Enquanto os brasileiros dormiam, a comissão do impeachment debatia o
futuro do pais, num momento gravíssimo de nossa curta história
democrática pós-ditadura. Por que ao longo da noite, privando a maioria
de acompanhar o debate?
Em verdade, até às 4 e meia da manhã, o que se viu foi uma sucessão de falas de deputados com posição já definida, embora um fantasma tenha assombrado algumas consciências: o julgamento de Dilma será essencialmente político ou os deputados devem se ater aos aspectos jurídicos, à consistência das acusações constantes do processo? Deve ela ser condenada pelo “conjunto da obra” ou devem os deputados ater-se à denúncia que está sendo examinada, decidindo pela sua consistência jurídica e não pelas conveniências políticas?
Poucos falaram disso. Paulo Pimenta (PT-PR) fez a primeira tentativa pela bancada governista, lembrando que no dia 24 de novembro, os líderes da oposição se sucederam na tribuna pedindo o afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, devia ser afastado. Mas na semana seguinte, quando os três petistas do Conselho de Ética anunciaram que votariam pela abertura de processo contra Cunha, ele abriu o processo de impeachment e a oposição voltou a seus braços. Destrinchou a “engrenagem do golpe”, destacando o papel da Fiesp, da mídia, da Lava Jato e outros atores que turbinam o processo. Dilma, recordou, é acusada por ter assinado seis decretos remanejando recursos para órgãos que precisavam dos recursos. Baseou-se em pareceres de técnicos atestando a necessidade e a legalidade dos atos. Tais pareceres atestam a ausência de dolo (intenção) e sem dolo não há crime de responsabilidade. Arlindo Chinaglia também se esforçou para manter o foco na questão das pedaladas e dos decretos, lembrando que Fernando Henrique não foi, corretamente, acusado de crime de responsabilidade por ter se valido do mesmo recurso em 2001. Inutilmente. A sessão estava começando e não havia ainda interesse pelo debate jurídico.
A noite avançou e este interesse não se manifestou. Os da oposição gastaram seu tempo falando principalmente do que não está no processo: de Lula e seu governo, do colapso moral do PT, do financiamento de suas campanhas, da corrupção na Petrobras, do heroísmo de Moro e da Lava Jato, da crise econômica, do estilo Dilma, de tudo o que os incomoda no que chamaram “conjunto da obra”. Sobraram adjetivos pesados mas faltaram análises sobre a existência de crime de responsabilidade nas pedaladas fiscais e nos decretos de suplementação orçamentária sem autorização do Congresso. E é disso que Dilma é acusada. Os governistas, e não apenas os do PT, esforçaram-se em vão para colocar o debate nos trilhos. Foi o que fez o líder do PMDB, Leonardo, o 42º orador, que falou às 3 horas da manhã, não como líder, mas como deputado. Ou, antes dele, José Mentor (PT-SP).
Picciani, com o cuidado exigido de quem fala como minoria em seu partido, lembrou a seus pares que a decisão que vão tomar, na comissão e depois no plenário, será julgada não apenas no presente mas também pela História que será escrita no futuro. “Examinei o processo e firmei a convicção de que a presidente não cometeu crime de responsabilidade. Devemos nos perguntar se o que chamam de “conjunto da obra” preenche a lacuna legal para que o voto popular seja violado neste momento. Devemos ir adiante? Creio que será um erro. Ainda que ele não seja reconhecido agora o será no futuro”.
Em breve, disse ele, “vamos ter o desfecho da crise e todos seremos responsáveis pelo dia seguinte. Chegamos a esta situação porque quem ganhou a eleição não teve humildade para reconhecer a divisão do país e buscar a conciliação. E quem perdeu, não aceitou, resolver contestar, pensando em suas ambições e não na situação do país. Esta página sim, terá que ser virada, pois o Brasil precisa andar para a frente”, disse Picciani.
O petista Mentor foi dos poucos governistas que conseguiu ser pelo menos ouvido. Recordou com números que houve pedaladas fiscais em 2001, em 2006 e em 2009. “Mas o TCU não entendeu que houve crime e aprovou as contas. Agora, mudou de entendimento, e isso pode valer para a frente. Não para trás, pois a lei não pode retroagir e isso é elementar”. Os decretos sem autorização do Congresso, lembrou, sempre foram previstos na lei orçamentária. Sempre foram editados. Ah, dizem alguns, mas os de Dilma comprometeram o superávit primário...Mas o governo pediu em agosto a mudança no superávit. A oposição é que, obstruindo as votações até dezembro, impediu que a meta fosse alterada”. Mas isso ninguém estava interessado em discutir.
A noite seguiu, alternando insultos eloquentes da oposição e argumentos dos governistas abafados pelas conversas paralelas. Mesmo assim, lá pelas tantas o deputado Marcelo Aro (PHS-MG) admitiu que faltam 37 votos para os 342 necessários à consumação do golpe revestido de legalidade. As “pedaladas”, ele teve a coragem de afirmar, foram feitas para “financiar campanhas eleitorais e corrupção”, embora até seus colegas de oposição tenham reconhecido que o governo deixou para a CEF e o BB o pagamento de despesas sociais (depois reembolsadas, com juros). Logo depois, invocando também o “conjunto da obra”, Sostenes Cavalcanti (DEM-RJ) defendeu “cadeia coletiva” para todo mundo do governo.
A sessão que poucos viram acabou assim. A oposição fez sua catarse, dizendo todos os desaforos que tinha a dizer. Os governistas falando para ouvidos moucos.
Na segunda-feira haverá a votação. É provável que o parecer de Jovair Arantes seja aprovado, mas por uma margem apertada de votos. “E isso será sinal de que eles não têm votos para ganhar no plenário”, vaticina a deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ).
