ENTREVISTA COM
FARMACÊUTICO ANSELMO GOMES DE OLIVEIRA
Pela luz dos olhos teus Pesquisa com medicamento, coordenada por farmacêutico brasileiro, traz
esperança a portadores da Degeneração Macular Relacionada com a Idade
(DMRI), principal responsável pela perda de visão em pessoas com mais de 65 anos.
Pelo jornalista Aloísio Brandão, Editor desta revista (aloisio@cff.org.br).
Pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e da Unifesp (Universidade Federal de
São Paulo), sob a liderança do farmacêutico Anselmo Gomes de Oliveira, estão estudando o uso off-label (utilização de um medicamento para o tratamento de outra doença para a qual ele não foi desenvolvido) da droga Bevacizumabe na neovascularização em Degeneração Macular Relacionada com a Idade
(DMRI). A doença é a principal responsável pela perda de visão em pessoas com mais de 65 anos. A droga é originalmente usada no tratamento do câncer do cólon do reto.
O medicamento então indicado para o tratamento da DMRI traz desvantagens, como a de oferecer
um tempo de meia vida do produto, na cavidade vítrea, muito curto, o que requer a
aplicação de muitas injeções para manter o seu efeito terapêutico.
O Bevacizumabe é uma alternativa e uma esperança para a cura da degeneração
macular. Mas há um problema: como é extremamente
solúvel em ambiente líquido, ele é eliminado rapidamente
do interior do humor vítreo, por meio da abundante vascularização da retina, não
permitindo a sua satisfatória interação com os tecidos locais. De sorte que, se for usado na forma original, seriam necessárias administrações
sucessivas da droga. Administrações sucessivas de Bevacizumabe?
Nem pensar. Uma ampola (dose única) do produto
custa cerca de R$ 1.600,00. Como um tratamento, a
depender do estado do paciente, pode requerer três
doses, o seu valor atingiria R$ 4.800,00. Caro demais,
o que é outra desvantagem.
São estes os nós que a pesquisa está desatando, por meio da utilização da tecnologia de encapsulamento do fármaco em estruturas biocompatíveis e de tamanho nanométrico. Graças à encapsulação, os
seus componentes interagem com os tecidos intraoculares, levando ao contato intenso da droga com os
locais específicos.
Um grupo de pesquisadores da Unesp e Unifesp liderado pelo senhor está desenvolvendo estudos sobre o antitumoral Bevacizumabe, anticorpo monoclonal utilizado no tratamento do câncer
de cólon, para uso no tratamento de doenças oculares, como a degeneração macular e neovascularização ou vascularização periférica de coroide e edema de mácula originárias do diabetes e envelhecimento, entre outras causas. O senhor pode falar sobre o uso do bevacizumabe em oftalmologia?
Pode explicar o seu mecanismo de ação nas doenças oculares?
Farmacêutico Anselmo Gomes de Oliveira - O Bevacizumabe foi primariamente desenvolvido para o tratamento de uma variedade de tumores só- lidos e, em 2004, foi aprovado pelo FDA, o órgão do Governo norte-americano de controle dos alimentos, medicamentos e outros produtos para a saúde,
para o tratamento de câncer colon-retal, em combinação com a quimioterapia padrão. A droga
é um anticorpo monoclonal humanizado, que inibe um fator de crescimento endotelial (VEGF), o
qual é um sinal químico que estimula a angiogênese de várias doenças, especialmente do câncer.
No campo da oftalmologia, o VEGF foi descrito como o principal estímulo angiogênico que
ocorre para a neovascularização na Degeneração Macular Relacionada com a Idade (DMRI). Vários
estudos mostraram que a inibição do VEGF e, consequentemente, da angiogênese associada com a diminuição da permeabilidade vascular, viabilizaram uma forma efetiva para o tratamento
da DMRI exsudativa.
Por isso, o Bevacizumabe, também, foi incluído no tratamento de neovasculariza-
ções de coroide, secundárias à DMRI, com resultados favoráveis, mesmo em pacientes com respostas inadequadas a outros tratamentos.
O Bevacizumabe tem demonstrado ser seguro e efetivo em médio prazo. As evidências
de sua eficácia e segurança estão aumentando com os inúmeros estudos na área, mas ainda não
podemos afirmar que a qualidade desses estudos é satisfatória,
O encapsulamento dá-se em lipossomas deformáveis.
Eles têm a superfície modificada, com vistas a liberar o Bevacizumabe e promover a
melhoria da bioadesão dos lipossomas aos tecidos intraoculares. A vantagem
dessa tecnologia é o expressivo aumento da eficiência terapêutica e ausência de toxicidade.
Outra vantagem: a tecnologia de encapsulamento do Bevacizumabe em lipossomas deformáveis com superfície modificada permite a diminuição da dose para 0,5 mg. Assim, cada frasco
contendo 50 mg rende cerca de 90 doses, o que levaria à redução do custo de cada dose para apenas
R$ 20,00. Ganham principalmente os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), a quem se destina o
trabalho liderado pelo professor Anselmo Gomes.
