2.18.2013

Se livrar de vício, sem crise de abstinência

Desintoxicação rápida promete curar dependentes de opiáceos em 36 horas

  • Tratamento desenvolvido por médico brasileiro tira o vício do organismo sem crise de abstinência
Daniela Kresch

CH EXCLUSIVO RIO DE JANEIRO (RJ) 07/02/2013 O médico brasileiro que atual em Israel André Waismann. FOTO / DIVULGAÇÃO<252>

O médico brasileiro que atual em Israel. André Waismann. 
TEL AVIV- Quando o médico carioca André Waismann, de 54 anos, chegou em Israel, em 1982, o país lutava contra o Líbano. Convocado pelo Exército, ele viu soldados feridos que, depois de tratados, ficaram viciados em remédios contra dor. Dez anos depois, ele desenvolveu um tratamento de desintoxicação rápida, à base de naltrexona, que promete curar o vício em opiáceos em 36 horas e suprimir ânsias.
Por que a desintoxicação de opiáceos é tão difícil?
Por muitos anos o vício em drogas foi atribuído a questões psicossociais, mas a ânsia pela droga está no cérebro. O corpo humano produz endorfina, que regula uma série de funções no corpo e faz com que a gente se sinta bem, é o nosso high natural. Produzimos microgramas por dia e é o suficiente. Mas quando um médico prescreve miligramas de morfina para um doente com dor ou quando alguém se vicia em gramas de heroína diárias, acontece um processo de supressão da produção natural pelo organismo e a dependência é criada, a pessoa fica dependendo de opiáceos (substâncias derivadas do ópio, como heroína, metadona e analgésicos à base de codeína, morfina e tebaína) externos.
E não adianta ter força de vontade para parar?
Se uma pessoa tiver uma força de vontade extrema, poderá vencer a abstinência. Mas no tratamento de heroína, por exemplo, a crise pode durar duas semanas. No caso da metadona, uma substância sintética, dura quase um mês. Muita gente nem busca ajuda porque o tratamento é difícil, doloroso, há vômitos, diarreia. Muitos dos que tentam se desintoxicar não conseguem passar pela crise abstinência. Ou, quando passam, acabam voltando ao vício.
Por quê?
Nosso cérebro tem receptores específicos de opiáceos de acordo com a produção de endorfina. Quando a pessoa está produzindo, a quantidade é uma. Mas se passa a usar miligramas ou até gramas de opiáceos, o cérebro produz novos receptores, que não somem nunca mais, mesmo depois da desintoxicação. São esses receptores a mais que causam a ânsia, essa fome mental de usar a droga, que nada mais é do que uma manifestação psicológica de um problema médico.
Qual é a diferença do tratamento que o senhor desenvolveu?
Meu tratamento é baseado na raiz médica da dependência, não na psicológica. O objetivo é restabelecer a produção de endorfina a bons níveis em menos de dois dias e não em duas semanas. Além disso, bloqueio os receptores extras que foram criados no cérebro com os meses ou anos de dependência. Assim, eu restabeleço uma relação normal entre receptores e endorfina e consigo mudar o status psicológico do doente. É efetivo, humano, rápido e acessível.
Quanto tempo o paciente tem que ficar no hospital?
A hospitalização dura 36 horas. Durante este período o paciente fica sob anestesia geral por cerca de quatro horas. É neste momento que eu ministro a naltrexona, que antagoniza os opiáceos, limpa o corpo e bloqueia os receptores que não são mais necessários. O paciente não sente a crise de abstinência. Quando acorda, já está limpo.
Não é muito invasivo e drástico?
Já passei por diversas ondas de ataques, em geral assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras. A base do trabalho deles não é a medicina, então eles não sabem exatamente o que estão criticando. No início, enfrentei discussões acaloradas em vários lugares do mundo. Mas hoje chefio um departamento importante de um hospital público de Israel (o Centro de ANR do Hospital Barzilai, em Ashkelon, no Sul do país, que já tratou mais de 18 mil viciados do mundo todo, inclusive celebridades, políticos e, segundo dizem, até um rei árabe), não tenho mais nada a provar a ninguém.
Nos Estados Unidos sua técnica é considerada polêmica e perigosa...
Meu trabalho foi muito divulgado porque tratei de muita gente famosa. Abri clínicas e comecei a ensinar o meu método. Mas aí aconteceu um problema: alguns médicos começaram a me imitar, usando técnicas que eu já havia abandonado. Hoje, trabalho só em Israel e ensino em clínicas europeias.
Qual o percentual de sucesso do tratamento?
Todos os doentes internados recebem alta sem a dependência. Ficam limpos e sem ânsia. Um ou dois anos depois, entre 75% e 80% continuam sem nenhuma dependência de opiáceos. É um percentual alto.
O senhor pretende abrir uma clínica no Brasil?
Não, mas tenho muito interesse em colaborar com instituições acadêmicas no Brasil, ensinar o tratamento para médicos brasileiros.
O número de dependentes de opiáceos no Brasil aumentou?
Sim, e muito na última década. Principalmente entre pessoas comuns com dor crônica. Hoje, 65% dos meus pacientes são dependentes de analgésicos.
Por quê?
Há pouco mais de 10 anos, a dor foi reconhecida como doença. O resultado dessa classificação foi a abertura de clínicas e enfermarias especiais. Nesses lugares, os doentes com dor crônica recebem analgésicos à base de opiáceos e são realmente beneficiados. Ficam sem dor, melhoram psicologicamente, mas ficam viciados nos remédios e precisam de doses cada vez maiores.

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