Veremos.
Em verdade, até às 4 e meia da manhã, o que se viu foi uma sucessão de falas de deputados com posição já definida, embora um fantasma tenha assombrado algumas consciências: o julgamento de Dilma será essencialmente político ou os deputados devem se ater aos aspectos jurídicos, à consistência das acusações constantes do processo? Deve ela ser condenada pelo “conjunto da obra” ou devem os deputados ater-se à denúncia que está sendo examinada, decidindo pela sua consistência jurídica e não pelas conveniências políticas?
Poucos falaram disso. Paulo Pimenta (PT-PR) fez a primeira tentativa pela bancada governista, lembrando que no dia 24 de novembro, os líderes da oposição se sucederam na tribuna pedindo o afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, devia ser afastado. Mas na semana seguinte, quando os três petistas do Conselho de Ética anunciaram que votariam pela abertura de processo contra Cunha, ele abriu o processo de impeachment e a oposição voltou a seus braços. Destrinchou a “engrenagem do golpe”, destacando o papel da Fiesp, da mídia, da Lava Jato e outros atores que turbinam o processo. Dilma, recordou, é acusada por ter assinado seis decretos remanejando recursos para órgãos que precisavam dos recursos. Baseou-se em pareceres de técnicos atestando a necessidade e a legalidade dos atos. Tais pareceres atestam a ausência de dolo (intenção) e sem dolo não há crime de responsabilidade. Arlindo Chinaglia também se esforçou para manter o foco na questão das pedaladas e dos decretos, lembrando que Fernando Henrique não foi, corretamente, acusado de crime de responsabilidade por ter se valido do mesmo recurso em 2001. Inutilmente. A sessão estava começando e não havia ainda interesse pelo debate jurídico.
A noite avançou e este interesse não se manifestou. Os da oposição gastaram seu tempo falando principalmente do que não está no processo: de Lula e seu governo, do colapso moral do PT, do financiamento de suas campanhas, da corrupção na Petrobras, do heroísmo de Moro e da Lava Jato, da crise econômica, do estilo Dilma, de tudo o que os incomoda no que chamaram “conjunto da obra”. Sobraram adjetivos pesados mas faltaram análises sobre a existência de crime de responsabilidade nas pedaladas fiscais e nos decretos de suplementação orçamentária sem autorização do Congresso. E é disso que Dilma é acusada. Os governistas, e não apenas os do PT, esforçaram-se em vão para colocar o debate nos trilhos. Foi o que fez o líder do PMDB, Leonardo, o 42º orador, que falou às 3 horas da manhã, não como líder, mas como deputado. Ou, antes dele, José Mentor (PT-SP).
Picciani, com o cuidado exigido de quem fala como minoria em seu partido, lembrou a seus pares que a decisão que vão tomar, na comissão e depois no plenário, será julgada não apenas no presente mas também pela História que será escrita no futuro. “Examinei o processo e firmei a convicção de que a presidente não cometeu crime de responsabilidade. Devemos nos perguntar se o que chamam de “conjunto da obra” preenche a lacuna legal para que o voto popular seja violado neste momento. Devemos ir adiante? Creio que será um erro. Ainda que ele não seja reconhecido agora o será no futuro”.
Em breve, disse ele, “vamos ter o desfecho da crise e todos seremos responsáveis pelo dia seguinte. Chegamos a esta situação porque quem ganhou a eleição não teve humildade para reconhecer a divisão do país e buscar a conciliação. E quem perdeu, não aceitou, resolver contestar, pensando em suas ambições e não na situação do país. Esta página sim, terá que ser virada, pois o Brasil precisa andar para a frente”, disse Picciani.
O petista Mentor foi dos poucos governistas que conseguiu ser pelo menos ouvido. Recordou com números que houve pedaladas fiscais em 2001, em 2006 e em 2009. “Mas o TCU não entendeu que houve crime e aprovou as contas. Agora, mudou de entendimento, e isso pode valer para a frente. Não para trás, pois a lei não pode retroagir e isso é elementar”. Os decretos sem autorização do Congresso, lembrou, sempre foram previstos na lei orçamentária. Sempre foram editados. Ah, dizem alguns, mas os de Dilma comprometeram o superávit primário...Mas o governo pediu em agosto a mudança no superávit. A oposição é que, obstruindo as votações até dezembro, impediu que a meta fosse alterada”. Mas isso ninguém estava interessado em discutir.
A noite seguiu, alternando insultos eloquentes da oposição e argumentos dos governistas abafados pelas conversas paralelas. Mesmo assim, lá pelas tantas o deputado Marcelo Aro (PHS-MG) admitiu que faltam 37 votos para os 342 necessários à consumação do golpe revestido de legalidade. As “pedaladas”, ele teve a coragem de afirmar, foram feitas para “financiar campanhas eleitorais e corrupção”, embora até seus colegas de oposição tenham reconhecido que o governo deixou para a CEF e o BB o pagamento de despesas sociais (depois reembolsadas, com juros). Logo depois, invocando também o “conjunto da obra”, Sostenes Cavalcanti (DEM-RJ) defendeu “cadeia coletiva” para todo mundo do governo.
A sessão que poucos viram acabou assim. A oposição fez sua catarse, dizendo todos os desaforos que tinha a dizer. Os governistas falando para ouvidos moucos.
Na segunda-feira haverá a votação. É provável que o parecer de Jovair Arantes seja aprovado, mas por uma margem apertada de votos. “E isso será sinal de que eles não têm votos para ganhar no plenário”, vaticina a deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ).
Veremos.
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