A osteoporose é um importante problema de saúde em todas as partes do mundo.
A partir dos 50 anos, 30% das mulheres e 13% dos homens poderão sofrer algum tipo de fratura1. Estima-se que a incidência de fraturas irá quadruplicar nos próximos 50 anos em decorrência do aumento da expectativa de vida2. No entanto, a osteopenia e a osteoporose deixaram de ser uma preocupação exclusiva de indivíduos adultos e idosos, uma vez que a densidade mineral óssea dessas faixas etárias depende do pico de massa óssea adquirido até o final da segunda década de vida3. O pediatra tem a responsabilidade de garantir as condições necessárias para que crianças e adolescentes desenvolvam a melhor qualidade possível de massa óssea, evitando fraturas na idade adulta.
A osteoporose é definida pela Organização Mundial de Saúde como uma doença metabólica óssea sistêmica, caracterizada por diminuição da massa óssea e deterioração da microarquitetura do tecido ósseo, com conseqüente aumento da fragilidade do osso e da suscetibilidade a fraturas.
Na osteopenia, também ocorre diminuição da massa óssea, porém sem comprometimento da microarquitetura4,5. A osteoporose pode ser primária na infância; no entanto, freqüentemente é uma complicação de doenças crônicas ou de seus tratamentos3.
Metabolismo ósseo
O tecido ósseo é formado por células (osteoblastos e osteoclastos), minerais (cálcio e fósforo) e matriz orgânica (proteínas colágenas e não-colágenas). Os osteoblastos sintetizam e mineralizam a matriz protéica com cristais de hidroxiapatita, enquanto os osteoclastos promovem a reabsorção óssea, mantendo assim uma constante remodelação tecidual. O hormônio da paratireóide (PTH), a 25(OH) vitamina D e a 1,25(OH)2 vitamina D são os principais reguladores da homeostase do cálcio. Existem dois tipos de osso: trabecular e cortical. O osso trabecular está presente principalmente nas vértebras, crânio, pélvis e porção ultradistal do rádio; já o osso cortical predomina nos ossos longos, colo femoral e rádio distal. O osso trabecular apresenta maior metabolismo, sendo, portanto, mais suscetível às alterações da massa óssea3,6.
Na infância, a formação excede a reabsorção, e a remodelação óssea é intensa, com dois períodos de aceleração do crescimento: nos dois primeiros anos de vida e durante a adolescência (entre 11 e 14 anos nas meninas e entre 13 e 17 anos nos meninos)7.
Os fatores que interferem na formação óssea podem ser divididos em dois grupos: fatores intrínsecos e fatores extrínsecos. Os primeiros incluem fatores hereditários (responsáveis por cerca de 80% do pico final de massa óssea), raça, sexo e fatores hormonais (hormônio de crescimento, fator de crescimento dependente de insulina I, estrógeno e testosterona); os fatores extrínsecos, por sua vez, dizem respeito a aspectos nutricionais, fatores mecânicos, hábitos, presença de doenças crônicas e uso de medicamentos6.
Entre os fatores de risco para um menor pico de massa óssea, incluem-se sexo feminino, raça caucasiana, puberdade tardia, baixa ingestão de nutrientes (cálcio, vitaminas, calorias), tabagismo, consumo excessivo de álcool, peso inadequado para a idade e baixa atividade física6. A ocorrência de doenças crônicas e, muitas vezes, a terapêutica utilizada para seu tratamento podem interferir e agravar diversos desses aspectos, como veremos adiante.
Quadro clínico
Na infância, tanto a osteopenia quanto a osteoporose costumam ser assintomáticas. Para se identificar os pacientes acometidos, é fundamental uma investigação minuciosa de seus fatores de risco. O sinal primordial da osteoporose é a ocorrência de fraturas após traumas leves durante as atividades da vida diária.
As fraturas podem ocorrer em qualquer local, sendo os mais freqüentes as vértebras (44%), a região proximal do fêmur (20%) e o antebraço (14%)8. O quadro clínico varia de acordo com o local acometido. Pode ocorrer dor aguda nos locais de fratura, onde também ocorre espasmo muscular. Ao exame físico, deve-se avaliar o desenvolvimento pôndero-estatural e atentar para alterações músculo-esqueléticas, como hipercifose dorsal e sinais físicos de doenças crônicas ou associadas à osteoporose.