A pesquisa com o Bevacizumabe é realizada no Laboratório de Tecnologia Farmacêutica da
Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp, e tem na nanotecnologia a sua chave principal. A nanotecnologia é uma medida invisível a olho nu equivalente a um trilhão de vezes menor que o metro.
Um nanômetro (nm) corresponde a dez elevados a menos nove. Difícil de ser imaginado, como também
de ser escrito: 0,0000000001m.
Os tamanhos passaram a ser medidos em nanômetro, a partir dos experimentos com o espalhamento da luz no laser. Nos anos 80, a ciência farmacêutica começou a aplicar a nanotecnologia,
iniciando a uma revolução na administração de medicamentos.
O Coordenador da pesquisa, farmacêutico Anselmo Gomes de Oliveira, é professor doutor, docente de Farmacotécnica e de Tecnologia Farmacêutica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp,
campus de Araraquara (SP), onde também é o Vice-Coordenador do Programa de Pós-graduação em
Ciências Farmacêuticas. principalmente, se comparados com estudos mais amplos, como os multicêntricos, necessários para a aprovação de novos produtos.
O antitumoral que os senhores estão pesquisando é extremamente solúvel em água. Que tecnologia farmacêutica estão utilizando para garantir a efetividade do produto no ambiente ocular,
que é tão aquoso e faz com que ele saia, facilmente? Como estão
resolvendo o problema da administração do produto, visando à sua efetividade?
Farmacêutico Anselmo Gomes de Oliveira - O principal nproblema na utilização intraocular de fármacos muito solúveis, como o Bevacizumabe, é a rápida eliminação no interior do humor
vítreo, através da eficiente vascularização retiniana. Isso exige administrações sucessivas e não permite que a droga tenha uma permanência suficiente, no local, que possibilite uma interação intensa do fármaco com os tecidos locais, para que haja uma resposta rápida em relação ao estímulo
da doença.
No caso do Bevacizumabe, na formulação convencional, o tempo de meia vida curto (três a
cinco dias) tem exigido tratamento demorado, em torno de seis meses, requerendo várias inje-
ções intraoculares para manter o efeito terapêutico.
A tecnologia que estamos utilizando envolve a encapsula-
ção do fármaco em estruturas biocompatíveis de tamanho manométrico cujos componentes
interagem favoravelmente com os tecidos intraoculares, proporcionando um contato mais
intenso da droga com os locais específicos para que a eficiência terapêutica seja intensificada e o tempo de residência da droga, no local, seja aumentado.
Trata-se de lipossomas deformáveis, com superfície modificada por copolímeros de bloco
termossensíveis, com a função de controlar a velocidade de liberação do Bevacizumabe, ao tempo
em que promovem uma grande melhoria da bioadesão dos lipossomas nos tecidos intraoculares.
O resultado desse processo é um grande aumento da eficiência terapêutica com ausência de toxicidade para os tecidos intraoculares e células fotossensíveis da retina.
Além da questão da administração do medicamento, a sua pesquisa, também, busca solucionar outro
problema: a intensidade e a duração do efeito antiangiogênico da droga. Fale sobre isto.
Farmacêutico Anselmo Gomes de Oliveira - A principal desvantagem do uso do medicamento convencional na terapia de doenças intraoculares é que o tempo de meia vida, na cavidade vítrea, infelizmente, é muito pequeno para o uso clí- nico em doenças como as que destacamos. Então, o tratamento requer muitas injeções para manter o efeito terapêutico. Como, no caso dos lipossomas deformáveis, com superfície modificada, o Bevacizumabe está dissolvido na fase aquosa inserida no centro da estrutura (ver figura) e o copolímero de bloco proporciona um aumento da viscosidade local na superfície do lipossoma, então, a saída da droga pode ser controlada, proporcionando
concentrações terapêuticas por tempo prolongado.
Nós demonstramos, através do estudo da farmacocinética ocular - em fase pré-clínica - do
Bevacizumabe, na formulação dos lipossomas, e verificamos um
(1) Estrutura dos lipossomas deformais com superfície modificada;
(2) Injeção intravítreal de Anti-VEGF;
(3) Detalhes da injeção intravitreal e de vazamento de sangue
na Degeneração macular Relacionada com a Idade (DMRI).
“O principal problema na utilização intraocular de fármacos muito
solúveis, como o Bevacizumabe, é a rápida eliminação no interior do humor vítreo,
através da eficiente vascularização retiniana” Farmacêutico Anselmo Gomes de Oliveira, Coordenador da pesquisa). prolongamento de ação por um fator de cerca de cinco vezes em
relação ao fármaco da formulação convencional. Outro aspecto positivo foi que as determinações nda atividade antiangiogênica do Bevacizumabe dos lipossomas, também, mostrou efeito maior
que o dobro do efeito da formulação convencional.
