Paulo Moreira Leite
Cortes em receitas do Estado são caminho mais fácil para pressionar por cortes em programas de bem-estar social
Confesso que fiquei espantado
com o mais recente pedido de grandes empresários que estiveram no
Planalto para uma conversa com Dilma. Eles querem transformar a
desoneração da folha de pagamentos – decisão provisória prevista para
durar até o final de 2014 – em medida permanente.
Não conheço ninguém que goste de pagar impostos – nem mesmo aquele que paga sem saber – mas não consigo enxergar
um motivo socialmente justificavel nem economicamente positivo para uma
medida dessa natureza. Estamos falando de uma redução de receitas da
ordem de R$ 20 bilhões por ano. É quase um Bolsa Família, que implicou
num gasto de R$ 24 bilhões em 2013.
Mas ao contrário do Bolsa
Família, cujos benefícios para o país são indiscutíveis, até agora não
se demonstrou quais vantagens a desoneração trouxe ao país. Faltam
números e argumentos sólidos para justificar a medida.
A tese mais comum é que as
desonerações poderiam facilitar a contratação de trabalhadores, na
medida em que reduzem os encargos das empresas. É uma forma generosa de
apresentar as coisas, vamos combinar. O certo é que a redução de gastos
com os trabalhadores implica numa elevação nos lucros das empresas. Não
há nada de errado nisso, obviamente. Mas é bom saber do que estamos
falando.
Economistas que procuraram
respostas para o funcionamento do capitalismo real, como John Maynnard
Keynes, sempre contestaram essa visão sobre o funcionamento do mercado
de trabalho. Para eles, as empresas contratam trabalhadores quando
precisam de mão-de-obra, pagando o que for necdessário para contar com
seus serviços. Dispensam, sem piedade, quando não vale à pena. Durante a
década de 1930, os Estados Unidos deixaram a Grande Depressão para trás
criando novas leis sociais e distribuindo benefícios, o que implicou em
fortalecer as receitas do Estado para que a renda pudesse ser
redistribuída.
No pesadelo europeu posterior a
crise de 2008, o corte de salários, benefícios e pensões foi uma das
primeiras ideias lançadas para tirar o Velho Mundo da crise. Os
resultados foram pífios, ou nulos, na maior parte.
No Brasil, costuma-se
justificar a desoneração como uma maneira de diminuir a carga
tributária, considerada elevada demais pelo consenso de economistas da
oposição, ainda que ela tenha dado seu maior salto durante o governo
FHC.
Sem deixar de
debater ajustes e mudanças, aqui e ali, falta compreender um ponto
importante. Alta, ou baixa, conforme o ponto de vista, a carga
tributária deve ser compatível com aquilo que uma sociedade espera do
Estado. Desde a Constituição de 1988, pelo menos, os brasileiros
deixaram claro que optaram pela formação de um Estado de bem-estar
social, ainda rudimentar, limitado, cheio de falhas -- mas real. O
ponto em debate é este: preservar, ou não, as possibilidades do Estado
brasileiro assumir funções de proteção social, distribuição de renda e
ampliação das oportunidades aos mais pobres. Ou devolver o futuro dos
brasileiros às mãos do mercado. Enfim: quem falava em escolas
padrão-FIFA, postos de saúde idem, só estava querendo enganar o povo que
foi a rua fazer protesto?
Não vamos nos iludir. Receitas
menores implicam, inevitavelmente, em pressões maiores para o Estado
cortar gastos, diminuir investimentos, em nome do equilíbrio das contas
públicas.
O jogo é assim. Nós sabemos, também, quem paga a conta.
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