A sigla HDL,
popularmente conhecida como “colesterol bom”, tornou-se familiar até
para quem não é da área da saúde depois que diversos estudos
demonstraram a importância dessa lipoproteína na prevenção da
aterosclerose e das doenças cardiovasculares.
Acreditava-se
que o efeito protetor da HDL fosse devido principalmente à sua
capacidade de roubar o colesterol presente na parede das artérias e
carregá-lo de volta para o fígado, para ser reaproveitado ou excretado.
Mas uma
pesquisa recém-concluída na Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (FMUSP) revela que as concentrações dessa lipoproteína no sangue
influenciam também a síntese e a absorção do colesterol no organismo,
além de estarem associadas à ação da insulina no metabolismo da glicose.
Os dados foram publicados na revista Clinica Chimica Acta .
“Compreender
melhor o papel da HDL no metabolismo do colesterol é fundamental, pois o
benefício causado pelo aumento dessa lipoproteína no sangue supera o
malefício causado pela elevação da LDL (o colesterol ruim)”, afirmou
Eder C. R. Quintão, coordenador da pesquisa financiada pela FAPESP na
modalidade Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático.
Segundo
Quintão, os medicamentos existentes para combater o colesterol atuam
reduzindo a concentração de LDL (sigla em inglês para lipoproteína de
baixa densidade) e de VLDL (sigla em inglês para lipoproteína de muito
baixa densidade), que também têm a missão de levar colesterol aos
tecidos, mas ao atravessarem a parede da artéria ficam presas e
contribuem para a formação da placa aterosclerótica.
“O ideal seria
desenvolver drogas capazes de aumentar a HDL no sangue. A dieta e o
exercício têm pouco impacto nesse processo. A ingestão habitual de
bebida alcoólica, embora eleve a HDL, provoca aumento de mortalidade por
causas não cardiovasculares”, disse o pesquisador.
Para entender
melhor como a HDL atua no organismo, a equipe coordenada por Quintão
selecionou entre mais de 800 voluntários saudáveis recrutados na cidade
de Campinas um grupo de 66 pessoas. Metade dos voluntários tinha
concentrações plasmáticas dessa lipoproteína abaixo de 40 miligramas por
decilitro (mg/dl) – teor considerado baixo. A outra metade tinha
concentrações de HDL acima de 60 mg/dl – teor considerado alto.
Os
pesquisadores tiveram o cuidado de manter uma proporção equilibrada de
homens e mulheres nos dois grupos, bem como de selecionar voluntários
com a mesma faixa etária e com índice de massa corporal (IMC) dentro da
faixa considerada desejável. Foram excluídos portadores de diabetes e
outras doenças, fumantes, usuários de álcool e de medicamentos que
influenciam o metabolismo de lipoproteínas, entre eles a pílula
anticoncepcional.
“Criamos um
protocolo que difere de toda a literatura científica até então
existente. Os demais estudos tinham fatores de interferência
indesejáveis, uma vez que incluíam voluntários com comorbidades como
obesidade ou diabete”, explicou Quintão.
Também foi
feita uma análise detalhada do hábito alimentar dos participantes.
“Quanto mais verduras o indivíduo ingere, maiores são os valores de
fitoesterois no sangue – o equivalente ao colesterol presente nos
vegetais. Como esse foi um dos marcadores analisados no estudo, os
participantes tinham de ter uma alimentação parecida para não enviesar
os resultados”, disse.
Os
pesquisadores da FMUSP então colheram e analisaram amostras de sangue
dos voluntários em busca de esteroides que servem de marcadores da
síntese e da absorção intestinal de colesterol.
Surpresas
A análise dos
resultados mostrou que os voluntários do grupo com HDL baixo sintetizam
mais colesterol, mas absorvem menos essa substância pelo intestino. Já
os participantes com HDL alto sintetizam menos colesterol, mas absorvem
mais pelo intestino.
“Esse dado nos
surpreendeu e nos pareceu incongruente”, afirmou Quintão. Isso porque os
estudos epidemiológicos mostram que pessoas que absorvem mais
colesterol pelo intestino têm mais risco de sofrer infarto.
“É estranho que
essas pessoas que absorvem mais colesterol sejam justamente aquelas com
HDL alto”, disse. Para solucionar o novo enigma, o grupo de Quintão
pretende seguir a linha de investigação, dando início a um novo projeto
de pesquisa.
Também
surpreendeu os pesquisadores o fato de os voluntários com valores baixos
de HDL apresentarem menor sensibilidade à ação da insulina quando
comparados aos voluntários com HDL alto. Isso foi avaliado ao se
relacionar a concentração de insulina com a de glicose no sangue em
pessoas em jejum.
“Identificamos
esse processo de resistência à insulina em um estágio bem precoce. São
pessoas saudáveis, sem sintomas e com IMC normal. Não sabemos se daqui a
dez anos haverá maior frequência de diabetes nesse grupo. É uma
possibilidade de estudo de longo prazo que se abre”, disse Quintão.
Dados da
literatura científica reforçam a hipótese de que quanto mais elevado o
HDL no sangue melhor é o aproveitamento da insulina produzida no
pâncreas no metabolismo da glicose em tecidos periféricos.
Em paralelo
Em outro braço
da pesquisa, os pesquisadores investigaram várias proteínas e enzimas
que regulam a produção de HDL no organismo, entre elas as lipoproteínas
lipases.
“Essas enzimas
quebram grandes partículas, como o VLDL produzido no fígado e os
quilomícrons originados da gordura ingerida, em partículas menores como o
LDL e o HDL”, explicou Quintão.
A pesquisa
feita na FMUSP mostrou que pessoas com baixo HDL têm quantidade menor de
lipoproteína lipase periférica no sangue. “Isso sugere que os
organismos desses indivíduos estão transformando uma parte menor do VLDL
produzido e dos quilomícrons em HDL”, disse.
Já quando se
mediu a enzima lipoproteína lipase produzida no fígado, a relação foi
inversa. Os voluntários com HDL baixo e maior resistência à insulina
apresentaram atividades de lipoproteína lipase hepática mais altas.
Em outro artigo
publicado na Clinica Chimica Acta, os pesquisadores analisaram os tipos
de LDL presentes no plasma de 107 voluntários.
“Observamos que
a presença de anticorpos contra LDL oxidadas, que são as partículas
mais aterogênicas, está relacionada à intensidade da aterosclerose de
forma mais significante do que a própria concentração de LDL oxidada
encontrada no plasma”, disse Quintão.
Até o momento, o
Projeto Temático deu origem a outros três artigos publicados, além de
quatro projetos de iniciação científica, um mestrado, dois doutorados,
um pós-doutorado e sete projetos de treinamento técnico – todos com
Bolsa da FAPESP.
O artigo Oxidized low-density lipoproteins and their antibodies: Relationships with the reverse cholesterol transport and carotid atherosclerosis in adults without cardiovascular diseases pode ser lido em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0009898112002975"_blank .
Autora: Karina Toledo
Fonte: Fapesp
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