1.04.2012

O que eu quero de você


Uma lista de desejos para quem não tem medo de correr riscos

Muito tempo atrás, quando o réveillon se aproximava, uma pessoa querida me perguntou o que eu esperava dela no ano que iria começar. Eu disse que não sabia, e era verdade. É verdade, também, que, desde então, eu aprendi alguma coisa. Percebi, com algum arrependimento, que havia, sim, coisas que eu deveria ter dito e que talvez tivessem nos ajudado. Mas tive preguiça, ou não tive coragem, e deixei a oportunidade passar. Hoje, acho que as coisas que eu não disse são importantes, e talvez não apenas para mim. Publico, portanto, a minha lista atrasada de desejos, escrita com a maior franqueza possível, esperando que ela seja útil para outros homens – e outras mulheres também:
A primeira coisa que eu desejo é que você continue sendo como é.
Parece bobagem, mas, à medida que as relações avançam, as pessoas se transformam. Elas vão se acomodando em papéis que substituem a personalidade complexa e rica que costumavam exibir no início do namoro - e que continuam a ter fora do casal. Eu estou falando, por exemplo, da garota que banca a menininha, enquanto o cara assume o papel de papai. Ou da mulher que passa a agir como mãe (carinhosa ou rabugenta), enquanto o namorado ou marido faz papel de filho. Penso na garota que começa a tratar o parceiro como o bobinho querido que não faz nada direito ou, do contrário, passa a venerá-lo como se ele fosse incapaz de errar. Penso no cara que se acomoda ao ciúme da mulher (ou vice-versa), e passa a viver como se a desconfiança doentia fosse uma parte natural da vida.
Eu não sei de onde vem isso, mas acontece. É como a preguiça que deixa o homem no sofá enquanto a mulher levanta para fazer a comida, ou o hábito de muitas mulheres de nunca mais guiar um automóvel depois que um homem entrou na vida delas. São acomodações, relaxamentos, auto-indulgências que a gente se permite, mas talvez devesse combater. Alguém vai dizer que essas atitudes revelam quem somos e que um bom relacionamento é, justamente, aquele que nos permite relaxar, sermos nós mesmos sem disfarces e sem afetações. Eu duvido. Acho que esse personagem sem graça que criamos nas relações duradouras não nos revela. Ele é apenas um pedaço bobo e infantil de nós mesmos. Então, apesar do conforto que eu sinto ao seu lado, não tenho a menor vontade de virar um chinelo velho, um apelido ridículo, uma piada repetida no almoço de domingo. Quero continuar sendo eu mesmo - e não quero que você vire a caricatura da mulher que eu conheci.
A outra coisa que eu desejo é que você respeite a minha solidão.
Quando a gente está num relacionamento, é comum ter vontade de exigir a atenção do outro o tempo inteiro. “Me escuta, olha para mim, fala comigo, pega a minha mão, não me ignora.” Pode ser bonitinho, mas não é razoável. É importante poder ficar longe, mesmo estando na presença um do outro – estar quieto, lendo, trabalhando ou apenas imerso em si mesmo. É igualmente importante poder fazer coisas sozinho, entrar no cinema ou caminhar pela rua sem estar de mãos dadas. A cumplicidade, embora essencial, não nos transforma em uma única pessoa, e isso é bom. Mesmo apaixonados, ainda precisamos boiar sozinhos no mar interior e você não deveria se assustar com isso. Entenda como uma oportunidade de estar na sua, de forma segura: eu estou aqui, você conta comigo permanentemente, minha mão está ao alcance da sua. Mas, às vezes, vou exigir distância e solidão – e é importante que você compreenda isso.
Não quero ser o eterno pagador das contas.
Sei que ainda é mais difícil para as mulheres do que para os homens ganhar dinheiro, mas, acredite levar a vida nas costas, sem expectativa de rodízio, tampouco é a coisa mais relaxante do mundo. Homens sofrem e se arrebentam com isso. Morrem jovens ou se estropiam com o estresse da situação. Eles não podem ser demitidos, não podem falhar, não podem ser passados para trás. Quem vai pagar a escola das crianças e o plano de saúde da vovó? Num mundo em que as mulheres estudam, competem e também mandam, essa situação patriarcal deixou de ser natural e caminha rapidamente para se tornar intolerável.
Outro dia, vi na internet um vídeo em que um escritor que eu admiro, morto recentemente – o Christopher Hitchens -, dizia que não achava que as mulheres precisavam trabalhar. Se quisessem, tudo bem, mas não precisavam, pelo menos não a mulher dele. Fiquei chocado. Mais ainda quando mulheres que eu conheço começaram a dizer que era isso mesmo. Caramba: no século XXI, depois de toda a merda que deixamos para trás, há pessoas adultas que ainda sonham em viver sem fazer nada, como sinhazinhas do Brasil escravocrata. Quem vai ralar em dobro e morrer de enfarte antes dos 50 para satisfazer esse desejo? Eu não, meu amor. Espero que você compreenda e nos ajude a superar esse arcaísmo.
Finalmente, quero que você aceite correr riscos.
Quando nos conhecemos, eu escolhi você – e fui escolhido – em meio a um monte de outras pessoas. Essa opção não mudou e não mudará enquanto houver carinho e intensidade entre nós. Mas uma coisa, sim, mudou inteiramente: passamos a evitar as tentações da multidão. Um pacto de medo fez com que passássemos a evitar pessoas e situações que nos causam insegurança. Vamos ser francos: não é apenas aquele ex que incomoda, mas uma listinha de pessoas que parece crescer a cada ano, assim como a relação das situações que precisam ser evitadas. Ouvi uma amiga dizer outro dia: ir ao cinema com outra mulher é traição. Seria mesmo? Almoçar, passear, rir, fazer compras, se emocionar fora da relação, esses são todos atos de deslealdade? Não acho que sejam, não podem ser. O mundo, o nosso mundo, precisa ser maior do que isso.
Por isso eu falo de aceitar riscos. Quero que você entenda, e me ajude a entender, que ter alguém não significa não ter mais ninguém ao redor. Às vezes você vai querer jantar com um amigo ou terá desejo de ir a uma festa sem mim. Tudo bem, porque eu também tenho vontade de fazer essas coisas. Há riscos? Claro, eles estão por toda parte. As pessoas são encantadoras, bonitas, sensuais. Mas você e eu temos um pacto, explícito ou não, com ou sem data de validade, que nos mantém unidos e leais um ao outro. No dia em que ele deixar de ser válido, a gente senta e reconversa. Até lá, vamos viver sem medo. Ou enfrentá-lo.
Por Ivan Martins

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