3.12.2012

Farmanguinhos desenvolve antirretroviral infantil.

Antirretroviral
Testes clínicos devem começar no segundo semestre deste ano
As crianças que vivem com HIV/Aids poderão contar em breve com um antirretroviral desenvolvido por Farmanguinhos exclusivamente para a população pediátrica (até os 13 anos de idade). Os estudos, que vêm sendo realizados pelos laboratórios da Coordenação de Vigilância e Serviços Tecnológicos do Instituto, há cerca de três anos, estão na etapa final. Os testes clínicos, ou seja, em humanos, começam no segundo semestre deste ano e envolvem seis centros de pesquisas clínicas do país. A expectativa é de que em aproximadamente três anos o novo antirretroviral esteja disponível para as crianças.

Trata-se de um medicamento em dose fixa combinada que associa em um único comprimido três princípios ativos - Lamivudina 30mg + Zidovudina 60mg + Nevirapina 50mg.  Com o objetivo de facilitar a adesão das crianças, a administração é simples: o comprimido deverá ser dissolvido em uma pequena quantidade de água para ser ingerido. A iniciativa de Farmanguinhos vem ao encontro da política da Organização Mundial da Saúde – OMS – de estimular o desenvolvimento de medicamentos mais adequados aos pacientes pediátricos.

Vários são os benefícios da formulação em dose fixa combinada. O aumento da adesão ao tratamento possibilita maior eficácia, já que em vez de três, a criança passa a tomar somente um comprimido. Além disso, é mais fácil dispensar, transportar, armazenar e administrar. Outra vantagem é a redução de custos operacionais no processo produtivo.

Os objetivos da terapia antirretroviral são maximizar a supressão da carga viral, restaurar o sistema imune, retardar a progressão da doença e aumentar a sobrevida do paciente. A farmacêutica Marli Melo da Silva, do Departamento de Pesquisas Clínicas da unidade, e que participa da coordenação do estudo clínico, destaca que para o alcance dos objetivos terapêuticos são recomendados o uso de pelo menos três fármacos ativos, geralmente de duas classes diferentes, reduzindo a resistência do HIV. “Outra vantagem é que essa formulação dispersível dá mais garantia sobre a dose de princípio ativo, ao contrário do que ocorre quando se divide comprimidos para as crianças”. Além disso, esse antirretroviral foi elaborado como uma formulação edulcorada, ou seja, de sabor agradável, para disfarçar o gosto amargo dos três fármacos.

Atualmente, o Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS) distribui 16 tipos de antirretrovirais para os pacientes infantis, que variam em apresentação farmacêutica e concentração de acordo com a faixa etária. A maioria não foi estudada em populações pediátricas e somente tem registro na Anvisa para adultos ou crianças acima de determinadas idades. Por outro lado, a farmacocinética difere pouco em relação aos adultos. O estabelecimento das doses próprias para cada idade/peso corporal, com dados de segurança e eficácia, é resultado dos ensaios clínicos nessa faixa etária. Segundo a pesquisadora, no momento, as drogas prescritas para a população infantil são as mesmas ministradas em adultos. “A diferença é a diminuição da dosagem, que varia de acordo com a superfície corporal. No entanto, não é levada em consideração a complexidade do metabolismo dos pacientes pediátricos. Sob o ponto de vista farmacológico, crianças não são adultos pequenos”, observa.

Os testes clínicos avaliam o comportamento do organismo sob o efeito dos fármacos num determinado período. Um trabalho que requer paciência, já que os voluntários devem se enquadrar em uma série de requisitos como, por exemplo, níveis de carga viral e anticorpos, faixa etária, peso e altura. Devido à dificuldade em recrutar pacientes com as características estabelecidas nos protocolos, o antirretroviral de Farmanguinhos será testado em seis diferentes centros localizados nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

O Ministério da Saúde (MS) informa que a maior diferença entre antirretrovirais infantis e adultos disponíveis está na apresentação farmacêutica: até os seis anos de idade as crianças contam com remédios líquidos. A partir dos seis e oito anos, os pequenos já conseguem engolir comprimidos menores, em doses próprias para seu peso corporal. Marli Melo ressalta que a medicina baseada em evidências tem sido ponto de referência de uma boa prática clínica. Entretanto, as crianças são excluídas dessa prática, uma vez que os tratamentos não foram cientificamente avaliados nesse grupo. “A ausência de estudos clínicos pediátricos representa um dilema ético para o profissional responsável pela saúde dos menores, os medicamentos acabam sendo ministrados sem a garantia de serem adequados às necessidades de cada grupo etário”.

Medicamentos adequados para as crianças é meta global
Além das questões éticas e operacionais citadas pela farmacêutica, o fator econômico também é outro entrave capaz de determinar a viabilidade do desenvolvimento de novos antirretrovirais infantis.  Segundo o MS, raros são os estudos de segurança e eficácia em pacientes pediátricos, uma vez que a população de crianças infectadas pelo HIV é inferior a de adultos. A conseqüência é o menor interesse das indústrias farmacêuticas em investir em pesquisas para esse fim, visto que o retorno financeiro não é atraente.

Em maio de 2007, a Assembléia Mundial da Saúde estabeleceu metas e ações sobre medicamentos melhores para as crianças. Uma das prioridades globais é a redução da mortalidade infantil e a ampliação do acesso a drogas específicas para elas. O objetivo é que os governos intensifiquem os esforços de como lidar com a necessidade de medicamentos para uso pediátrico. Para atingir este propósito, a OMS e agências regulatórias procuram incentivar os laboratórios farmacêuticos.

Em alguns países essa discussão já tem surtido efeito. A União Européia (bloco político e econômico com mais de vinte países), por exemplo, aprovou a ampliação para seis meses as patentes de laboratórios que desenvolverem testes seguros para medicamentos pediátricos. Além disso, somente as indústrias que cumprirem critérios estritos poderão comercializá-los.

Taxa de incidência cai no Brasil, mas ainda é alta no mundo
Dados preliminares, divulgados pelo Ministério em 2010, revelam que de 1980 a 2010 o Brasil registrou aproximadamente 14 mil casos de HIV em indivíduos menores de 13 anos. Atualmente, estima-se que cerca de 4 mil crianças nessa faixa etária estejam em terapia antirretroviral. Segundo informações do MS, apesar da incidência no país, esses números têm caído gradualmente ao longo dos últimos cinco anos. Por outro lado, em todo o mundo, há aproximadamente 2,5 milhões de pessoas menores de 15 anos vivendo com o vírus HIV.

A principal forma de contaminação das crianças é por via vertical (de mãe para filho, durante a gestação, no parto ou por aleitamento), que responde por quase 90% dos casos dessa faixa etária no Brasil. Segundo Marli Melo, neste caso, esse tipo de transmissão pode diminuir. “Dados mostram que quando a assistência à gestante é feita de forma adequada e eficiente, a taxa de transmissão do vírus cai a menos de 1%”, assinala.

O Ministério da Saúde recomenda, dentre outras, as seguintes etapas do protocolo de prevenção da transmissão vertical: terapia antirretroviral com três medicamentos para todas as gestantes infectadas pelo HIV, AZT (Zidovudina) injetável durante o parto, cesariana eletiva para gestantes com carga viral do HIV alta, e não amamentar os recém-nascidos de mães HIV positivo.


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