Entrevista
A Grécia na hora do voto de protesto
Segundo Stan Draenos, um governo liderado pelo Syriza
poderá desencadear um “efeito dominó” para incluir a FN de Marine Le
Pen. E outros mais...
por Gianni Carta
—
Melaos Michalatos / AFP
Os extremismos se assemelham. É o
que ficará claro se o Syriza conseguir formar um governo. Quase certa é a
vitória dessa legenda de extrema-esquerda nas legislativas antecipadas
de domingo 25, salvo uma grande surpresa. A previsão é de numerosos
observadores, inclusive o greco-americano Stan Draenos, analista
político e biógrafo do ex-premier socialista Andreas Papandreou
(1919-1996). Medidas de austeridade impostas pela Troika (Banco Central
Europeu, UE e FMI) não funcionaram durante seis anos de recessão. A
Grécia sofreu uma queda de produtividade de 25%, tem um nível de
desemprego de 26%. Pelo menos 30% da população está mergulhada na
miséria.
Alexis Tsipras, líder do Syriza, pretende permanecer na
Zona do Euro. No entanto, seu programa econômico de inspiração
keynesiana não poderá ser implementado “sem violar os acordos de
políticas econômicas selados com os credores”, diz o analista. Draenos
leva em conta uma União Europeia, onde o mercado livre é o alvo
abençoado pela chanceler alemã, Angela Merkel. Nem por isso ele tem
certeza de que Tsipras é a solução.
Outro obstáculo: caso o Syriza não consiga formar um novo
governo em três dias, a segunda legenda mais votada, certamente a
conservadora Nova Democracia, do atual premier Antonis Samaras, tentará
forjar outra aliança. Se também a ND falhar, será a vez do terceiro
colocado, o partido social-democrata To Potam (O Rio), ou a legenda
neonazista Aurora Dourada (Chrysi Avgí). Nesse contexto, o “efeito
dominó”, observa Draenos, inclui extremistas de esquerda e direita
Europa afora. Exemplo: a Frente Nacional e a Frente de Esquerda, na
França. Ambos os partidos apoiam o Syriza. Contradição? Nada disso,
sustenta Marine Le Pen. “Trata-se de o povo reassumir a luta contra o
totalitarismo da UE.” Para Le Pen, embora o Syriza queira manter o euro,
o importante é que eles se opõem às políticas de austeridade da UE.
CartaCapital: Como vê Tsipras como político?
Stan Draenos: Pouco
mais de 40 anos, Tsipras tem uma voz sedosa, é articulado,
autoconfiante e simpático. Mas não é carismático, imponente. Ainda tem
de demonstrar capacidades de liderança. Sua inabilidade, ou falta de
vontade, de confrontar a facção eurocética de sua legenda levanta
questões para os eleitores indecisos e críticos de uma vitória
convincente do Syriza.
CC: Nesta época em que
legendas de extrema-direita como a Frente Nacional, na França, estão
angariando cada vez mais votos, como explicar o fato de o Syriza ser o
favorito, e não a Aurora Dourada?
SD: A ligação da Aurora
Dourada com a violência é repulsiva para a maioria dos gregos. Além
disso, com vários dos seus deputados na prisão por acusações criminosas,
a legenda teve dificuldade em realizar uma eficaz campanha eleitoral.
Seu apoio eleitoral parece ter caído para o núcleo de base de cerca de
5%. Por outro lado, o Syriza tem raízes na exposição progressista dos
socialistas, que surgiu com a queda da junta militar em 1974. Essa linha
atrai um público muito maior.
CC: Tsipras não quer a
Grécia fora da Zona do Euro. Mas seu programa rema contra a austeridade
imposta pela Troika. É possível a Grécia manter o euro e, ao mesmo
tempo, implementar políticas keynesianas?
SD: O
Syriza ainda não explicou de forma convincente onde vai encontrar os
fundos para os 12 bilhões de euros que colocariam um fim na austeridade,
como promete aos eleitores. No atual contexto da UE, o Syriza não pode
implementar políticas keynesianas sem violar os acordos de políticas
econômicas selados com os credores. Mas, mesmo se pudesse, o
keynesianismo é uma proposta questionável quando um país faz parte de
uma comunidade econômica de livre mercado. Como Andreas Papandreou
salientou décadas atrás, um estímulo keynesiano à demanda dos
consumidores seria absorvido pelas importações de outros países
produtores de bens que os gregos querem e não são oferecidos pela
economia grega. Para ser eficaz, uma política keynesiana teria de
integrar um programa geral da UE.
CC: Thomas Piketty, defensor de políticas keynesianas, disse que o problema não é Tsipras, e sim Angela Merkel.
