A temível frota K
Poucas vezes foi possível comprovar uma relação tão direta entre o desvio de recursos públicos e os prejuízos causados às pessoas
Fabíola Perez (fabiola.perez@istoe.com.br)
O Centro de Controle
Operacional do Metrô de São Paulo registrou uma falha sistema de
fechamento de portas de um trem que saía da estação Bresser-Mooca e
tinha como destino a estação Corinthians-Itaquera, ambas integrantes da
Linha-3 Vermelha. O problema impediu que o veículo seguisse viagem com
as portas fechadas, colocando em risco a segurança dos passageiros. No
mesmo dia – e no mesmo trajeto – houve um defeito no sistema de tração e
o trem passou a operar no modo manual, em que o limite de velocidade
permitido é de 30 quilômetros por hora. As duas falhas fizeram com que
na estação Tatuapé o trem fosse evacuado. A paralisação, que ocorreu por
volta das 18 horas, durou 30 minutos, impediu a passagem de outras
composições e gerou atrasos na rede inteira. O trem que apresentou
problema é conhecido como K-07, o mesmo que descarrilou em agosto do ano
passado. “O Metrô quer acobertar essas situações, mas o K-07 é o único
trem que opera com um supervisor de maquinista”, diz um funcionário do
Metrô paulista que não quis se identificar. “Isso é um absurdo. É como
se eles reconhecessem os perigos que o K-07 oferece às pessoas.”
O K-07 é um dos dez trens que integram a
chamada frota K, que está no centro do caso de corrupção na área de
transportes sobre trilhos paulista nas gestões de José Serra e Geraldo
Alckmin. Como ISTOÉ revelou há dois anos, o Ministério Público investiga
irregularidades nas reformas das composições da frota K. Ao contrário
do argumento do Metrô de que os reparos seriam vantajosos por razões
econômicas, constatou-se que os veículos foram renovados a preços mais
altos do que o de um trem novo em folha. A modernização de 98 trens –
incluindo os da frota K – das Linhas Azul e Vermelha foi orçada em R$
1,6 bilhão. A conta final, porém, chegou a R$ 2,5 bilhões, o que
representa um rombo de R$ 857 milhões aos cofres públicos. De acordo com
a apuração do Ministério Público de São Paulo, dos 98 trens que
precisavam ser reformados, somente 46 foram entregues. Hoje, restam 52
composições sem reforma, mas que permanecem em circulação.
As falhas da frota K são o retrato pronto e
acabado de como a corrupção é nefasta. Poucas vezes foi possível
comprovar uma relação tão direta entre a malversação dos recursos
públicos e os prejuízos causados às pessoas. Agora, dois dossiês obtidos
com exclusividade por ISTOÉ junto ao Sindicato dos Metroviários revelam
que, além de colocar em risco a vida de operadores e usuários, o lote
de trens reformados pelo consórcio liderado pela Alston e investigado
pelo Ministério Público causa um prejuízo anual de R$ 168 milhões ao
governo de São Paulo. De acordo com o Sindicato dos Metroviários, os
trens da temível frota K são obrigados a parar para fazer manutenção com
frequência maior do que outras linhas, graças às recorrentes falhas.
Isso gera danos aos usuários e perdas ao Erário. O último dossiê
produzido pelo Sindicato dos Metroviários, entre outubro e novembro do
ano passado, registrou 696 problemas somente nesse período em sete trens
que haviam sido reformados. Desses, mais de 300 falhas ocorreram no
trem K-07.
O caso mais grave foi a pane que paralisou
os trens da Linha-3 Vermelha no dia 4 de fevereiro. De acordo com um
relatório produzido pela Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
(Cipa), foram levantadas dez anormalidades técnicas nas composições, o
que contraria a afirmação do secretário de Transportes Metropolitanos de
São Paulo, Jurandir Fernandes, de que o tumulto teria sido causado por
“grupos organizados” (ver quadro). “Os seguranças do Metrô relataram na
reunião extraordinária que não viram ninguém com o rosto coberto ou
pessoas envolvidas em atos de vandalismo que pudessem caracterizar
grupos organizados”, disse à ISTOÉ um condutor da Linha Vermelha. Os
perigos são imensos diante da quantidade de usuários da Linha 3 do
Metrô. São aproximadamente 629 mil passageiros por dia. Para atender à
forte demanda, os trens são colocados em circulação mesmo apresentando
falhas graves. “Provar a eficiência dos trens se torna uma prioridade em
detrimento da segurança das pessoas”, diz um funcionário do Metrô. O
mesmo operador diz que os maquinistas foram impedidos de ter acesso aos
softwares que registram as falhas técnicas. “É inadmissível uma
sequência de falhas como as que foram vistas em um metrô moderno como o
de São Paulo, que transporta milhões de usuários”, afirma Cláudio Weber
Abramo, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil.
Procurado por ISTOÉ, o Metrô informou, por
meio de sua assessoria de imprensa, que “todos os sistemas de metrô do
mundo estão sujeitos a falhas e elas são proporcionais ao número de
viagens realizadas, à quilometragem percorrida e à quantidade de
passageiros”. A assessoria informou ainda que “os trens da frota K
passam pelo mesmo processo de manutenção preventiva das demais frotas
novas ou modernizadas. Essas frotas, que recentemente iniciaram sua
operação, necessitam de um período de ajustes até que comecem a
apresentar seu melhor desempenho”. O problema é que parte da frota K
circula desde 2011.
FOTO: HÉLVIO ROMERO/AE
Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress
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