É fundamental a mobilização em defesa da legalidade democrática e do respeito incondicional à manifestação do voto popular, frente às articulações evidentes de certos movimentos políticos, de segmentos de parlamentares e de setores da mídia que tentam impor saídas aventureiras e golpistas que ameaçam com a quebra do Estado de Direito. Defender a democracia é defender o SUS e, simultaneamente, defender o SUS é defender a democracia. Passados quase 30 anos, permanece atual o discurso de Sergio Arouca na 8a Conferência Nacional de Saúde: “Democracia é saúde”.
A FIOCRUZ E OS DESAFIOS DO SUS FRENTE A ATUAL CONJUNTURA POLÍTICA
O VII
Congresso Interno da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), reunido em plenária
extraordinária para deliberação sobre a estrutura e a governança institucional,
reitera os termos da carta política A
Fiocruz e os desafios do SUS: a saúde como direito humano e fator decisivo para
a inclusão social e para o desenvolvimento, aprovada em novembro de 2014
por esta mesma instância deliberativa.
Naquele
momento, reafirmou-se o compromisso da Fiocruz com a promoção da saúde pública
como direito humano inalienável, com o avanço do conhecimento científico e
tecnológico a serviço da população, com a compreensão da saúde como elemento
central para o desenvolvimento sustentável e para a reafirmação da soberania
nacional. Entendeu-se ainda como grande desafio da sociedade brasileira aliar
crescimento econômico, equidade e inclusão social, o que requer a efetivação do
Sistema Único de Saúde (SUS) como um sistema universal e de qualidade e a
permanente atualização da agenda institucional e nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação (CT&I).
Esta
visão ampla da saúde e dos desafios para a CT&I encontra-se hoje diante de
sérios riscos e exige um claro posicionamento institucional, condizente com sua
missão e seus valores. Tais riscos decorrem da interrupção de um ciclo com
início nos anos 2000 e que se estendeu por praticamente uma década gerando
importantes avanços, em diversas frentes, com destaque para a inclusão social,
com expressiva extensão de direitos sociais. Soma-se a esse processo o aumento
da renda e expansão do emprego, decorrência da maior ação estatal, mobilizadora
direta e indireta de investimentos e sobretudo, de políticas assertivas de
caráter social, ainda que insuficientes, consideradas a extrema desigualdade e
as grandes necessidades do país. Mais especificamente, observou-se também neste
período um significativo incremento no aporte de recursos para CT&I, fruto
de uma compreensão da importância deste setor para o desenvolvimento e a
soberania do país.
Este
ciclo é interrompido recentemente, sendo adotadas medidas de contenção dos
gastos públicos, elevação de juros e opções por tentar preservar setores
econômicos mediante desonerações fiscais. Para os servidores públicos, a
imposição de mais perdas salariais, desmerece sua condição de efetivos
servidores à sociedade, acarretando um ambiente de grande insatisfação e graves
consequências para as instituições públicas e para seu papel no desenvolvimento
da sociedade.
Medidas
de ajuste fiscal, ao mesmo tempo que deixam intocados os ganhos do capital
financeiro e as grandes fortunas, provocam impactos negativos diretos na vida da
classe trabalhadora e começam a gerar resultados contrários às expectativas de
uma sociedade que demanda mais desenvolvimento social, econômico e soberania. O
ajuste proposto implica menor responsabilidade do Estado pelo desenvolvimento
do país, ao privilegiar a contenção dramática do investimento e custeio públicos.
O comprometimento do emprego e do nível de renda do trabalho já são claros, com
tendências de continuada deterioração e graves consequências à cidadania.
Especificamente no campo da saúde, com reconhecida necessidade de mais
recursos, novos cortes são anunciados representando perspectivas ameaçadoras ao
futuro do SUS como sistema universal.
Na
CT&I, tal como se verifica nos principais instrumentos de fomento e
manutenção de programas e estruturas de incentivo à pesquisa e à inovação, os
cortes são altamente comprometedores. Para as instituições científicas e
tecnológicas são contidos recursos e suspensos concursos, trazendo sérios
riscos para a preservação de suas principais ações e comprometendo o seu
futuro.
Para a
Fiocruz, instituição estratégica de Estado no campo da CT&I em saúde, tais
retrocessos ameaçam suas contribuições ao país e à sociedade. Sua expressão e
reconhecimento em âmbito nacional e internacional, são decorrentes do
compromisso e da qualificação do conjunto de seus servidores e de políticas que
a fortaleceram, ao longo de mais de um século e, sobremaneira, nos últimos
anos, quando concursos regulares e importantes investimentos contribuíram para
o seu desenvolvimento.
