4.15.2010

Água para abastecer o mundo



Geólogos descobrem alto potencial de aquífero, localizado sob os estado do Pará, Amazonas e Amapá. Estudo conclui que trata-se do maior reservatório subterrâneo, suficiente para toda a população mundial durante centenas de anos

Dona da maior bacia hidrográfica do mundo — do Rio Amazonas —, a Região Norte do Brasil também pode passar a ter o status de possuidora da maior reserva mundial de águas subterrâneas. Estudos da Universidade Federal do Pará (UFPA) apontam que o chamado Aquífero Alter do Chão, localizado sob os estados do Pará, Amazonas e Amapá, pode ser o maior manancial de água doce do mundo. Os dados iniciais do trabalho indicam que o reservatório seria maior que o Aquífero Guarani, localizado entre o Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina, considerado atualmente o maior manancial subterrâneo de água doce do mundo.

A existência do Aquífero Alter do Chão já era conhecida há vários anos mas, segundo Milton Matta, geólogo da UFPA, não haviam estudos comprovando seu potencial. “Não temos dúvidas de que se trata do maior aquífero do mundo”, afirma ele, que participa da equipe técnica que vem analisando o manancial. Os estudos serão divulgados nos próximos dias.

Os técnicos estão preparando projeto para apresentar ao Banco Mundial, para obter financiamento para a elaboração de um levantamento mais detalhado sobre o potencial do aquífero. A intenção é obter dados para comprovar para a comunidade científica que se trata do maior reservatório subterrâneo de água doce do mundo.
Matta não tem dúvidas que o Aquífero Alter do Chão pode abastecer toda a população do mundo por centenas de anos. O acesso à água, segundo ele, é fácil. “Em algumas regiões é possível obter água a 300 metros de profundidade, enquanto na reserva do Guarani, às vezes é preciso cavar mais de mil metros”, explica o geólogo.

A Agência Nacional de Águas (ANA) também vai estudar o potencial do reservatório. O órgão está preparando edital de licitação para contratar empresa de consultoria para elaborar estudos geológicos sobre o Aquífero Alter do Chão.

Qualidade melhor que a usada no Sul

Segundo dados da ANA, os aquíferos ocupam 48% da área territorial do Brasil. A utilização de águas subterrâneas para abastecimento de cidades, ainda segundo dados da agência, tem crescido nas últimas décadas e a tendência é que o crescimento deve continuar, especialmente nos estados mais desenvolvidos. Cerca de 90% das cidades do Paraná e do Rio Grande do Sul são abastecidas por águas subterrâneas. O potencial total explorável dos aquíferos brasileiros é estimado em 4.095 metros cúbicos por segundo.

Segundo o geólogo Milton Matta, o Aquífero Alter do Chão ocupa área menor que a do Guarani, mas possui espessura maior e uma capacidade de produção de água mais intensa. Outra característica do reservatório, segundo os estudos iniciais, é a qualidade da água, que seria melhor que a do manancial do Sul do Brasil.

POR RICARDO VILLA VERDE
O Dia

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A água escondida que abastece o mundo : Como se pode gerenciar essas fontes que ninguém vê ?

Um terço da humanidade depende hoje de fontes subterrâneas para matar a sede, mover as indústrias e irrigar cultivos de alimentos. Abastecidos pela chuva, os aquíferos, como são chamados esses mananciais, são recursos renováveis que têm no seu grande volume uma garantia de que não faltará água para a população mundial por muitos anos.

Mas, como no caso dos lagos e rios da superfície, também os aquíferos estão ameaçados pelos problemas de sempre: poluição, exploração sem controle, desperdício.
Nas próximas páginas, você vai conhecer onde estão os maiores reservatórios de água subterrânea do mundo e alguns exemplos do seu mau uso e do que está sendo feito, no plano internacional, para solucionar esse problema.

Saberá também a forma encontrada pelos países da América Latina para administrar os aquíferos compartilhados – principalmente o Guarani, um dos maiores do mundo, cujas águas estão sob o território do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. O Guarani já está sendo mapeado e foi iniciado o diálogo entre as nações que compartilham suas águas. Mas há poucas informações sobre outros mananciais brasileiros, principalmente no Nordeste.

A ameaça sobre os aqüíferos

Depósitos de água existentes no subsolo constituem um tesouro estratégico para os países. Mas estão sendo usados além dos limites suportáveis.
Eles são imensas caixas d’água realimentadas pela chuva e filtradas por camadas de areia e rochas abaixo da crosta terrestre.

Encontram-se por toda parte e, em alguns países, são empregados para irrigar a lavoura e para abastecer a população. Têm a vantagem de ser uma fonte de uso mais prático, rápido e às vezes até 15 vezes mais barato do que os rios e lagos da superfície. São os aquíferos, lençóis de água encontrados em profundidades variáveis que servem como fonte de abastecimento para a humanidade há milênios. Representam uma reserva 100 vezes mais volumosa que a dos rios e lagos, alternativa escolhida para abastecer grande parte da Europa e metade das cidades da América Latina e Caribe. Hoje, países como Arábia Saudita, Malta e Dinamarca dependem deles para abastecer residências, shopping centers, hotéis, hospitais e até para encher piscinas e regar campos de golfe.

