Como prova de amor, jovens apaixonados compartilham senhas
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MATT RICHTEL
DO "NEW YORK TIMES"
Os casais jovens há muito demonstram sua devoção mútua de diversas maneiras --uma peça de roupa emprestada que vira presente, uma troca de anéis ou de pulseiras de identificação. DO "NEW YORK TIMES"
A era digital deu origem a um costume mais íntimo. Tornou-se moda entre jovens expressar afeto pela revelação de senhas de e-mail, Facebook e outras contas. Namorados e namoradas muitas vezes usam senhas idênticas e permitem acesso mútuo às suas mensagens e textos pessoais.
Eles dizem saber que esse tipo de envolvimento acarreta riscos, porque um relacionamento que se deteriore pode levar uma pessoa a usar os segredos da outra para prejudicá-la. Mas isso, dizem, é parte do que torna tão poderoso o simbolismo da senha compartilhada.
Drew Kelly/The New York Times | ||
A universitária Alexandra Radford, 20, compartilhou senhas com um namorado quando estava no colegial |
"Ah, que bonitinho", diz Cherry Ng, 16, ao ouvir a declaração da amiga a um repórter diante de sua escola, em San Francisco. "Eles realmente confiam um no outro."
Caradang, 17, confirma. "Tenho certeza de que ele não faria coisa alguma que pudesse prejudicar a minha reputação."
Mas as coisas nem sempre terminam tão bem, claro. Mudar uma senha é simples, mas estudantes, conselheiros educacionais e pais dizem que o estrago muitas vezes acontece antes que a senha seja mudada,e que o compartilhamento tão estreito de uma vida on-line pode até causar o fracasso de um relacionamento.
As histórias negativas sobre a prática incluem a de um namorado abandonado que aproveitou o acesso ao e-mail de sua ex-namorada para contar seus segredos e humilhá-la em público, tensões entre namorados em função de mensagens reviradas à procura de sinais de deslealdade ou infidelidade, ou uso do celular de um amigo do qual a pessoa conhece a senha para enviar mensagens de texto ameaçadoras a terceiros.
A escritora Rosalind Wiseman, que estuda as formas de uso da tecnologia pelos adolescentes, diz que a pressão pelo compartilhamento de senhas é semelhante à pressão por sexo. "A atitude é a mesma: se estamos em um relacionamento, você deveria me dar tudo", diz Wiseman.
Em 2011, uma pesquisa do instituto Pew constatou que 30% dos adolescentes que usavam a internet regularmente tinham revelado suas senhas a amigos, namorados ou namoradas. O estudo, com 770 adolescentes entre 12 e 17 anos, constatou que a probabilidade de uma menina revelar sua senha é quase duas vezes maior do que a de um menino fazê-lo. E em mais de duas dúzias de entrevistas com pais, estudantes e conselheiros, foi possível constatar que a prática é bastante comum.
Em um recente artigo para o site de tecnologia Gizmodo, o editor Sam Biddle classificou a revelação de senhas como um dos marcos da intimidade do século 21 e ofereceu conselhos a casais e amigos para que evitem percalços da prática.
"Conheci muitos casais cujas senhas foram compartilhadas, e nenhum deles não se arrepende de tê-lo feito", disse Biddle em entrevista, acrescentando que a prática inclui uma ameaça latente de destruição mútua caso um dos dois se comporte mal. "É o tipo de simbolismo que sempre termina em encrenca."
Saeed Khan/France-Presse | ||
Estudantes pedem para um amigo alterar a senha do Facebook e só revelar a nova combinação após os exames |
Alexandra Radford, 20, aluna da Universidade do Estado de San Francisco, disse que adotou a prática diversas vezes, com um grupo de amigos, em períodos de exames. Uma das amigas insistiu em saber a senha nova antes do final dos exames, mas Radford se manteve firme.
"Depois dos exames, eu lhe dei a senha nova", conta. "E ela me agradeceu muito. Sabia que eu tinha feito o certo ao não revelar a senha nova."
