores
resultados em diferentes situações é a capacidade de tolerar o
desconforto causado pela mudança de estado de espírito de acordo com
nossa companhia e suas atitudes.
Aprender
a lidar com o desconforto emocional é algo que se faz aos poucos. Da
próxima vez em que você tiver um desentendimento com alguém, em vez de
beber uma dose de uísque, tente simplesmente tolerar aquele sentimento
por alguns minutos. Com o passar do tempo, sua capacidade de tolerar
emoções negativas vai aumentar.
05> ENCURTANDO A CURTIÇÃO
Prive-se
dos prazeres imediatos: banho demorado, barra de chocolate, sessão de
TV… As pessoas mais felizes têm metas longas e definidas
Até
a pessoa mais esforçada concorda que uma vida cheia de objetividade e
sem prazeres é muito chata. Pessoas felizes sabem se permitir certas
indulgências momentâneas que são gratificantes — tomar um banho longo,
faltar na ginástica no sábado para assistir a uma partida de futebol na
TV… Se você se concentra principalmente em atividades que te dão prazer
instantâneo, você pode estar perdendo os benefícios de ter uma meta
definida. Objetivos nos levam a correr riscos e fazer mudanças — mesmo
face à privação e ao sacrifício da felicidade a curto prazo.
Ao
tentar descobrir como as pessoas equilibram prazer e objetivo, Michael
Steger e seus colegas da Colorado State mostraram que o ato de tentar
compreender nosso mundo é o que geralmente nos desvia de nossa
felicidade. Afinal, esta é uma missão carregada de tensão, incerteza,
complexidade, momentos de intriga e agitação, e conflitos entre o desejo
de se sentir bem e a vontade de progredir em direção ao que mais
valorizamos. Ainda assim, no geral, as pessoas mais felizes tendem a
sacrificar mais os prazeres a curto prazo quando existe uma boa
oportunidade de progredir em direção ao que elas desejam ser na vida.
Uma
pesquisa realizada pelo neurocientista Richard Davidson, da
Universidade de Wisconsin, revelou que progredir em direção à realização
de nossos objetivos nos faz sentirmos mais envolvidos e nos ajuda a
tolerar sentimentos negativos que podem surgir neste percurso.
Ninguém
diz que ter um objetivo na vida é fácil ou que seja uma tarefa simples,
mas pensar nas atividades gratificantes e significativas que você fez
na semana passada, no que você é bom e nas experiências das quais você
não abre mão pode ajudar. Observe também as situações em que suas
respostas refletem aquilo que você acha que devia dizer em vez daquilo
em que realmente acredita. Por exemplo, ser pai não significa que o
tempo que você passa com seus filhos é a parte mais energizante e
significativa da sua vida — e é importante aceitar isso. As pessoas mais
felizes conseguem combinar aquilo que mais gostam com uma vida de
objetivos e satisfaçã
A FELICIDADE EM NÚMEROS
•
0,98m é a distância de casa, em metros, em que os tweets das pessoas
começam a expressar menos felicidade (aproximadamente a distância de
casa para o trabalho para quem mora relativamente perto).•
40%
de nossa capacidade de ser feliz está ligada ao poder de mudança, de
acordo com a pesquisadora da Universidade da Califórnia, Riverside,
Sonja Lyubomirsky.•
85
é o número de residentes em cada 100 que dizem ter sentimentos
positivos no Panamá e no Paraguai, países mais positivos no mundo.•
20%.
Para 1/5 da população dos Estados Unidos a sensação de felicidade não é
afetada pelas flutuações de igualdade de renda do país graças à sua
condição financeira.
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