Diagnóstico
A Organização Mundial de Saúde definiu como normalidade, em adultos, a densidade mineral óssea entre zero e +1 desvio padrão (DP) em relação aos valores médios observados em indivíduos jovens saudáveis (T-score). Em crianças, esses valores devem ser ajustados para a idade e o sexo (Z-score). Osteopenia é definida por densidade mineral óssea entre –1 e –2,5 DP, e osteoporose por densidade abaixo de –2,5 DP4. Golding et al.9 demonstraram que uma redução de 1 DP na densidade óssea de corpo total duplica o risco de fratura em meninas.
As indicações para a avaliação da densidade mineral óssea (DMO) são as seguintes: deficiência de estrógeno, hipogonadismo, suspeita de osteopenia na radiografia, hiperparatireoidismo primário assintomático, doenças crônicas e terapêutica com corticosteróides5.
Métodos de imagem
O método utilizado para a mensuração da DMO em crianças é a emissão dupla de raio-X (DEXA)6,10. A DEXA mede a DMO tanto no esqueleto axial como no apendicular, sendo, portanto, capaz de avaliar o osso trabecular e cortical. O método DEXA é considerado o método de escolha para medir a massa óssea porque é rápido, preciso e de baixa exposição à radiação. A densitometria óssea detecta perdas de massa óssea inferiores a 5%, enquanto o raio-X detecta perdas a partir de 30% a 50%. Devido às alterações no tamanho e na geometria do osso durante o crescimento e o desenvolvimento infantil, a interpretação da DEXA em crianças é um desafio. A interpretação apropriada dos dados deve considerar a maturidade esquelética, o desenvolvimento puberal, a etnia, o peso e a altura do paciente.
A massa óssea é relatada em termos de conteúdo mineral ósseo (CMO), em gramas, e de DMO, em g/cm2, sendo que ambos podem ser influenciados pelo tamanho do osso. Embora a DMO seja ajustada para a área escaneada do osso, isso não corrige as diferenças na espessura óssea. Assim, a verdadeira densidade óssea é superestimada em ossos grandes e subestimada em ossos pequenos. Para evitar esse problema, vários modelos matemáticos foram desenvolvidos para estimar o volume do osso (g/cm3)11,12. Para corrigir o CMO do corpo total para o tamanho ósseo, Molgaard et al. sugeriram levar em consideração a altura do indivíduo e a área óssea13. Apesar da ausência de consenso sobre o melhor método de ajuste, a idade esquelética e o estádio puberal devem ser considerados na interpretação de estudos densitométricos pediátricos.
Outros métodos utilizados para medir a DMO incluem a tomografia computadorizada quantitativa (CTQ) e a ultra-sonografia quantitativa (USQ). A CTQ mede a DMO volumétrica, porém o paciente é submetido a uma alta dose de radiação, a qual pode ser minimizada com a técnica de tomografia computadorizada quantitativa periférica (CTQp). A USQ é comumente utilizada para avaliar a DMO em calcâneo e falanges. Trata-se de um exame de fácil execução, baixo custo e isento de radiação. No entanto, na infância, a macroestrutura óssea dos locais avaliados muda constantemente, comprometendo a sensibilidade do exame3,5,8.
Marcadores bioquímicos da remodelação óssea
Os marcadores bioquímicos da remodelação óssea podem ser divididos em marcadores de formação e marcadores de reabsorção óssea. Esses marcadores podem ser dosados no sangue e na urina, sendo de difícil interpretação, especialmente em crianças e adolescentes, uma vez que refletem o crescimento e a remodelação, intensos nessas faixas etárias.
A média dos valores e a variabilidade interindividual para os marcadores de formação e reabsorção são várias vezes maiores em crianças do que em adultos. Os marcadores bioquímicos atingem os valores máximos no início da adolescência (estágio II Tanner), diminuindo após essa fase, apesar do contínuo ganho de tamanho e DMO. A grande variação dos valores normais e a necessidade de ajustar para o estágio de desenvolvimento puberal limitam o valor dos marcadores na definição de uma remodelação óssea normal ou anormal. Além disso, são exames caros, de baixa especificidade e sensibilidade, sendo influenciados pela dieta, pelo ciclo circadiano e pela função renal14,15.
