- ‘Máquina de afeto’ pode ajudar a combater estresse, depressão e transtornos comportamentais
Renato Grandelle
Uma breve passagem por um equipamento pode moldar o cérebro e nos
tornar mais sociáveis, afetuosos e tolerantes. A experiência, ainda em
estágio inicial, está sendo conduzida por pesquisadores do Instituto
D'Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), e ofereceria novos tratamentos para
comportamentos antissociais e transtornos como depressão pós-parto.
Se
o estudo for bem-sucedido, os desdobramentos influenciarão o modo como
lidamos com situações estressantes ao nosso redor. A ativação das
virtudes foi realizada com ajuda de exames de ressonância magnética
funcional, em que os pesquisadores encontraram circuitos cerebrais
ligados a emoções altruístas e à empatia.
O funcionamento da
“máquina de afeto” baseou-se em dois pilares: o conhecimento sobre as
bases neurais de sentimentos como ternura e afeição; e a capacidade
tecnológica de mapear o cérebro em tempo real.
Três recordações
Na
véspera do experimento, os pesquisadores pediram para que cada um dos
24 voluntários recordassem três situações que viveram. Um episódio de
afeto — um encontro familiar, por exemplo. Outra experiência de orgulho e
conquista pessoal, como uma promoção no trabalho. Por fim, um
acontecimento neutro, que não desperta grandes emoções — talvez fazer
compras em um supermercado.
Os participantes foram divididos em
dois grupos. Metade recebeu informações de “neurofeedback”. Trata-se de
uma técnica em que a pessoa visualiza a resposta gerada por suas funções
cerebrais em tempo real.
Em uma tela de cristal líquido, dentro
da sala de ressonância magnética, os participantes assistiram ao
revezamento das palavras “neutro”, “afeto” e “orgulho”. Conforme elas
apareciam, os voluntários deveriam recordar as situações
correspondentes.
— Além das palavras, os participantes também viam
uma argola, que se distorcia ou ficava mais perfeita, dependendo da
nitidez de cada sentimento — explica Jorge Moll, neurocientista
cognitivo do IDOR e autor principal de um estudo que descreveu a
experiência na revista “PLOS One”. — O nível de distorção da argola
estava relacionado à ativação, no cérebro, de cada emoção.
Os
voluntários, então, eram estimulados a resgatar a memória afetiva. Após
três sessões, cada uma com cerca de dez minutos, e realizadas no mesmo
dia, demonstraram padrões cerebrais mais característicos de empatia.
O segundo grupo que passou pela máquina de ressonância magnética não recebeu um feedback da própria atividade cerebral.
—
As palavras “neutro”, “afeto” e “orgulho” também apareciam na tela, mas
a argola movia-se de forma aleatória — conta Moll. — Este grupo não
demonstrou aumento na consistência dos padrões cerebrais de empatia.
Efeito na vida real
De
acordo com Moll, o sentimento de empatia foi escolhido por ser uma
emoção mais complexa e ativar simultaneamente diversas regiões do
cérebro. No entanto, os efeitos do experimento fora da máquina de
ressonância magnética ainda são desconhecidos.
— Esta tecnologia
mostra como esculpir as respostas emocionais no próprio cérebro — revela
o neurocientista. — O efeito fora da máquina não é conhecido, não
sabemos como ele se refletiria na vida real. Mas o experimento abre uma
porta, demonstrando que podemos adquirir controle sobre a atividade
cerebral de sentimentos complexos.
A equipe do IDOR quer saber
quantas sessões seriam necessárias para que uma pessoa pudesse
desenvolver empatia de maneira mais consistente.
— Também vamos
abordar outros estágios, como a possibilidade de redução da raiva ou de
sentimentos de culpa inapropriados — ressalta Moll.
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