12.04.2011

As lições de Shakespeare sobre a mente

Pesquisa britânica afirma que o dramaturgo inglês já associava em sua obra sintomas físicos ao sofrimento mental

Mônica Tarantino

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A genialidade do dramaturgo e poeta inglês William Shakespeare (1564-1616) desafia os estudiosos há séculos. Personagens como o atormentado príncipe Hamlet, movido pelo desejo de vingar a morte do pai, têm sido investigados e interpretados pelas mais diversas perspectivas. Na semana passada, foi a vez de um professor de medicina britânico revisitar a obra do escritor por um prisma curioso e instigante: a forma como o autor explorou sintomas como desmaios, palidez, falta de ar e vertigens para ilustrar as aflições da mente dos seus personagens. Profundo conhecedor do universo do dramaturgo, o médico Kenneth Heaton, da Bristol University, na Inglaterra, leu e releu 42 peças do autor comparando-as a 46 textos de outros escritores do século XVI em busca de evidências de sintomas psicossomáticos. “De longe, Shakespeare é o escritor do seu tempo que mais menciona desmaios, calafrios, fadiga e outras sensações”, afirma o pesquisador.

Para exemplificar, ele cita as primeiras linhas da peça “O Mercador de Veneza”, em que o personagem Antonio relata aos amigos sua fadiga imensa e diz que não sabe por que se sente tão triste, que isso o cansa e também aos outros. O mesmo cansaço extremo é também uma característica de Hamlet. “A conexão corpo-mente em suas peças e poemas estava esquecida, mas é um aspecto de grande relevância”, disse Heaton à ISTOÉ. Ao todo, o médico contou pelo menos cinco manifestações de vertigens por personagens masculinos do dramaturgo, inseridas em peças como “Cymbeline”, “Troilus e Cressida” ou “Romeu e Julieta”. Há também 11 casos de falta de ar associados à emoção extrema. A perda temporária de sentidos como o olfato ou audição, amortecimento e calafrios são outras sensações empregadas para elevar a temperatura emo­cional das peças e poemas.
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LEITURA
O professor de literatura Frederico Barbosa diz que obras podem ajudar médicos
Nas conclusões do estudo, publicado em novembro da revista científica “Medical Humanities”, Heaton revela que os sintomas associados pelo dramaturgo aos colapsos emocionais estão entre as queixas que mais levam pacientes ao consultório de clínicos gerais. “Muitos médicos relutam em atribuir sintomas físicos a perturbações emocionais, o que resulta em retardo no diagnóstico, excesso de exames e tratamento inadequado”, afirma Heaton.

Concorda com ele a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da ISMA-Br, entidade internacional voltada para o estudo e gerenciamento do estresse. “Tenho visto casos em que o médico indica remédios contra a ansiedade para pacientes com sintomas para os quais ele não encontra causas físicas, como um cansaço extremo. O certo seria encaminhar a um psicólogo”, diz a especialista.

Ana Rossi alerta ainda para o desconhecimento que existe inclusive entre os profissionais de saúde sobre as manifestações físicas associadas a quadros emocionais. “Muitos médicos não sabem que tonturas e desmaios podem ser sintomas de uma ansiedade muito forte”, diz a psicóloga. “Escritores como Shakespeare e Machado de Assis fazem pensar na necessidade de os médicos reavaliarem a tendência à objetividade e examinar os pacientes de forma mais cuidadosa e sensível”, diz o professor de literatura Frederico Barbosa, diretor da Casa das Rosas, em São Paulo, e autor de vários livros de poemas, entre eles “Louco no Oco sem Beiras – Anatomia da Depressão” (Ateliê Ed., 2001).
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A contribuição de Machado de assis
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O escritor brasileiro Machado de Assis (1839-1908) está entre os grandes autores da literatura mundial. Menino pobre que vendeu balas nas ruas do Rio de Janeiro, mulato e epilético, ele muniu seus personagens de uma densidade psicológica que até hoje é motivo de estudos. No romance “Dom Casmurro”, publicado em 1900, a maneira de o narrador Bentinho interpretar os fatos guardados em sua memória, as suspeitas de traição e o ciúme doentio que nutre por Capitu revelam a percepção extrema do escritor sobre as perturbações da mente humana, antecipando transtornos que ainda viriam a ser descritos pela medicina. Outro exemplo está no final do livro, quando Bentinho questiona se na menina Capitu que ele conhecera já havia a mulher dissimulada que o teria traído, sugerindo distúrbios de personalidade e genéticos. “Em Bentinho se pode ver mecanismos de projeção que seriam identificados por Freud em seu livro “A Interpretação dos Sonhos”, publicado no mesmo ano, 1900”, diz o poeta e professor de literatura Frederico Barbosa, diretor da Casa das Rosas, em São Paulo. Mas há muitas outras situações em que Machado é precursor, como se pode ver em contos como “O Alienista” ou “O Anjo Gabriel”, no qual descreve um caso em que loucura igual acomete duas pessoas próximas, condição que a psiquiatria só reconheceria anos depois.

Ricardo

EM 03/12/2011 
O mais engraçado é que a maioria dos " jovens" médicos brasileiros, não generalizando, não estão lendo, do mesmo modo como estão sem uma leitura básica, pelo menos dos chamados clássicos, a maior parte dos educandos do Ensino médio. Que sirva de incentivo ao prazer da leitura.

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