SD: A
Espanha sofreu um período mais longo de nível elevado de desemprego. De
qualquer forma, esse fenômeno é a prova mais flagrante de que acabou a
chamada vitória do “capitalismo” sobre o “socialismo real” da União
Soviética, bem como sobre a social-democracia. Algo está errado em um
sistema econômico que não pode fornecer níveis adequados de emprego.
Piketty talvez tenha razão ao dizer que Merkel é o problema. Mas ainda
tenho de ser convencido de que Tsipras é a solução. Dito isso, o Syriza
pelo menos conseguiu dar início a um novo debate.
CC: A questão parece ser com quais siglas o Syriza formará uma aliança.
SD: Não é
questão de pesquisas, mas das relações entre as legendas. Tsipras jamais
colaboraria com o socialista Evangelos Venizelos, do Pasok. O Syriza o
demoniza. Por sua vez, Stavros Theodorakis, do To Potami, está aberto a
falar tanto com o Syriza quanto com a Nova Democracia. No entanto,
Theodorakis se oporia às posições declaradas sobre a dívida do Syriza:
as veria como perigosas para a permanência da Grécia na Zona do Euro. O
Syriza não aceitaria comprometer sua estratégia em relação aos credores
da Grécia, a fim de ganhar entre cinco e dez assentos adicionais para
obter maioria parlamentar. O Syriza também rejeitou alianças
pós-eleitorais com todas as siglas implicadas em políticas de
austeridade nos últimos seis anos. E Tsipras tem feito apelos simbólicos
para obter o apoio de dois partidos anti-UE, como o velho Partido
Comunista e da extrema-esquerda Antarsya (Revolta). Tsipras, na verdade,
quer minar a base eleitoral dessas agremiações. Diante da perspectiva
de se tornar o primeiro partido, mas sem cadeiras suficientes para
ganhar um voto de confiança, Tsipras anuncia aos eleitores a necessidade
de votar no Syriza para a legenda obter maioria parlamentar. Se a
tática der certo, o Syriza poderá angariar de 36% a 38% do voto popular.
E, assim, ganharia o “bônus” de 50 assentos garantidos ao primeiro
partido pela lei eleitoral da Grécia. No entanto, as pesquisas indicam
que isso vai ser difícil, embora não impossível. Existe, é claro, a
possibilidade de um segundo turno. Isso a despeito de a vasta maioria
querer evitá-lo. Motivo: um segundo turno causaria mais danos para a
economia. Haveria também um tremendo impacto na capacidade do país em
lidar com as obrigações da dívida, em julho e agosto.
CC: Acredita
em um efeito dominó desencadeado pelo Syriza em países como a Espanha,
onde o movimento Podemos está à frente nas sondagens das eleições
legislativas deste ano, e outras siglas, como a Frente de Esquerda, na
França, o Die Link na Alemanha etc.?
SD: De
fato, uma vitória do Syriza mobilizaria outras forças políticas
europeias opostas à austeridade imposta pela Alemanha. No entanto, nesse
quadro há legendas direitistas ultranacionalistas e eurocéticas, como a
de Marine Le Pen. Governos de centro-esquerda na França e na Itália não
aprovam a austeridade imposta pela Alemanha, mas não parecem se
solidarizar com o programa do Syriza. Esse programa inclui não só uma
considerável amortização da dívida, mas também a revogação de reformas
públicas e no setor privado, e um relaxamento da disciplina fiscal.
Tsipras cita possíveis vitórias do Podemos nas eleições espanholas no
fim de 2015 como prova de mudanças na Europa. Contudo, goste-se ou não, a
Grécia não tem acesso aos mercados financeiros. Depende dos credores da
Troika.
CC: Mas o eleitor de Tsipras não difere daquele de Le Pen?
SD: Na Grécia, o voto
anti-imigrante é, em grande parte, da direita. A “conexão” entre o
Syriza e a FN, na França, baseia-se na crescente oposição do povo ao establishment. Isso se deve ao fato de as políticas europeias terem falhado nas áreas da economia e da imigração.
CC: O
senhor mencionou o fato de os partidos de centro-esquerda como os de
François Hollande e o de Matteo Renzi não aprovarem o programa
antiausteridade do Syriza. Mas esses seguidores da “Terceira Via” de
Blair desiludiram seus eleitores. Além disso, alguns críticos argumentam
que o partido político, na sua acepção tradicional, está morto.
SD: O
partido político pode estar “espiritualmente” morto como veículo
adequado para algo que poderíamos chamar de vida política democrática.
No entanto, ainda por meio dos partidos opera a democracia parlamentar,
ao menos formalmente.
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