Os marcadores de formação óssea incluem a fosfatase alcalina específica do osso (FAL-O), uma enzima produzida somente pelos osteoblastos e essencial para mineralização óssea. A osteocalcina (OC) é uma pequena proteína do colágeno, com função incerta, sintetizada pelos osteoblastos para incorporação na matriz óssea.
A fração de OC recém-sintetizada é liberada na circulação, podendo ser medida por radioimunoensaio. A OC tem mostrado seguir um padrão circadiano e refletir a formação óssea. Os pró-peptídeos carboxiterminal e aminoterminal do pró-colágeno tipo I são liberados da molécula do colágeno tipo I antes de sua incorporação às fibras de colágeno da matriz. Eles podem ser medidos no soro por imunoensaio, porém podem também refletir o metabolismo do colágeno de outros locais, como a pele. As proteínas não-colágenas produzidas pelos osteoblastos (OC e FALC-O) são os marcadores de formação óssea clinicamente mais sensíveis e específicos16,17.
Os marcadores úteis de reabsorção óssea são geralmente produtos de degradação do colágeno. O N-telopeptídeo cross linked do colágeno tipo I (NTx) e C-telopeptídeo cross linked do colágeno tipo I (CTx) são produtos de degradação do colágeno tipo I, sendo medidos por imunoensaio na urina e, atualmente, também no soro. Piridinolina e deoxipiridinolina (DPD) são cross linked covalentes encontrados no colágeno tipo I, liberados durante a reabsorção óssea, metabolizados e encontrados na urina na forma livre e/ou ligado a peptídeos. São mais sensíveis marcadores de reabsorção óssea que a hidroxiprolina, o clássico marcador urinário da reabsorção. A fosfatase ácida tartarato-resistente sérica (TRAP) é uma enzima liberada pelos osteoclastos, mas também é derivada de eritrócitos. Seu uso tem sido limitado por se tratar de uma enzima não estável no soro, mesmo quando congelada. No momento, os melhores marcadores para caracterização da reabsorção óssea são a DPD e os NTx ou CTx16,17.
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Condições comuns como a osteoporose freqüentemente apresentam evidências
claras da influência de um componente genético, mas relacionar o risco de uma
doença a um polimorfismo genético específico pode ser enganoso em alguns casos.
Candidatos biologicamente plausíveis existem em abundância, sendo difícil
observar reprodutibilidade de evidências que impliquem em mutações particulares
no processo da doença. No caso da osteoporose, um candidato que tem sido
repetidamente testado é o polimorfismo de um nucleotídeo simples do gene
COL1A1 do colágeno, em uma seqüência que interage com o fator de transcrição
Sp1.
Mann e seus colaboradores investigaram a possibilidade desta polimorfismo estar
realmente associado à fraqueza dos ossos fracos e fraturas freqüentes.
Primeiramente, foram realizadas meta-análises de 15 estudos publicados nos
últimos 5 anos, os quais lidavam com os efeitos do polimorfismo do Sp1.
Descobriu-se que a posse de dois alelos, denominados "s", de forma homozigótica
está correlacionada à perda da densidade da massa óssea. O genótipo "ss" prevê um
risco quase duas vezes maior de fraturas vertebrais quando comparado ao
homozigoto "SS". Os heterozigotos "Ss" apresentam efeitos intermediários.
Com relação aos efeitos moleculares do polimorfismo, ao menos em osteoblastos
humanos em cultura, o alelo s gera níveis elevados de COL1A1 mRNA quando
comparado ao alelo S, talvez como resultado de uma transcrição dependente Sp1
mais eficiente. Esta diferença dos níveis de transcrição está correlacionada ao
aumento da quantidade relativa da cadeia de colágeno do al(I), produto do mRNA,
no colágeno maduro produzido pelos osteoblastos em cultura.
Os autores comentam que as diferenças na composição da subunidade do trímero
do colágeno podem explicar as características mecânicas e bioquímicas observadas
nosso ossos de portadores do alelo s. A pesquisa foi publicada na edição de 28 de
março de Journal of Clinical Investigation.
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