Como montar seu prato
A combinação correta dos alimentos aumenta nossa capacidade de aproveitar o melhor de seus nutrientes.
A importância da combinação entre alimentos voltou a ganhar força nos últimos anos com o aumento do número de estudos. “A eficácia de certas combinações é comprovada”, afirma Steven Schwartz, pesquisador de ciência dos alimentos na Universidade de Ohio. “Um exemplo é a união do tomate ou da cenoura com a gordura presente em comidas como o abacate. Quando consumidos juntos, esses alimentos reduzem a ação das substâncias chamadas radicais livres, que aceleram o envelhecimento das células.” Diferentemente de outras dietas famosas, que ainda levantam polêmica sobre sua eficácia para a saúde, a sinergia entre alimentos é apoiada por diferentes linhas de pesquisa. Médicos e nutricionistas concordam que, em muitos casos, comer dois nutrientes numa mesma refeição aumenta o aproveitamento de um deles. “Alguns alimentos precisam necessariamente de outros para ser absorvidos”, diz Renata Cintra, professora do instituto de biociências da Unifesp.
A ciência da combinação dos alimentos começa a chegar às mesas de restaurantes. Foi criado nos Estados Unidos, no fim do ano passado, um selo para cozinhas que investem em misturas saudáveis, o SPE, abreviação do latim Sanitas per escam (algo como “saúde por meio da comida”). Seu criador, o belga Emmanuel Verstraeten, pesquisou durante dez anos combinações de alimentos na cozinha de seu restaurante, o Rouge Tomate, em Bruxelas. Ao levar seu restaurante para Nova York, Emmanuel se uniu aos pesquisadores Eric Rimm, de Harvard, Jeffrey Blumberg, da Escola de Medicina de Tufts, e John Foreyt, da Escola de Medicina de Baylor, ambas nos EUA, para criar combinações que ajudem os nutrientes dos pratos e tenham menos gordura, sal e açúcar. Ele conseguiu montar um cardápio sem descuidar do sabor. Seu Rouge Tomate está entre os restaurantes recomendados pelo conceituado guia de gastronomia Michelin. De quebra, Emmanuel criou um novo negócio: presta consultoria para restaurantes que queiram ajustar seus menus às combinações propostas pelo selo. Ele cobra, em média, R$ 600 por prato. Nos EUA, mais seis restaurantes conseguiram o certificado, e outros 15 estão com o processo em andamento.
No Brasil, ainda não existe iniciativa parecida com o SPE. A última tentativa de estimular a adoção de escolhas mais saudáveis nos restaurantes falhou. Em 2009, o Conselho de Nutricionistas de São Paulo criou um certificado para restaurantes com um nutricionista na equipe. “A maioria dos donos de restaurantes acha um custo desnecessário”, diz Maria Lúcia Tafuri Garcia, presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição. O certificado foi abolido no ano passado.
Mas há restaurantes que cuidam da combinação de nutrientes. A chef Tatiana Cardoso, formada pela Natural Cookery School, em Nova York, é uma delas. “Pensar em combinar os nutrientes adequados é nutrição básica. Mas quase ninguém se lembra disso”, afirma. Tatiana comanda as cozinhas do Moinho de Pedra e do Natural com Arte, em São Paulo. O paulistano Renato Caleffi, chef do Le Manjue Bistrô, conta com a ajuda de um nutricionista para montar seus pratos. O arroz amazônico, um dos mais pedidos, mistura pirarucu em cubos grelhado com três tipos de arroz: cateto, vermelho e negro integral. Leva ainda pequi, espinafre, castanha-de-caju, salsa, tomate-cereja e azeite. O ferro do espinafre é absorvido com a ajuda da vitamina C da salsa; o licopeno do tomate, com o auxílio do azeite; e a gordura do pirarucu ajuda a diluir as vitaminas da castanha e do pequi. “A comida precisa ser pensada como uma forma de obter saúde”, diz Renato.
TERAPIA ALIMENTAR
Uma combinação campeã são alimentos ricos em gordura (como azeite, castanhas e abacate) com as fontes de vitaminas A (do agrião), E (do brócolis), D (do salmão) e K (da couve-flor). São ingredientes que muitas vezes andam juntos nas receitas do dia a dia. Além de gostosa, agora se sabe que a combinação também é boa para a saúde. “Essa mistura é eficaz porque essas vitaminas precisam ser dissolvidas na gordura para uma melhor absorção pelo intestino”, diz Linda Antinoro, nutricionista do hospital Brigham and Women’s, em Boston. Muitas dessas duplas de alimentos parecem eficazes no combate às células cancerígenas. Diferentes estudos sugerem que sua ingestão é aconselhável para quem trata algum tipo de câncer ou tenha predisposição à doença. A ingestão de um nutriente presente nas maçãs (a quercetina) aumenta a capacidade de outro encontrado nas framboesas (o antioxidante elágico) para destruir células cancerígenas. A combinação de uma substância presente no chá-verde (a catequina) com a vitamina C encontrada no suco de limão tem efeito similar. A vitamina C também pode fazer par com outra substância. Quando consumida com aveia ou cenoura (ricos em ácido fenólico), atua de forma mais rápida e eficaz para combater o colesterol ruim, que pode entupir as artérias (LDL). Isso é importante para pessoas com doenças coronárias ou histórico de derrames.
Um desses estudos, conduzido pela Universidade de Illinois e publicado na revista científica Cancer Research, trata dos benefícios da combinação de tomates e brócolis para quem tem câncer de próstata. Os cientistas de alimentos John Erdman e Kirstie Canene-Adams alimentaram ratos com células cancerígenas com uma dieta composta de 10% de tomate e 10% de brócolis. Outros ratos comeram esses alimentos separados, ou apenas suplementos com seus princípios ativos. Depois de 22 semanas, os ratos com dieta combinada de brócolis e tomate tinham os menores tumores. “Homens mais velhos com câncer de próstata que optaram por observar a evolução da doença antes da químio ou da radiação devem considerar seriamente a inclusão de mais brócolis e tomate em suas dietas”, afirma Kirstie. As pesquisas sobre combinações de alimentos consideram apenas os ingredientes naturais, não suplementos nem vitaminas em cápsulas. Os estudos do pesquisador David Jacob, da Universidade de Minnesota, mostram por quê. Ele afirma que a interação existe até mesmo dentro de um único ingrediente. “Cada alimento tem milhares de componentes. Eles são digeridos pelo corpo em sequências que ajudam na absorção dos nutrientes, ou para evitar componentes ruins”, diz. Como as nozes, ricas em propriedades antioxidantes que protegem contra as gorduras do próprio alimento.
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