Acontece o tempo todo: a
gente vê alguém tendo uma atitude de que não gostamos, falando algo com
o qual discordamos totalmente ou agindo de forma rude e já criamos uma
imagem da pessoa sem nem ao menos conhecê-la.
A médica Júlia Rocha passou por uma situação parecida. Ela é Médica de Família,
ou seja, especialista em atenção básica, e estava atendendo um paciente
quando sua sala foi invadida por uma mulher enfurecida ameaçando
processar todos do hospital.
Apesar de ter achado a moça arrogante,
Júlia pediu que ela aguardasse o fim da consulta, conversou com ela e
mudou de opinião. Quer saber por quê? Confira essa lição de empatia no
relato:
EU VOU PROCESSAR TODOS VOCÊS!!!
“Eu vim trocar minha receita. Se eles
não me derem meus remédios eu vou na delegacia. É meu direito. Meu
médico do convênio já falou que é meu direito. Eu gravei no meu celular a
moça falando que tem o remédio aqui, sim, Mas eles não querem me dar.
Estão guardando só para as grávidas. Quer dizer que não pode nascer um
bebezinho cego ou retardado mas eu posso ficar com problema sério no
coração? Eu não quero nem saber. Não saio daqui hoje sem tomar essa
injeção.”
“Fabiana, eu tô no meio de uma consulta.
Eu vou terminar com este paciente e em seguida eu te chamo e a gente
conversa, tudo bem?”
Ela fecha a porta sem responder.
“Fabiana, pode entrar.”
Ela entra, se senta, tira diversos papéis da bolsa e começa a falar.
“Eu não te conheço. Você não me conhece.
Eu sei que você tá chegando aqui agora. Eu tenho que tomar essa injeção
todo mês e eles não querem me dar. Eu sei que tem aí. Eu gravei a moça
falando que tem guardado só para as grávidas. Eles me passaram um
comprimido no lugar da injeção, mas eu não vou ficar tomando comprimido
todo dia. Tá acabando com meu estômago.”
“Fabiana, este medicamento está em falta no mundo todo. Está faltando matéria prima para produzir.”
“Não quero saber. Eu quero o meu. Que falte pras grávidas.”
Silêncio… Coloquei os braços na mesa,
inclinei o corpo pra frente. Esperei que ela retomasse o fôlego, olhei
dentro dos seus olhos. Com um tom de voz bem mais baixo que o dela,
falei pausadamente.
“Além da receita, o que mais você gostaria que eu fizesse pra te ajudar?”
“Eu estou sentindo dores de cabeça
insuportáveis.” E começou a chorar compulsivamente. “Eu nunca tive nada.
Sempre fui saudável. Agora só fico assim. Primeiro as inflamações das
articulações, depois as dores de coluna, agora essa dor de cabeça. O
neurologista falou que é enxaqueca. Gastei um tanto de dinheiro com
exames, tomografia, RX, exames de sangue. Já tomei um tanto de remédio
caro. Nada faz melhorar isso. Não aguento mais. Vivo chorando, estou
perdendo peso, quase não saio de casa…”
“Há quanto tempo você vem sentindo isso?”
“Tem 3 anos.”
“E o que aconteceu há 3 anos que mudou tanto a sua vida?”
“Eu me separei…” Novamente um longo
silêncio e muitas lágrimas. Fechou os olhos. Parecia tentar buscar na
memória as lembranças de quando se sentia bem. “Eu tive um aborto, logo
em seguida, outro… acho que isso mexeu muito comigo. Tenho medo pois já
me disseram que se eu não tratar esse meu problema de saúde com as
injeções, eu posso desenvolver problema de coração e nunca mais poderei
ter filhos.”
“Tantas coisas, né, Fabiana?”
“Muitas coisas. Vivo sozinha, sem
família aqui, fui despejada. Tô morando na casa de uma amiga, num lugar
que eu detesto. Ainda com essas preocupações com a saúde… Pior coisa do
mundo…… Ai doutora…… Você acha que eu preciso de uma psicóloga?”
“Você acha?”
“Acho.”
“Então, eu também acho. E acho que há medicamentos que podem te ajudar com essa dor de cabeça. Quer tentar?”
“Quero. Quero, muito. O que você passar eu vou tomar.”
“Posso marcar um reencontro nosso na semana que vem?”
“Sério?
“Sério! Sabe Fabiana, as vezes a tristeza vira doença, né.”
“Doutora, a minha tristeza virou dor.”
Ela seguiu seu caminho e eu fiquei aqui
pensando em como achei essa moça cruel, arrogante, agressiva, impiedosa e
chata antes de ouvir o que ela tinha pra dizer. Ainda bem que, como
toda Médica de Família, eu me alimento dessas histórias. Preciso disso
pra viver!
Desculpa aí, Fabiana! Sem saber da sua
dor, eu te julguei sentada aqui na minha cadeirinha confortável. Foi
mal, mesmo. Não repara.”
Veja a postagem original:
Nenhum comentário:
Postar um comentário