Você acharia justo um aumento de 5000% no preço de um medicamento usado por pacientes com aids da noite para o dia?
22 set 2015
Martin Shkreli, presidente da Turing, uma farmacêutica americana,
acredita que é. Ele está no centro da controvérsia após uma reportagem
do jornal
The New York Times
revelar o aumento do preço dessa magnitude para uma dose de Daraprim.
A droga é usada em tratamentos contra toxoplasmose, doença infecciosa
causada por um protozoário encontrado nas fezes de felinos e que afeta
pessoas que estão com seu sistema imunológico comprometido (por exemplo,
por culpa da Aids ou de alguns tipos de câncer). É uma doença rara,
porém
potencialmente fatal.
O comprimido do Daraprim passou de US$ 13,50 (R$ 54) para US$ 750 (R$ 3
mil) após a Turing comprar, em agosto passado, os direitos para
fabricar o medicamento, que está há 62 anos no mercado. O comprimido
custa cerca de US$ 1 para ser produzido.
Mas Shkreli, um ex-gerente de fundos de investimento, diz que esse
valor não inclui outros custos, como marketing e distribuição, que
teriam aumentado drasticamente nos últimos anos e que a receita obtida
será usada em pesquisas de novos tratamentos para a toxoplasmose.
"Precisamos ter lucro com essa droga. Antes de nós, as empresas estavam
praticamente dando-a de graça", afirmou ele em entrevista à emissora
Bloomberg.
Prática 'comum' ou 'revoltante'?
O executivo afirma que essa prática é comum na indústria: "Hoje em dia,
medicamentos modernos, como drogas para câncer, podem custar US$ 100
mil ou mais. O Daraprim ainda está mais barato em relação a esses
medicamentos."
A Sociedade para Doenças Infecciosas dos EUA, a Associação de
Medicamentos para HIV (HMA, na sigla em inglês) e outros órgãos da área
de saúde dos Estados Unidos publicaram uma carta aberta para a Turning,
demandando que a empresa reconsidere o aumento.
"O custo é injustificável para pacientes vulneráveis que precisam do
medicamento e insustentável para o sistema de saúde", disse o grupo no
documento.
Wendy Armstrong, da HMA, ainda questionou a necessidade de novos
tratamentos para toxoplasmose. "Essa não é uma infecção para a qual
buscamos medicamentos mais eficazes", disse ela ao site .
Na Bolsa de Nova York, as ações de empresas de biotecnologia caíram na
segunda-feira após Hillary Clinton, pré-candidata à Presidência pelo
Partido Democrata, dizer que o aumento é "revoltante".
Caso seja eleita, Clinton prometeu tomar medidas contra empresas que
elevem demais os preços de medicamentos especializados, como é o caso do
Daraprim.
(Des)controle de preços
Determinar o preço de um medicamento é uma questão delicada, e as regras para isso variam de acordo com cada país.
No Brasil, por exemplo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) age nesse mercado pela Câmara de Regulação do Mercado de
Medicamentos (CMED), um órgão interministerial.
A CMED é responsável por monitorar os preços cobrados por drogas que já
estão no mercado e auxiliar no estabelecimento dos preços para novos
medicamentos.
Ainda determina os índices de ajuste anual de preços de acordo com
critérios estabelecidos na lei federal 10.742, de 2003, como
produtividade da indústria, variação dos custos de insumos e a
concorrência no setor.
Em março deste ano, o índice aplicado a 9.120 medicamentos variou entre
5% e 7,7%, seguindo a inflação registrada nos 12 meses anteriores, de
acordo com o tipo de droga.
Os preços máximos para o consumidor, já incluídos os impostos, são
informados pela Anvisa em seu site. Uma empresa podem ser multada caso
descumpra essa determinação.
Mas não é assim que funciona nos Estados Unidos. Os principais
compradores de medicamentos no país são as seguradoras de saúde e o
governo. Nesse mercado, os preços variam de acordo com o que as pessoas
estão dispostas a pagar.
Doenças raras, lucro difícil
No entanto, casos como o do Daraprim vêm despertando a atenção de
consumidores e autoridades americanas para a forma como são determinados
os preços de medicamentos no país.
Houve nas últimas semanas uma polêmica parecida quando subiu o preço de
um medicamento para tuberculose. Sua fabricante, a Rodelis
Therapeutics, voltou atrás e devolveu os direitos de fabricação para sua
dona anterior, uma ONG associada a uma universidade.
No caso da Turing, Shkreli alegou que, nos últimos anos, a pesquisa e
desenvolvimento de novas drogas desacelerou, e empresas precisam pensar
com cuidado no que investirão.
Medicamentos muito bem-sucedidos, como o Viagra, geram bastante
dinheiro, mas drogas para doença raras são menos atraentes, porque menos
pessoas as usam e torná-las lucrativas é mais difícil.
Segundo Shkreli, o aumento de preço não foi feito por ganância
desmedida, mas por razões justificáveis do ponto de vista de seu
negócio. Com isso, diz esperar criar um mercado que atrairá outras
empresas para a busca por novos tratamentos para enfermidades raras.
Ele ainda afirma ter criado formas para dar a droga de graça para quem não puder pagar por ela.
Recuo
Shkreli chegou a dar sinais de que não recuaria do aumento, mas não
resistiu à repercussão do caso. Ele afirmou nesta terça-feira à imprensa
norte-americana que reduziria o preço do medicamento – sem, porém,
informar quanto – e acusou os críticos de não entenderem o funcionamento
da indústria farmacêutica.
"Nós concordamos em diminuir o preço do Daraprim até um patamar mais
acessível e ao mesmo capaz de permitir à companhia ter lucro, embora bem
pequeno", disse o presidente da Turing à ABC News.
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