Mas Radford não demonstra igual entusiasmo quanto às senhas que revelou a um namorado em sua época de segundo grau. Os dois chegaram a mudar suas senhas para refletir o namoro. A dela passou a ser ILoveKevin, e a dele, ILoveAly.
"Nós decidimos fazê-lo para podermos ler as mensagens um do outro, porque eu não confiava nele, o que não era nada saudável", ela admite.
Os conselheiros escolares costumam alertar contra a prática, e muitos pais dizem aos filhos que é mais sensato manter a privacidade de suas senhas. Winifred Lender, psicóloga infantil em Santa Barbara, redigiu "contratos digitais" que seus três filhos tiveram de assinar, impondo limites ao consumo de mídia e ao comportamento on-line e vetando a revelação de senhas. Ainda assim, ela conta que uma amiga de seu filho de 14 anos recentemente pediu que ele revelasse sua senha.
"Ele respondeu que revelaria sua senha depois que ela revelasse a dela", disse Lender.
Emily Cole, 16, de Glastonbury, Connecticut, sentiu o quanto dói ter a confiança traída quando estava na sétima série e revelou sua senha ao seu primeiro namorado.
Depois, ela começou a gostar de outra aluna e enviou um e-mail a ela. O namorado leu o e-mail e começou a espalhar boatos pela escola, chamando-a de "pervertida".
Cole disse que ficou muito magoada. Mas, a despeito do ocorrido, disse que não hesitaria em revelar sua senha ao novo namorado.
"Sei que parece estranho, mas nosso relacionamento é diferente", diz. "Não estamos na sétima série. Confio nele de modo diferente, suponho."
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Não são poucos os casais para os quais e-mails, MSN, Orkut, Facebook e Twitter é um território de acesso livre para ambos.
Ângela (todos os nomes são fictícios), 17, e João, 19, de São Paulo, compartilham senhas desde o começo do namoro, em agosto de 2010.
Assim como Cristine, 17, e Ronaldo, 20, de Mogi das Cruzes (SP), juntos desde novembro de 2009. Os dois se conheceram através de uma comunidade do Orkut.
O compartilhamento de senhas pessoais é um sintoma dos novos parâmetros que a internet trouxe para namoros e amizades.
Para Ângela, ceder o acesso a algo privado é uma prova de fidelidade. "Se eu não devo nada, não tenho o que temer", diz.
Ronaldo alega que o acesso de Cristine ao seu e-mail ajuda no trabalho. "Uso pouco o e-mail, então ela me avisa de coisas urgentes e limpa a minha caixa".
Mas, como tudo na vida, liberdade também tem um preço. Dos cinco casais ouvidos pelo "Folhateen", todos relataram brigas motivadas por "e-mails indevidos".
Um colega que chama por algum apelido carinhoso, uma ex-namorada saudosa que tenta se reaproximar ou um amigo convidando para um programa justo no dia que o casal havia marcado de se ver: tudo pode se tornar motivo para desentendimentos.
No caso de Rafael Costa, 22, estudante de jornalismo de Brasília, liberdade demais causou um trauma.
Durante um ano e meio de namoro (entre 2009 e 2011) com Susana, 17, que morava em Minas Gerais, ele compartilhou senhas de e-mails e de perfis em redes sociais.
"De tanto ler e-mails e conversas de MSN um do outro, nos ocupamos mais em vigiar do que em namorar", conta ele, que, a pedido da então namorada, teve de escolher entre ela e os amigos. "Optei pelos amigos, que me cobravam menos."
DOS EXCESSOS
Situações extremas são um dos riscos que a psicanalista Luciana Saddi, 49, aponta quando se mantem uma relação baseada nesse compartilhamento.
"Ciúme demais pode virar paranoia. A idealização de um relacionamento perfeito, muito comum na adolescência, pode sofrer um choque de realidade quando se depara com algo desagradável como um e-mail mais carinhoso de um colega de escola", alerta Saddi.
