4.15.2010

'Médicos cobravam por cirurgias não realizadas


Organograma da quadrilha que fraudava hospitais públicos

Rio - Uma bem estruturada quadrilha formada por médicos de hospitais públicos do Rio e empresários do ramo de material hospitalar, que forjavam documentos de falsas operações e lesaram os cofres públicos em aproximadamente R$ 120 milhões, foi desmantelada na manhã desta quinta-feira durante a Operação Hipócrates da Polícia Civil.

Cerca de 80 policiais cumpriram 15 mandados de busca e apreensão em consultórios e residência de médicos e empresários em cinco áreas nobres do Rio: Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, São Conrado, Lagoa e Ipanema. O nome da operação foi inspirada em uma das figuras mais importantes da história da saúde e considerado o 'pai da medicina': Hipócrates.

Segundo o chefe de Polícia Civil, Alan Turnovisky, a quadrilha era liderada pelo neurocirurgião Carlos Henrique Ribeiro, chefe do Setor de Neuro-Cirurgia do Hospital Salgado Filho, no Méier, Zona Norte do Rio. O empresário Jorge Figueiredo Movaes, dono da distribuidora de material hospitalar Extencion, situada no Centro Empresarial Barra Shopping, foi preso em flagrante por porte ilegal de armas, já que a polícia encontrou em sua cobertura, no Condomínio Barra Green, na Barra da Tijuca, dois revólveres calibre 38 e uma caixa de munição.


Em Vila Isabel, os policiais da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Saúde Pública, prenderam a gerente da empresa Extencion, Fernanda Bragança Simões da Silva, quando negociava remédios já com data de validade vencida com uma farmácia.

Cinco integrantes da quadrilha já foram indiciados pela polícia: o médico Carlos Henrique Ribeiro, reverenciado pelos colegas como "chefe da organização criminosa", o também médico Wagner Munomori Mariusthi, neurocirurgião que trabalha no Hospital Salgado Filho e tem curso de especialização de três anos na Alemanha, Jorge Figueiredo Novaes, Antonio Brazil de Bria, representante comercial e Fernanda Bragança Simões da Silva.

Em entrevista, o secretário municipal de Saúde, Hans Dohmann, afirmou ter sido pego de surpresa, mas afirmou que a secretaria está à disposição da Polícia Civil. Para ele, após a criação da nota fiscal digital, a Prefeitura reduziu a zero o número de fraudes deste tipo.

"É importante para nós apoiar ações como essas da Polícia Civil. Eu não sabia que isto havia acontecido, mas vou entrar em contato com a chefia de Polícia Civil, através do doutor Allan (Turnowski) para saber de mais detalhes", afirmou Dohmann.

Todos vão responder por falsificação de documentos públicos, uso de documentos falsos, corrupção ativa, corrupção passiva e formação de quadrilha, podendo pegar mais de 10 anos de prisão. Os acusados, que terão suas prisões provisórias requeridas à Justiça, vão ser investigados, ainda, pelo Núcleo de Lavagem de Dinheiro da Polícia Civil, já que alguns - como o dono da Extencion - têm patrimônios muito elevados, como casas e lanchas e carros de luxo, como uma BMW de R$ 350 mil, e duas Mercedes (uma de R$ 170 mil e outra de R$ 130 mil).

Segundo o delegado Fábio Cardoso, titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Saúde Pública, as investigações para descobrir a quadrilha que atuava no Hospital Municipal Salgado Filho, no Meier, e aplicara um golpe de R$ 6 milhões contra a prefeitura. Foram detectados documentos no hospital que mostravam médicos requisitando a compra de espirais de prata, que servem para colocar no cérebro de um paciente operado de aneurisma.

"Muitas vezes as operações não eram necessárias e os médicos as realizavam, somente para lucrar com a remessa da peça, que custa R$ 3 mil, e eles conseguiam vendê-las ou mandá-las para hospitais particulares, cobrando preços que variavam até R$ 5 mil. Operações em pacientes com aneurisma cerebral custavam aos cofres da prefeitura até R$ 30 mil e, em alguns casos, o paciente nem chegava a ser operado. Ele dava entrada no hospital com o problema, ficava curado com a medicação e os médicos forjavam documentos, nos quais diziam que ele havia sido submetido a uma cirurgia de risco", segundo informações do delegado Fábio Cardoso.

A documentação falsa era enviada pelo médico Carlos Henrique Ribeiro para Jorge Figueiredo Novaes, dono da Extencion, que assinava os contratos com a prefeitura para a compra do material que as vezes nem havia sido usados. O empresário conseguia receber o dinheiro da prefeitura para a compra do material e dividia o valor docontrato com os médicos, dando a cada um comissões que chegavam até a 15% do valor da compra.

"Muita gente enriqueceu com a desonestidade destes médicos e empresários", afirmou o delegado, que disse ter conseguido, ao começar as investigações para apurar a grande quantidade de espirais de prata para a operação de aneurisma, informações de que a quadrilha agia, da mesma forma, contra hospitais do Estado e do Governo Federal.

A polícia já localizou três pacientes que foram "operados" pelo neurocirurgião Carlos Henrique Ribeiro e suas operações custaram aos cofre do município R$ 30 mil, "uma coisa absurda", segundo o delegado. Uma das pessoas já foi localizada e ouvida pela polícia, dizendo ter sido submetida a uma opertação no Salgado Filho. Mas nas investigações, segundo o delegado, ela não sofreu nenhuma intervenção cirurgica. Ficou provado que ela, apenas, havia sido operada "no papel".

Em virtude das informações colhidas pelos policiais, todos os livros do Setor de Neurocirurgia do Hospital Salgado Filho desde 2007 foram apreendidos e vão ser examinados, para saber quantas operações foram realizadas, por quem e em quem. "Queremos saber se o golpe já vem sendo aplicado há algum tempo", relata o delegado.

Reportagem de BARTOLOMEU BRITO
Informaões Charles Rodrigues e Márcio Reis
O Dia / RJ

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