As
políticas de contenção de gastos públicos vêm sendo implementadas em quadro de
forte deterioração da economia do país, também contaminada pela atual crise
econômica mundial. Neste contexto,
caminhos alternativos alinhados à perspectiva do desenvolvimento econômico e
social vem sendo propostos por diferentes setores da sociedade e que também se
expressam no interior do governo.
Trata-se de reverter o quadro recessivo, preservar direitos, ampliar as
conquistas sociais, impedindo perdas aos trabalhadores e à sociedade.
Ao
mesmo tempo, emergem movimentos políticos conservadores, com forte
representação hoje no Congresso Nacional, que colocam em xeque as conquistas
econômicas, sociais e políticas, com sensível impacto na superação das
iniquidades sociais e na busca pelos direitos ambientais e os relacionados ao
gênero, à etnicidade, à liberdade religiosa. Neste contexto são propostos
projetos de lei que provocam retrocessos nos direitos das mulheres, das
populações indígenas e outros grupos sociais. O mesmo espectro conservador se
faz presente no que se refere às liberdades individuais e à convivência social,
como no caso do uso de drogas, porte de armas, maioridade penal. Tais projetos
acarretam riscos à efetivação do direito universal à saúde e à agenda
contemporânea dos direitos individuais e coletivos.
Neste
cenário, um dos mais importantes riscos refere-se à perda da institucionalidade
democrática e dos direitos assegurados pela Constituição de 1988. É fundamental
a mobilização em defesa da legalidade democrática e do respeito incondicional à
manifestação do voto popular, frente às articulações evidentes de certos
movimentos políticos, de segmentos de parlamentares e de setores da mídia que
tentam impor saídas aventureiras e golpistas que ameaçam com a quebra do Estado
de Direito. Defender a democracia é defender o SUS e, simultaneamente, defender
o SUS é defender a democracia. Passados quase 30 anos, permanece atual o
discurso de Sergio Arouca na 8a Conferência Nacional de Saúde: “Democracia é saúde”.
O
processo de implementação da Reforma Sanitária Brasileira e da consolidação do
SUS são conquistas do povo brasileiro no contexto de luta por direitos e
redução das desigualdades sociais, sendo o SUS uma marca distintiva de uma
sociedade que se pretende justa, fraterna e igualitária.
Além de
garantir o direito constitucional à saúde e promover a inclusão social e
redução das desigualdades, o SUS contribui para o desenvolvimento econômico por
intermédio de um complexo produtivo em saúde que movimenta cerca 9% do PIB,
constituído por uma rede de serviços públicos e privados e por unidades
públicas e privadas de produção de insumos estratégicos, como vacinas e
medicamentos, que empregam mais de 12 milhões de trabalhadores. Este complexo
deve garantir a soberania e a sustentabilidade do sistema de saúde, ampliação
do acesso a estes insumos, além de contribuir para o desenvolvimento científico
e tecnológico do país, setor este que responde por mais de 35% do esforço de
inovação no país.
O Brasil
é o único país do mundo que tem uma rede de saúde gratuita e aberta a toda a
população em que o gasto privado é superior ao gasto público. Por isso, são necessárias novas fontes de
recursos para o setor e ampliação do gasto público, para que este se torne
condizente com o caráter universal do SUS e acompanhe as exigências
demográficas e epidemiológicas, bem como científicas e tecnológicas, permitindo
a garantia de acesso de qualidade à atenção à saúde.
A XV
Conferência Nacional de Saúde, que se realiza nos primeiros dias de dezembro de
2015, abordará um ponto estratégico para o bem-estar da população e reforçará o
direito assegurado na Constituição Federal: “Saúde Pública de Qualidade para
Cuidar Bem das Pessoas: Direito do Povo Brasileiro”. Desde já, todos os
governantes devem se comprometer com suas deliberações. A agenda da Conferência
reafirma o princípio estruturante de saúde como um direito de cidadania, em
contraposição à sua mercantilização e privatização. E esta é a perspectiva
adotada pela Fiocruz, que dá sentido à sua missão e está presente nos valores
institucionais.
A
conjuntura econômica e o contexto político desfavorável não podem justificar
quaisquer recuos no caminho trilhado com vistas a assegurar a conquista à saúde como direito humano e
fator decisivo para a inclusão social e para o desenvolvimento. Por isso,
neste momento, reafirmamos os princípios que orientam nossa atuação como
instituição estratégica de Estado, na defesa do SUS, na garantia das políticas
de ciência e tecnologia, das políticas de educação pública e das demais
políticas sociais e econômicas que possibilitem os avanços garantidos pela
Constituição Brasileira.
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