“O problema é que estamos explorando os aquíferos a um ritmo mais rápido do que eles conseguem se refazer, com efeitos perigosos”, afirma Vicente Andreu, secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente. O uso além do limite reduz a vazão e piora a qualidade da água, seca os riachos e causa impactos geológicos na superfície, como o afundamento do solo.

Na região do rio Jordão, no Oriente Médio, a maioria das reservas do subsolo está sendo superexplorada e a água tornou-se salobra. A situação é crítica no aquífero do rio Azraq, na Jordânia, próximo da fronteira com a Síria e a Arábia Saudita (veja no mapa). Isso porque, com o aumento da população e, consequentemente do uso, o volume de água extraída por ano triplicou em duas décadas. O consumo é maior do que a capacidade de reposição pela chuva, armazenada nas rochas, fendas e fraturas do solo. Em consequência, o lençol subterrâneo recuou 20 metros, ameaçando o abastecimento de várias cidades, como Amã, a capital jordaniana.
Este é só um dos exemplos do uso excessivo e mal-administrado dos aquíferos. Nos Estados Unidos, há outro: o Ogallala, que se estende sob os estados do Texas e Dakota do Sul (veja mapa), está empobrecendo a um ritmo de 12 trilhões de litros por ano. É um problema quando se sabe que suas águas alimentam um quinto das terras americanas irrigadas. Tanto assim que, em todo o mundo, a questão começa a ser tratada dentro dos fóruns ambientais mais importantes.

O perigo ronda a Cidade do México
Construída pelos colonizadores espanhóis no leito de um lago drenado, a Cidade do México, capital do país, está afundando. Desde 1900, o seu nível baixou o equivalente ao de um edifício de três andares. O solo argiloso é instável e frágil e, por isso, não suporta o peso das construções. Casas e edifícios apresentam rachaduras e a catedral metropolitana afundou 12,5 metros desde a sua construção, no século 16. Isso ocorre por causa da retirada excessiva de água no subsolo para abastecer a população crescente. Além disso, a urbanização desordenada ocupou, pavimentou e estragou as áreas da superfície por onde as chuvas penetram no solo e alimentam o aquífero. Com o lençol freático rebaixado, é grande a pressão sobre os canos de esgoto, que podem romper, causando contaminação. O perigo aumenta com as chuvas de verão, escoadas por uma rede de bombeamento. Para reduzir o uso do aquífero, o governo construiu um sistema de aquedutos, captando água de rios distantes.

Quando a água ultrapassa fronteiras

Depósitos subterrâneos às vezes são compartilhados por países vizinhos. Para não haver conflito, criam-se regras internacionais de uso.
Armazenadas nos poros e fissuras milimétricas de rochas, a água dos aquíferos se estende às vezes por milhares de quilômetros quadrados de subsolo. É natural, portanto, que seja compartilhada por países vizinhos – como ocorre com o Aquífero Guarani, dividido entre o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Há outros aquíferos transnacionais igualmente importantes, como o Arenito Núbia, no subsolo de Líbia, Egito, Chade e Sudão; e o Kalahari, entre Namíbia, Botsuana e África do Sul – ambos em lugares áridos da África. Na Europa, outro aquífero – o Digitalwaterway Vechte – é compartilhado entre Holanda e Alemanha; o SlokKarst-Aggtelek, ente Eslováquia e Hungria; e o Prade, entre a República Checa e Polônia (veja todos no mapa-múndi).
Se já existe disputa entre países quando isso acontece com a água de bacias fluviais, no caso de compartilhamento de águas subterrâneas a disputa pode ser ainda mais acirrada. O aumento da população e a competição pelo recurso podem levar à tensão entre nações que bombeiam toda a água possível para o próprio uso. Pensando nisso, a ONU apresentou, no fim de 2008, um projeto de Convenção de Aquíferos Transfronteiriços, elaborado pela Comissão de Direitos Internacionais, no qual convoca as nações que possuem esses depósitos a não contaminar a água e a cooperar, controlar e prevenir a sua poluição. Na mesma época, foi lançado o primeiro mapa mundial de aquíferos transfronteiriços subterrâneos, no qual são contabilizados 273 depósitos no subsolo de vários países, sendo 68 no continente americano, 38 na África, 65 no Leste Europeu, 90 na Europa Ocidental e 12 na Ásia. No total, são 134,8milhões de quilômetros quadrados, com um volume de 23,4 milhões de quilômetros cúbicos de água.
O International Shared Aquifer Resources Management (Isarm), uma iniciativa conjunta da Unesco e da Secretaria-Geral dos Estados Americanos, identificou de forma preliminar os limites dos 11 principais aquíferos transfronteiriços do Brasil com os países vizinhos. O próximo passo é estabelecer regras para sua utilização. O projeto que está mais avançado, até porque é o aquífero mais utilizado, refere-se ao Guarani.
Fontes não aproveitadas do nordeste
Aquíferos no subsolo nordestino são pouco utilizados. Eles poderiam atender boa parte da população que hoje sofre com a seca
Os sertanejos que rezam por chuva no cenário nordestino não sabem que, sob seus pés, está a solução de todos os problemas. Os contornos do mapa hidrogeológico da região são claros: em lugares onde o calor tórrido seca os rios, a água subterrânea se estende por toda parte.

