Há exatamente um ano, uma multidão descontrolada tomou conta da High Street de Brixton, que rebentou numa espiral impensável de violência e pilhagens, surpreendente para os londrinos e para o mundo. Ontem, as avenidas "elétricas" do bairro (umas das primeiras na capital a receber o abastecimento de eletricidade) explodiram novamente, com milhares de pessoas a gritarem e contorcerem-se em cenas de orgulho, felicidade e celebração, pelo 50º aniversário da independência da Jamaica e pela sensacional corrida do seu mais famoso atleta, Usain Bolt, imponente e magnífico na revalidação do seu título de campeão olímpico.
Para quem assistiu foi uma loucura, e quando digo loucura é no bom sentido, naturalmente. Envergando os seus kits verde-amarelo-e-preto, ou outras combinações ainda mais imaginativas e extravagantes, acenando bandeiras, o pessoal de Brixton festejou o seu legado histórico pensando já na ação prestes a decorrer no estádio olímpico: a foto de Usain Bolt estava em todo o lado, cartazes, camisetas e nos ecrãs de televisão, num crescendo de promoção e antecipação que desafiava a resistência dos mais ansiosos.
Para acalmar os nervos e manter o pessoal animado durante as longas horas de espera antes da performance do herói nacional, o festival Brixton Splash oferecia deliciosas comidas caribenhas e africanas e concertos num palco principal e variadas outras intervenções musicais. Enquanto nas ruas se dançava ao som do dancehall jamaicano, reggae e reggaeton, uns tantos britânicos recolhiam aos pubs para assistir à histórica vitória do tenista escocês Andy Murray, que bateu o super campeão suíço Roger Federer para conquistar a medalha de ouro do torneio olímpico de tênis. Animados com mais uma medalha, os festivaleiros subiram a parada na rua, com mais música, mais baile, mais álcool e erva - os braços levantados para o céu, dois dedos separados num V que garantiam ser para a paz e depois unidos para simbolizar a amizade e união dos povos, os rastas a evocar "Jah!" e os outros a aplaudir, aquecendo para mais tarde.
A loucura no estádio olímpico de Londres também foi completa, com a antecipada final dos 100 metros, publicitada como o maior evento da olimpíada, a revelar-se tão espetacular como prometido. Não houve novo recorde do mundo, mas foi a corrida mais rápida da história, com apenas um dos atletas a ultrapassar os 10 segundos no cronômetro, o jamaicano Asafa Powell, e apenas por lesão - entre os sete finalistas, a média foram uns impressionantes 9,824 segundos.
O "Big Man" Usain Bolt, que comparecia fragilizado pelas especulações de perda de forma e desmotivação, responderia na pista a todas as dúvidas: será bluff, será capaz? Ao lado, o seu compatriota Yohan Blake, a "Besta" como gosta de ser chamado, chegara à final com melhor tempo e sem nada a perder. A pressão estava toda do lado de Bolt, o gigante mais veloz da história, mas como sempre, nada na sua postura denunciava a solenidade do momento.
O relâmpago humano nem arrancou bem, mas quando "ligou o grande motor", nas palavras do emocionado comentador jamaicano, deixou para trás a concorrência e avançou absolutamente imparável para o recorde olímpico de 9,63s, o segundo tempo mais rápido de sempre, depois dos 9,58s que ele próprio conseguiu nos Mundiais de 2009.
Ao contrário dos seus rivais -- o norte-americano Justin Gatlin, agressividade pura; o companheiro de treino Yohan Blake, que é todo tensão e determinação - Usain Bolt corre como se fosse fácil. Apesar da sua figura imponente, é como se ele fosse capaz de ser transportado através do espaço pelo vento, com graça e elegância e, ao mesmo tempo, uma ingenuidade e infantilidade desconcertantes.
Enquanto o estádio se rendia numa ovação interminável, nas poderosas colunas do The Electric em Brixton, ecoava a voz de Bob Marley, "One Love", cantava - "Give thanks and praise to the Lord and I will feel all right. Let's get together and feel all right". A noite em Londres era de Usain Bolt, e para todos os jamaicanos, o dia fora de paz e amor.
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