Isabel Clemente
- Por que você faz isso? – eu quis saber.
- Por que você faz isso? – ela repetiu.
Eu ri. Ela riu. Eu a olhei mais profundamente. Ela me olhou também.
- Agora fala para mim, o que você acha engraçado?
- Agora fala para mim, o que você acha engraçado?
Daí seguimos uma sequência de caras, bocas e caretas para ver se ela desconcentra, e nada. Até que eu deito, fico bem quieta e digo “agora vou dormir”. O “agora vou dormir” dela não tem o mesmo significado, claro. Espio com o canto do olho, e flagro os dela abertos.
- Você é engraçada.
- Você também.
- Parecida comigo…né?
Ela assente com a cabeça, como quem gostou de ouvir o que eu disse. Faço a cara de adulto das lembranças da minha infância, aquela cara de quem sabia demais e não ia contar. Me peguei tentando fazer essa cara para ela, e ela imitou.
Queria botar um filtro nessa imitação. Passar para ela apenas o meu melhor, ou o que eu julgo ser o meu melhor para que em cima disso ela crie os próprios trejeitos. Pudesse eu indicar o que deve e não ser imitado, eu diria, esqueça meus erros, sejam eles quais forem, minhas contradições e minhas limitações. Saiba que você nasceu para ser você, mas já que será inevitável carregar algo de mim, carregue apenas o que for leve, leve a ponto de você não sentir. Quero que minha herança seja tua capacidade de se distinguir, de mim e dos outros para que eu não sofra quando nos separarmos definitivamente, e você não vir mais graça em me imitar.
Peguei nas mãos de minha filha e comecei a massagear para ela relaxar e dormir. “Oba, adoro isso”, diz. Em pouco tempo, o transe era meu. Estava absorta, pensando na vida, enquanto pegava em cada um de seus dedos e pensava que já foram menores, bem menores, úmidos e babados, amalgamados com minha pele, meu peito. As mãos agora pesam, mas ainda cabem dentro das minhas.
“Filha, você está crescendo rápido demais”. De olhos fechados, ela respondeu “eu sei”. Aí virou para mim, no escuro do quarto, e, com aquela expressão de quem chega à alguma conclusão, diz “eu nem me lembro mais como é estar na sua barriga! Se é confortável, apertado…”
“Eu acho que no final ficou apertado”. Sem falar nada, a expressão em seu rosto me disse “é, pode ser”. Ela voltou a fechar os olhos, enquanto os meus embaçaram…
Antes de sair de casa, pergunto para ela:
- Eu posso contar para um monte de gente sobre essa nossa brincadeira de você ficar me imitando?
- Esse-i-eme – responde a menina, com mania de soletrar. Então tá contado.
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