“O semiárido é uma ilha cercada de água doce por todos os lados”, afirma o pesquisador Sebastião Pinheiro da Silva, da Unicamp. “Infelizmente é uma reserva muito pouco aproveitada, enquanto milhões de reais são gastos para fazer, por exemplo, a transposição do rio São Francisco.”

Polêmicas à parte, o Nordeste brasileiro tem 90% do território constituído por rochas cristalinas com fendas e fissuras. Em apenas 10% da região há rochas sedimentares, nas quais estão situados os aquíferos.

Apesar da pequena área, eles estão em todos os estados e guardam água em enorme volume, suficiente, por exemplo, para irrigar a lavoura e abastecer a população que hoje depende de carros-pipa.
O exemplo de maior potencial é a Bacia Sedimentar do Meio Norte, que abrange 250 mil km2 do Piauí e do Maranhão (veja mapa). Cada poço perfurado na região tem capacidade de fornecer até 700 mil litros de água por hora, podendo matar a sede não apenas dos moradores locais, como também da população dos estados vizinhos.

Até mesmo o pequeno Jatobá, em Pernambuco (nem sinalizado no mapa), poderia atender cerca de 5 milhões de pessoas por ano ou irrigar 30 mil hectares de plantio. O custo de um poço com profundidade de 900 metros para fazer esse abastecimento equivale ao gasto de 20 quilômetros de adutoras para distribuir a água dos açudes.

Além disso, o uso dos aquíferos, na maioria das vezes, não exige despesas com tratamento da água.
Cidades de grande porte como Mossoró (RN), Natal (RN) e Maceió (AL) são quase totalmente abastecidas por água subterrânea. O problema é que, nas regiões onde esses mananciais são aproveitados, é alto o índice de desperdício. No município de Barreiras, celeiro do agronegócio no oeste baiano, o cultivo de grãos e algodão consome 1 bilhão de litros por dia. Os pivôs de irrigação, sistemas ineficientes que regam as plantações do alto, jogam fora 40% da água extraída dos rios e do Aquífero Urucuia (veja mapa à pág. anterior), que se estende por 76 mil km2 entre o sul do Piauí e o noroeste da Bahia.

Para conter o problema, o governo estadual planeja adotar a irrigação por gotejamento no solo, copiando o modelo de Israel.
Intrusão salina no Recife
Recife é como um queijo suíço. A comparação não é um exagero: na capital pernambucana existem 5 mil poços cadastrados, número que pode triplicar se contarmos os clandestinos. Os novos edifícios residenciais são construídos com poços próprios para não depender exclusivamente do fornecimento da rede pública, que é precário no período de estiagem.

A população escapa do racionamento, mas não da contaminação dos poços pelo esgoto que é lançado no ambiente sem tratamento. No bairro de Boa Viagem, local da praia mais frequentada da cidade, a água do aquífero sofre outro tipo de ameaça, chamada de “intrusão salina”, ou seja, a invasão do sal marinho. O problema não é exclusivo de Recife. Existe também em cidades litorâneas do Caribe e das Filipinas. Em Recife, por conta do teor de sal na água, é comum tomar banho nos hotéis sem que o sabonete produza espuma.
Uso compartilhado entre estados
O município de Baraúna (RN), na divisa com o Ceará, é um polo de fruticultura irrigada, cujo uso acima do limite reduziu o nível dos poços no Aquífero Jandaíra (veja mapa). O impacto, agravado pela falta de chuvas, exigiu medidas emergenciais de controle.

O governo então implantou o Programa de Gestão das Águas Subterrâneas que, entre suas ações, fez o diagnóstico dos poços (71% utilizados para irrigação) que passaram a ser perfurados mediante autorização. Atualmente, 60 poços são monitorados e o plano é estender o trabalho para outras regiões. Rio Grande do Norte e Ceará unificaram os procedimentos, resultando no primeiro plano de gestão compartilhada de aquíferos interestaduais no Brasil.

Poços são atração no Piauí
O vale do Gurguéia, na divisa do Piauí com o Maranhão, é conhecido pelos famosos “poços jorrantes”, símbolos da fartura – e do desperdício. Enquanto a população rural e os animais de criação passavam sede, não muito longe dali balneários públicos se abasteciam de água que jorrava até 70 metros de altura. Em 2004, a Agência Nacional de Águas, em parceria com o governo do Piauí, instalou válvulas nos seis maiores poços para controlar a vazão. Eles são acionados em determinados horários pelos produtores rurais. E servem para refrescar os banhistas nos fins de semana e feriados. Dezenas de outros poços, não atendidos no projeto, continuam vazando água. Além disso, a manutenção do sistema de válvulas, a cargo do governo estadual, é difícil. Muitas vezes, por falta de verba, não é realizada com eficiência.


Sérgio Adeodato

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