Para Anna Paula Mallet, 42, psicóloga da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), conceitos como privacidade e fidelidade vem se modificando.
"Aos poucos, a única privacidade que é mantida para o adolescente é em relação aos seus pais, que geralmente são obsoletos no que se refere aos novos tipos de comunicação", analisa Mallet.
Dentre os casais ouvidos pelo "Folhateen", nenhum deles contou aos pais que divide senhas. O que não faz desse compartilhamento algo proibido ou errado.
"É uma oportunidade de cada casal testar limites e saber com quais consequências pode arcar. E também de amadurecer afetivamente", diz Luciana, que acrescenta: "Crescer é assumir responsabilidades."
Adolescentes abrem mão da privacidade e dividem senhas na web
RODRIGO LEVINO
Que a internet mudou as relações sociais é algo que não se discute. A privacidade se tornou negociável e compartilhar virou regra. Mesmo senhas pessoais. Não são poucos os casais para os quais e-mails, MSN, Orkut, Facebook e Twitter é um território de acesso livre para ambos.
Ângela (todos os nomes são fictícios), 17, e João, 19, de São Paulo, compartilham senhas desde o começo do namoro, em agosto de 2010.
Assim como Cristine, 17, e Ronaldo, 20, de Mogi das Cruzes (SP), juntos desde novembro de 2009. Os dois se conheceram através de uma comunidade do Orkut.
Arte/Folhapress | ||
Para Ângela, ceder o acesso a algo privado é uma prova de fidelidade. "Se eu não devo nada, não tenho o que temer", diz.
Ronaldo alega que o acesso de Cristine ao seu e-mail ajuda no trabalho. "Uso pouco o e-mail, então ela me avisa de coisas urgentes e limpa a minha caixa".
Mas, como tudo na vida, liberdade também tem um preço. Dos cinco casais ouvidos pelo "Folhateen", todos relataram brigas motivadas por "e-mails indevidos".
Um colega que chama por algum apelido carinhoso, uma ex-namorada saudosa que tenta se reaproximar ou um amigo convidando para um programa justo no dia que o casal havia marcado de se ver: tudo pode se tornar motivo para desentendimentos.
No caso de Rafael Costa, 22, estudante de jornalismo de Brasília, liberdade demais causou um trauma.
Durante um ano e meio de namoro (entre 2009 e 2011) com Susana, 17, que morava em Minas Gerais, ele compartilhou senhas de e-mails e de perfis em redes sociais.
"De tanto ler e-mails e conversas de MSN um do outro, nos ocupamos mais em vigiar do que em namorar", conta ele, que, a pedido da então namorada, teve de escolher entre ela e os amigos. "Optei pelos amigos, que me cobravam menos."
DOS EXCESSOS
Situações extremas são um dos riscos que a psicanalista Luciana Saddi, 49, aponta quando se mantem uma relação baseada nesse compartilhamento.
"Ciúme demais pode virar paranoia. A idealização de um relacionamento perfeito, muito comum na adolescência, pode sofrer um choque de realidade quando se depara com algo desagradável como um e-mail mais carinhoso de um colega de escola", alerta Saddi.
Para Anna Paula Mallet, 42, psicóloga da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), conceitos como privacidade e fidelidade vem se modificando.
"Aos poucos, a única privacidade que é mantida para o adolescente é em relação aos seus pais, que geralmente são obsoletos no que se refere aos novos tipos de comunicação", analisa Mallet.
Dentre os casais ouvidos pelo "Folhateen", nenhum deles contou aos pais que divide senhas. O que não faz desse compartilhamento algo proibido ou errado.
"É uma oportunidade de cada casal testar limites e saber com quais consequências pode arcar. E também de amadurecer afetivamente", diz Luciana, que acrescenta: "Crescer é assumir responsabilidades."
Arte/Folhapress | ||
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