7.09.2012

“O Poder dos Quietos”


A autora americana Susan Cain fala sobre as vantagens de ser mais introvertido: os calados também podem se dar bem no mercado de trabalho


Segundo a autora Susan Cain, os introvertidos tendem a ser mais criativos e a se sair melhor como líderes
Foto: Leo Martins
Segundo a autora Susan Cain, os introvertidos tendem a ser mais criativos e a se sair melhor como líderes Leo Martins
RIO — Introspecção e quietude costumam ser características combatidas desde a infância. Muitos chegam a associá-las ao fracasso. Justamente por isso, no mercado de trabalho — e também fora dele —, parece haver um ideal de extroversão, que determina que é preciso ser falante e expansivo para ser bem-sucedido. Os "quietos", muitas vezes, são malvistos. O que não quer dizer que não possam se dar bem.
E muito bem. Como comprovam os exemplos de Barack Obama, Steven Spielberg, Bill Gates e J.K. Rowling, personalidades introvertidas cujas trajetórias mostram que ser mais calado e observador não é, necessariamente, empecilho para ser bom no que faz.
— Existe, sim, uma cultura de que pessoas extrovertidas tendem a se dar melhor em uma empresa, assim como se acredita que recrutadores e headhunters prefiram quem tenha esse perfil. Mas isso tudo é relativo. Ambas as características têm riscos e lados positivos — destaca Pablo Aversa, sócio-fundador da Alliance Coaching. — Os introvertidos têm poder de concentração muito maior, são mais focados em questões complexas e conseguem ter uma capacidade de inovar mais ampla.
Um em cada três é introvertido
É isso que mostra Susan Cain no livro "O poder dos quietos" (Ed. Agir), que aponta que a cada três pessoas, uma é introvertida. A advogada americana decidiu escrever o livro por ter, ela própria, essas características.
— Achava que estaria em desvantagem, porque pensava que, para ser uma boa advogada, a pessoa tinha que ser bold, assertiva e extrovertida. Mas, com o tempo, vi que alguns dos melhores advogados eram muito mais quietos e reflexivos — conta Susan em entrevista por telefone, ao Boa Chance.
A diretora de arte Renata França se encaixa na categoria das pessoas mais fechadas. Mas, em três anos atuando na agência Kindle, pulou de júnior para sênior, demonstrando que competência não se mede pela capacidade de ser mais ou menos sociável.
— Inicialmente, ser calada atrapalha. As pessoas acham que você não gosta delas. Mas depois de um tempo na empresa isso acaba perdendo a importância — diz Renata, que foi "se soltando aos poucos".
Experiência como aliada dos quietos
A experiência costuma ser uma aliada da turma dos quietos. É que, conforme vão passando por mais situações no mundo do trabalho, eles conseguem aprender melhor a transitar entre a introspecção e a extroversão. Foi assim com a gerente de RH da Agência 3, Kátia Resque, que diz ter conseguido forças para enfrentar desafios como fazer apresentações em público.
— Foi um desafio que me impus. A cada oportunidade que surgia, eu dizia que queria fazer. É como dirigir, no início você não tem prática, mas depois vai melhorando — afirma Kátia. — Mas o mais importante é que eu aprendi a reconhecer o meu perfil. Hoje em dia, eu posso fazer isso também, e farei bem. Mas não é algo que eu vá fazer todos os dias. Isso não vai ser natural para mim.
É fundamental, também, distinguir timidez de introversão, uma confusão que ocorre com bastante frequência. Enquanto os tímidos são aqueles que têm dificuldade no convívio social, os introvertidos são mais voltados para si próprios e não se incomodam em passar tempo sozinhos. Introvertidos podem ser tímidos, mas não necessariamente o são.
— Muitos presidentes de empresa são introvertidos e isso não é um problema. Quando têm que tomar decisões sérias, não precisam de ninguém para compartilhar — acredita a diretora de Negócios da LHH|DBM, Irene Azevedo.
O exemplo ajuda a botar por terra a crença, também comum, de que a boa liderança está associada ao espírito expansivo e comunicativo. Isso não é uma regra.
— Liderança não é só questão de carisma — destaca Kátia Resque.
O fato é que, segundo os especialistas, aos poucos as empresas começam a enxergar que a "ditadura da extroversão" não é a ideal, e começam a buscar profissionais com os mais variados perfis.
— Afinal, não existe um tipo certo ou errado, mas características que se adaptam mais ou menos a determinadas posições — defende Irene Azevedo, para quem essa cultura é mais forte em países latinos como o Brasil. — Pois temos, por natureza, necessidade de mostrar o tempo todo que somos melhores, trabalhamos de 12 a 14 horas por dias, além de sermos mais falantes.
Pressão para que o calado se exponha
Diego Rodrigues, diretor executivo da Rio Dez, empresa que presta consultoria em saúde e qualidade de vida, se define como um ex-quieto e ex-tímido. E reconhece que a sociedade exerce uma forte pressão para que quem é mais calado fale e se exponha mais.
— Existe uma cobrança para que todas sejam iguais e façam tudo com a mesma desenvoltura. Mas não é bem assim que funciona — conta ele, que admite ter perdido algumas oportunidades no início de sua carreira em função da timidez. — Minha maior dificuldade era abordar as pessoas e deixei escapar boas chances por não conseguir tomar a iniciativa.
Aos poucos, por conta das exigências do trabalho, foi vendo não só que precisava, mas que tinha capacidade de se tornar mais descontraído, o que acabou acontecendo.
— Mas continuo sendo observador, e costumo utilizar esse meu lado quieto a meu favor, ponderando antes de tomar qualquer atitude — diz Rodrigues.
Diferenças devem ser respeitadas
Mas e quando um profissional quieto disputa uma vaga com um extrovertido? Ao contrário do que se imagina, não é óbvio que a escolha será pelo mais comunicativo.
— No final das contas, tudo depende de como as pessoas lidam com suas limitações e de como conseguem transitar dentro de uma corporação. É importante entender as vantagens e desvantagens de cada lado e saber que os dois perfis podem ser extremamente colaborativos em suas devidas áreas — opina Pablo Aversa.
— O ideal realmente é ter pessoas que possam contribuir de maneiras diferentes. Mas é claro que, às vezes, o gestor quer ter todo mundo igual pra dar menos trabalho — critica Kátia Resque.
Para Kátia, o calado leva vantagem em relação ao extrovertido porque fala "menos bobagem". Foi o que a gerente de RH pôde observar em processos seletivos e em dinâmicas de grupos:
— Muitas vezes, quem fala muito, corre o risco de falar demais. Já os introvertidos costumam falar pouco, mas, no momento necessário, fazem colocações interessantes.
Não significa dizer, porém, que é ruim ser extrovertido. Como a própria autora de "O poder dos quietos" afirma, o importante é fazer com que as diferenças entre os dois tipos de personalidade sejam mais compreendidas e respeitadas.
— As empresas começam a notar que é preciso ir a fundo numa entrevista — conclui Irene Azevedo.
O Globo

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