As crianças que vivem com HIV/Aids
poderão contar em breve com um antirretroviral desenvolvido por
Farmanguinhos exclusivamente para a população pediátrica (até os 13 anos
de idade). Os estudos, que vêm sendo realizados pelos laboratórios da
Coordenação de Vigilância e Serviços Tecnológicos do Instituto, há cerca
de três anos, estão na etapa final. Os testes clínicos, ou seja, em
humanos, começam no segundo semestre deste ano e envolvem seis centros
de pesquisas clínicas do país. A expectativa é de que em aproximadamente
três anos o novo antirretroviral esteja disponível para as crianças.
Trata-se de um medicamento em dose fixa
combinada que associa em um único comprimido três princípios ativos -
Lamivudina 30mg + Zidovudina 60mg + Nevirapina 50mg. Com o objetivo de
facilitar a adesão das crianças, a administração é simples: o comprimido
deverá ser dissolvido em uma pequena quantidade de água para ser
ingerido. A iniciativa de Farmanguinhos vem ao encontro da política da
Organização Mundial da Saúde – OMS – de estimular o desenvolvimento de
medicamentos mais adequados aos pacientes pediátricos.
Vários são os benefícios da formulação
em dose fixa combinada. O aumento da adesão ao tratamento possibilita
maior eficácia, já que em vez de três, a criança passa a tomar somente
um comprimido. Além disso, é mais fácil dispensar, transportar,
armazenar e administrar. Outra vantagem é a redução de custos
operacionais no processo produtivo.
Os objetivos da terapia antirretroviral
são maximizar a supressão da carga viral, restaurar o sistema imune,
retardar a progressão da doença e aumentar a sobrevida do paciente. A
farmacêutica Marli Melo da Silva, do Departamento de Pesquisas Clínicas
da unidade, e que participa da coordenação do estudo clínico, destaca
que para o alcance dos objetivos terapêuticos são recomendados o uso de
pelo menos três fármacos ativos, geralmente de duas classes diferentes,
reduzindo a resistência do HIV. “Outra vantagem é que essa formulação
dispersível dá mais garantia sobre a dose de princípio ativo, ao
contrário do que ocorre quando se divide comprimidos para as crianças”.
Além disso, esse antirretroviral foi elaborado como uma formulação
edulcorada, ou seja, de sabor agradável, para disfarçar o gosto amargo
dos três fármacos.
Atualmente, o Sistema Único de Saúde do
Brasil (SUS) distribui 16 tipos de antirretrovirais para os pacientes
infantis, que variam em apresentação farmacêutica e concentração de
acordo com a faixa etária. A maioria não foi estudada em populações
pediátricas e somente tem registro na Anvisa para adultos ou crianças
acima de determinadas idades. Por outro lado, a farmacocinética difere
pouco em relação aos adultos. O estabelecimento das doses próprias para
cada idade/peso corporal, com dados de segurança e eficácia, é resultado
dos ensaios clínicos nessa faixa etária. Segundo a pesquisadora, no
momento, as drogas prescritas para a população infantil são as mesmas
ministradas em adultos. “A diferença é a diminuição da dosagem, que
varia de acordo com a superfície corporal. No entanto, não é levada em
consideração a complexidade do metabolismo dos pacientes pediátricos.
Sob o ponto de vista farmacológico, crianças não são adultos pequenos”,
observa.
Os testes clínicos avaliam o
comportamento do organismo sob o efeito dos fármacos num determinado
período. Um trabalho que requer paciência, já que os voluntários devem
se enquadrar em uma série de requisitos como, por exemplo, níveis de
carga viral e anticorpos, faixa etária, peso e altura. Devido à
dificuldade em recrutar pacientes com as características estabelecidas
nos protocolos, o antirretroviral de Farmanguinhos será testado em seis
diferentes centros localizados nos estados de Minas Gerais, Rio de
Janeiro e São Paulo.
O Ministério da Saúde (MS) informa que a
maior diferença entre antirretrovirais infantis e adultos disponíveis
está na apresentação farmacêutica: até os seis anos de idade as crianças
contam com remédios líquidos. A partir dos seis e oito anos, os
pequenos já conseguem engolir comprimidos menores, em doses próprias
para seu peso corporal. Marli Melo ressalta que a medicina baseada em
evidências tem sido ponto de referência de uma boa prática clínica.
Entretanto, as crianças são excluídas dessa prática, uma vez que os
tratamentos não foram cientificamente avaliados nesse grupo. “A ausência
de estudos clínicos pediátricos representa um dilema ético para o
profissional responsável pela saúde dos menores, os medicamentos acabam
sendo ministrados sem a garantia de serem adequados às necessidades de
cada grupo etário”.
Medicamentos adequados para as crianças é meta global
Além das questões éticas e operacionais
citadas pela farmacêutica, o fator econômico também é outro entrave
capaz de determinar a viabilidade do desenvolvimento de novos
antirretrovirais infantis. Segundo o MS, raros são os estudos de
segurança e eficácia em pacientes pediátricos, uma vez que a população
de crianças infectadas pelo HIV é inferior a de adultos. A conseqüência é
o menor interesse das indústrias farmacêuticas em investir em pesquisas
para esse fim, visto que o retorno financeiro não é atraente.
Em maio de 2007, a Assembléia Mundial da
Saúde estabeleceu metas e ações sobre medicamentos melhores para as
crianças. Uma das prioridades globais é a redução da mortalidade
infantil e a ampliação do acesso a drogas específicas para elas. O
objetivo é que os governos intensifiquem os esforços de como lidar com a
necessidade de medicamentos para uso pediátrico. Para atingir este
propósito, a OMS e agências regulatórias procuram incentivar os
laboratórios farmacêuticos.
Em alguns países essa discussão já tem
surtido efeito. A União Européia (bloco político e econômico com mais de
vinte países), por exemplo, aprovou a ampliação para seis meses as
patentes de laboratórios que desenvolverem testes seguros para
medicamentos pediátricos. Além disso, somente as indústrias que
cumprirem critérios estritos poderão comercializá-los.
Taxa de incidência cai no Brasil, mas ainda é alta no mundo
Dados preliminares, divulgados pelo
Ministério em 2010, revelam que de 1980 a 2010 o Brasil registrou
aproximadamente 14 mil casos de HIV em indivíduos menores de 13 anos.
Atualmente, estima-se que cerca de 4 mil crianças nessa faixa etária
estejam em terapia antirretroviral. Segundo informações do MS, apesar da
incidência no país, esses números têm caído gradualmente ao longo dos
últimos cinco anos. Por outro lado, em todo o mundo, há aproximadamente
2,5 milhões de pessoas menores de 15 anos vivendo com o vírus HIV.
A principal forma de contaminação das
crianças é por via vertical (de mãe para filho, durante a gestação, no
parto ou por aleitamento), que responde por quase 90% dos casos dessa
faixa etária no Brasil. Segundo Marli Melo, neste caso, esse tipo de
transmissão pode diminuir. “Dados mostram que quando a assistência à
gestante é feita de forma adequada e eficiente, a taxa de transmissão do
vírus cai a menos de 1%”, assinala.
O Ministério da Saúde recomenda, dentre
outras, as seguintes etapas do protocolo de prevenção da transmissão
vertical: terapia antirretroviral com três medicamentos para todas as
gestantes infectadas pelo HIV, AZT (Zidovudina) injetável durante o
parto, cesariana eletiva para gestantes com carga viral do HIV alta, e
não amamentar os recém-nascidos de mães HIV positivo.
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