Na agricultura, bactérias causadoras de
doenças em insetos (as chamadas bactérias entomopatogênicas) são
utilizadas com frequência para a eliminação de pragas. Diferentemente
dos inseticidas químicos, elas atuam de forma mais direcionada, agindo
apenas contra determinadas espécies, e não representam risco para a
saúde das pessoas. Por estes mesmos motivos, a estratégia é considerada
uma possível arma também para o combate a insetos transmissores de
doenças. No entanto, um estudo divulgado na revista científica Parasites and Vectors,
sugere que essa abordagem pode ser contraindicada para enfrentar a
leishmaniose. A pesquisa aponta que a presença do parasito Leishmania,
causador da enfermidade, pode proteger os insetos transmissores da
doença contra uma infecção bacteriana potencialmente letal. Os
resultados, que pela primeira vez constataram que a infecção pela
Leishmania pode ser vantajosa para o inseto, foram obtidos por
cientistas das universidades de Lancaster e Liverpool, na Inglaterra, do
Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e das universidades federais de
Minas Gerais (UFMG) e do Piauí (UFPI).
No
estudo, os pesquisadores utilizaram flebotomíneos da espécie Lutzomyia
longipalpis, principal inseto responsável pela transmissão da
leishmaniose visceral no país, além de atuar na transmissão da forma
cutânea da doença. Um grupo desses insetos foi alimentado com sangue
infectado pelo parasito Leishmania mexicana. Algum tempo depois, eles
ingeriram uma solução contendo a bactéria Serratia marcescens, que
possui alta letalidade para estes insetos. O segundo grupo recebeu
apenas a solução com a bactéria. Comparando os dados, os cientistas
verificaram que os flebotomíneos infectados pela Leishmania tiveram uma
taxa de sobrevivência cinco vezes maior: 56% contra apenas 11% no grupo
sem o parasito.
Ação probiótica - O
coordenador da pesquisa, Rod Dillon, da Universidade de Lancaster,
afirma que, uma vez estabelecida no intestino dos insetos, a Leishmania
passa a atuar como os micro-organismos probióticos, conhecidos por
regular a flora intestinal, beneficiando a saúde. “Nós estávamos
avaliando o uso de bactérias para impedir a propagação da leishmaniose,
mas verificamos que a Leishmania funciona como um tipo de probiótico e
reduz a mortalidade dos insetos”, declara.
De
acordo com Fernando, os resultados alteram a forma como os cientistas
percebem a interação entre o parasito e o vetor. “A Leishmania sempre
foi vista como um parasito que prejudica o flebotomíneo. As fêmeas
infectadas põem menos ovos e têm dificuldade de se alimentar. Porém,
esse pode ser um mal menor em comparação a uma situação em que o inseto
esteja combatendo uma bactéria entomopatogênica”, avalia.
Do ponto
de vista evolutivo, a proteção conferida aos insetos pela presença da
Leishmania pode ser um estímulo para que uma parcela da população de
flebotomíneos seja mais suscetível à infecção pelo parasito. “Em áreas
endêmicas para leishmaniose, geralmente apenas 1% dos insetos são
infectados. A longo prazo, esta característica pode ser interessante
para o flebotomíneo, pois permite que a espécie sobreviva no caso de
disseminação de uma bactéria entomopatogênica”, esclarece.
Casos são frequentes no Brasil -
O Brasil é um dos seis países que concentram mais de 90% dos casos de
leishmaniose no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a
doença afeta 1,3 milhão de pessoas anualmente, causando cerca de 30 mil
mortes. A forma mais frequente da patologia é a leishmaniose tegumentar
americana, que provoca lesões na pele (leishmaniose cutânea) e, com
menor frequência, nas mucosas do nariz e da boca (leishmaniose
mucocutânea). Já o tipo mais grave da doença é a leishmaniose visceral –
também conhecida como calazar –, que afeta os órgãos internos,
especialmente o fígado, o baço, os gânglios linfáticos e a medula óssea.
A infecção pode ser causada por
diferentes espécies de parasitos do gênero Leishmania. Além do homem,
podem ser infectados animais silvestres e domésticos, sendo que os cães
são os mais frequentemente envolvidos na propagação da doença. Os
insetos transmissores (flebotomíneos) contraem o parasito ao sugar o
sangue de bichos ou pessoas doentes e propagam a infecção ao picar
outros indivíduos. Embora exista tratamento para a infecção humana, o
parasito não é eliminado dos animais com medicamentos. Por isso, cães e
outros bichos podem se tornar reservatórios do parasito e é recomendada a
eutanásia dos animais diagnosticados.
Atualmente,
não existem estratégias para combater os insetos transmissores da
leishmaniose. Na forma adulta, os flebotomíneos medem cerca de 2
milímetros e encontrar suas larvas e pupas na natureza é muito difícil.
Nas áreas endêmicas da doença, são indicadas medidas de proteção, como
uso de repelentes, utilização de mosquiteiros e instalação de telas nas
janelas, para evitar o contato com os insetos.
(Por Maíra Menezes / Ascom IOC)
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