Um frasco (ampola) de 4,0 ml do medicamento, contendo 50 mg de Bevacizumabe, é caro (R$ 1.600,00
por dose) e inacessível à maioria da população, e não está disponível no SUS (Sistema Único de
Saúde). Os protocolos determinam que a dose de injetáveis intraoculares não pode ser superior
a 0,2 ml, para evitar o aumento da pressão intraocular. Esta é uma outra questão que a sua pesquisa
está resolvendo. Como? E quanto custará a dose desenvolvida pelos senhores?
Farmacêutico Anselmo Gomes de Oliveira - O principal
problema relacionado com esse fato é que, como o medicamento
é injetável e seu uso na oftalmologia é off-label, então, o medicamento original é produzido como
dose única para administração intravenosa. Ele não pode ser fracionado, obrigando o médico a
usar apenas 0,1 mL do frasco de 4 mL (1,25mg por paciente e descartar o restante).
Isso determina um custo
por dose de cerca de R$ 1.600,00.
Como, dependendo do estado do
paciente, são necessárias pelo
menos três doses em intervalos
de quatro a seis semanas, então,
o tratamento completo custaria
R$ 4.800,00.
Medicamentos semelhantes, como o Lucentis (0.5mg por
dose), recomendada uma injeção
mensal, durante três meses, ao
custo de R$ 11.700,00 o tratamento (R$ 3.900,00 por injeção) e
o Eylea (2 mg por dose), também,
recomendadas três injeções, em
intervalos de quatro semanas,
ao custo de R$ 11.100,00 o tratamento (R$ 3.700,00 por injeção)
são outras opções de tratamento.
No caso do Bevacizumabe,
em lipossomas deformáveis com
superfície modificada, a sua dose
administrada é menor (0,5 mg)
do que a do medicamento convencional (1,25mg). Cada frasco
contendo 50 mg rende cerca de
90 doses, o que reduziria o custo
para cerca R$ 20,00 por dose em
frascos com volume reduzido.
Se considerarmos o investimento da agregação de tecnologia para o sistema de liberação
controlada, o custo por dose subiria para aproximadamente R$
45,00. Portanto, para cerca de R$
135,00 o tratamento completo.
Isto, sem analisar os benefícios
da farmacocinética ocular favorá-
vel, do aumento da atividade antiangiogênica e da rápida resposta clínica em relação aos outros
tratamentos.
Há algum outro medicamento que
tem efeito semelhante ao Bevacizumabe e que os senhores estejam pesquisando, com os mesmos objetivos?
Farmacêutico Anselmo Gomes de Oliveira - Não. Com esse
objetivo, só estamos pesquisando
o Bevacizumabe, porque ele é o principal fármaco utilizado
“A tecnologia que estamos utilizando envolve a encapsulação do fármaco em estruturas biocompatíveis,
de tamanho manométrico, cujos componentes interagem favoravelmente com os tecidos intraoculares”.off-label no tratamento da DMRI.
No passado, houve algum interesse em relação ao antitumoral
Metotrexato, mas os estudos não prosperaram. A centralização dos estudos pelos pesquisadores recaiu no Bevacizumabe e persiste na atualidade.-
Que benefícios a sua pesquisa trará para os pacientes portadores
dessas doenças nos olhos?
Os benefícios da pesquisa são bem evidentes.
Como o Bevacizumabe contido nos lipossomas apresenta efeito terapêutico mais intenso, os
resultados clínicos obtidos com 0.5 mg da droga são mais rápidos que os conseguidos com o
1,25 mg do medicamento convencional. Na segunda semana, depois
de uma única injeção de 0,5 mg de Bevacizumabe, na forma de
lipossomas, tivemos uma resposta terapêutica com a mesma intensidade daquela obtida com
1,25mg de Bevacizumabe, na fórmula convencional, depois de 60 dias e três aplicações.
Embora o número de pacientes ainda seja apenas uma amostragem, esse efeito é altamente favorável, porque todos os pacientes que receberam o medicamento tinham a doença em alto grau de complexidade. Ou seja, com baixa acuidade visual e de difícil reversão. Temos ótimas perspectivas para a sequência
dos estudos.
No momento, estamos preparando os protocolos clínicos para que o medicamento entre
em fase clínica de estudos. Aí, teremos condições de conhecer mais profundamente o perfil
desses efeitos e os significados clínicos exatos da aplicação desse sistema de administração no tratamento dessas doenças oculares.
Já fizemos o depósito de pedido de patente para essas composições nanoestruturadas com
superfície modificada contendo o Bevacizumabe para o tratamento de doenças oculares (INPI
018110025426). Mas, em resumo, esperamos especialmente poder
proporcionar para qualquer cidadão brasileiro um tratamento eficiente, moderno e diferenciado
para as doenças que mencionamos cujo medicamento não está disponível, principalmente, para
pacientes menos favorecidos.
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