Coronel da tortura prendeu líderes opositores e os devolveu dopados e engessados a militares da Argentina
Em um relato frio e irônico Malhães
contou, sem nomear, que capturou um líder do grupo Montoneros que vinha
num voo de Buenos Aires, mas tinha como destino a Venezuela. O preso foi
entregue aos militares de seu país e o retorno à capital porteña teve
até o aval de um médico que dopou e engessou a vítima. Tudo para não
chamar atenção.
“Eu guardei os frasquinhos que o médico me deu
junto com as finalidades. Esses frasquinhos foram até usado pelo SNI, um
cara me pediu uma ampola e tal. Maravilhosos os frasquinhos (rindo).
Eles serviam para várias coisas, fazer tu ter um AVC, por exemplo”,
contou Malhães.
O relatório da Comissão Especial
sobre Mortos e Desaparecidos Políticos mostra que ao menos três
integrantes dos montoneros foram presos no Brasil. Horacio Campiglia e
Monica Binstock voltavam do exílio para a Argentina em março de 1980. Os
dois saíram do México, num voo da empresa aérea venezuelana Viasa, que
fazia conexão em Caracas com um voo da Varig rumo ao Rio. Familiares
acreditam que eles foram sequestrados no aeroporto do Galeão. Os dois
nunca mais foram vistos com vida.
O capelão dos Montoneros Jorge Oscar
Adur também desapareceu no Brasil em julho de 1980. A visita de Adur
tinha como objetivo uma reunião com diversos grupos de ativistas
políticos, particularmente cristãos da luta sindical e camponesa, além
de familiares de desaparecidos e de presos políticos argentinos.
No depoimento de Malhães, que será
apresentado ao público hoje, o militar também contou que o coronel
Wilson Machado confessou internamente ao Exército que a bomba explodiu
no estacionamento do Riocentro em 1981 porque estava sendo montada
dentro do carro no colo do sargento Guilherme do Rosário. “Foi montar
ali. Aí ele bateu com a corrente que segurava o relógio, que é aquela
metálica. Ele bateu nos contatos e a bomba explodiu... pronto, só isso”,
afirmou.
Morto há pouco mais de um mês durante um
assalto em seu sítio, em circunstãncias ainda não esclarecidas, Malhães
admitiu à Comissão do Rio que tinha receio de falar sobre seu trabalho
no Éxército. Questionado sobre retaliações, na segunda conversa, ele
disse que ficou “matutando”. “ Que eu estava correndo um grande risco”,
ponderou. Pouco depois também disse que não falava sobre o assunto ao
telefone e não escrevia no computador. “Nem pensar”, enfatizou.Enterros na floresta
Ao contar que o primeiro destino do corpo do deputado federal cassado Rubens Paiva foi uma cova próxima à estrada do Alto da Boa Vista, o coronel Malhães admitiu que o DOI-Codi tinha a prática de enterrar guerrilheiros mortos na Floresta da Tijuca. “Para mim, a mania que eles tinham era enterrar”, afirmou o oficial. Questionado sobre o motivo, ele foi direto: “Porque fica mais difícil você achar."
De acordo com ele, um dos corpos pode ter sido o do dirigente do PCBR e ex-deputado federal Mário Alves. O coronel contou que soube da prisão do militante e, diferente de Paiva, o assassinato não teria sido acidental. “Posso até julgar que foi, mas acho difícil. Eu mesmo acho difícil”, confessou.
Malhães confirmou que, além dos militares, atuava no DOI-Codi, na época, o detetive da Polícia Civil Fernando Próspero Gargaglione de Pinho. Ele e o coronel reformado Armando Avólio Filho teriam trabalhado juntos e Gargaglione foi trazido para a repressão por Avólio.
O coronel confessou ainda que os militares usavam como aparelho uma delegacia no Alto da Boa Vista, onde hoje é o Corpo de Bombeiros. Para ele, tanto Avólio como Gargaglione podem estar envolvidos na primeira tentativa de ocultação de cadáver de Rubens Paiva. “Porque o Avólio gostava de movimento. Era um cara que gostava de dar porrada”, denunciou Malhães. Avólio foi a principal testemunha de acusação da denúncia do caso aceita pela Justiça.
TRECHOS DO DEPOIMENTO
RUBENS PAIVA
“Ele estava bem enterradinho. É que a umidade penetra, passa por baixo e deteriora a carne muito rápida. Mas todo mundo enterrado direitinho”, afirmou Malhães sobre a descoberta do corpo de Rubens Paiva na praia do Recreio, como também admitiu ao DIA em março .
SEQUESTRO
“Botou o cara (argentino) para dormir engessado. Ele como médico se apresentou ao piloto. Tudo direitinho. Todas as formalidades cumpridas...Foi na maca. O consulado argentino aqui tratou de acertar tudo.”
ESQUADRÃO DA MORTE
“Eu fui membro honorário, eu não fui membro efetivo. Eu era conselheiro porque me chamaram lá e me deram ‘Oh, vou dar o escudinho do DOI para você botar.’ Eu usava no meu carro. Não escondia isso não. Mas, não tinha qualquer ligação com negócio de morte de vagabundo. Não era comigo.
GENERAL MÉDICI
“Quando aconteciam problemas, o (presidente) Médici mandava me chamar. Eu ia no Palácio. Ele perguntava: ‘e aí?’ Eu dizia: ‘O senhor quer que eu resolva?’ ‘Então tá Malhães, resolve”.
TORTURA
“Eu tenho que aprender. Eu era um torturador. Eu tinha um aparelhinho de choque especial. Então, ainda raciocinava. Eu vim evoluir rápido. Mas levei algum tempo para evoluir.”
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