ARTRITE REUMATÓIDE JUVENIL (ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL)
Reumatismo não é doença somente de pessoas idosas
1. O que é a Artrite Idiopática Juvenil?
A
Artrite Idiopática Juvenil, também denominada Artrite Reumatóide
Juvenil, é uma doença inflamatória crônica que acomete as articulações e
outros órgãos, como a pele, os olhos e o coração. A principal
manifestação clínica é a artrite, caracterizada por dor, aumento de
volume e de temperatura de uma ou mais articulações. Cabe ressaltar que
em algumas crianças a dor é mínima ou até mesmo inexistente.
Caracteristicamente ela inicia sempre antes dos 17 anos de idade.
2. É uma doença freqüente?
A incidência da Artrite Idiopática Juvenil é desconhecida em nosso país,
mas dados provenientes de países da América do Norte e da Europa
indicam que cerca de 0,1 a 1 em cada 1.000 crianças têm essa doença.
3. O que causa a Artrite Idiopática Juvenil?
A causa exata da Artrite Idiopática Juvenil ainda não é conhecida.
Fatores imunológicos, genéticos e infecciosos estão envolvidos. Estudos
recentes mostram que existe uma certa tendência familiar e que alguns
fatores externos, como certas infecções virais e bacterianas, o estresse
emocional e os traumatismos articulares podem atuar como desencadeantes
da doença.
A artrite não é uma doença infecto-contagiosa e os pacientes
podem (e devem) freqüentar normalmente creches, escolas, clubes e
piscinas.
4. Como se diagnostica a doença?
O diagnóstico da Artrite Idiopática Juvenil é clínico e baseia-se na
presença de artrite em uma ou mais articulações com duração igual ou
maior a 6 semanas. Várias doenças, como por exemplo, as infecções, devem
ser pesquisadas e descartadas, uma vez que a artrite é manifestação
comum em várias doenças não reumáticas. Além da dor e da inflamação
articular pode ser observada uma certa dificuldade na movimentação ao
acordar (rigidez matinal), fraqueza ou incapacidade na mobilização das
articulações, além de febre alta diária (> 39º C) por períodos
maiores do que 2 semanas. Não existem exames laboratoriais específicos
para esta doença. Nos casos de dúvida diagnóstica a opinião de um
especialista pode ser de grande auxílio.
5. Quais os tipos mais comuns de Artrite Idiopática Juvenil?
Existem 3 tipos mais comuns: pauciarticular (ou oligoarticular),
poliarticular e sistêmico . No tipo pauciarticular são acometidas até 4
articulações, sendo os joelhos e os tornozelos as mais freqüentes.
Crianças com este tipo de doença devem fazer avaliações oftalmológicas
freqüentes (a cada 3 ou 4 meses), uma vez que a úvea (o colorido dos
olhos) pode estar inflamada sem que haja qualquer sinal visível. No tipo
poliarticular 5 ou mais articulações são envolvidas, com destaque para
os joelhos, tornozelos, punhos, cotovelos e pequenas articulações das
mãos e dos pés. Pode haver febre intermitente e o exame laboratorial
Fator Reumatóide está presente em cerca de 10% dos pacientes. O tipo
sistêmico tem caráter insidioso e caracteriza-se pela presença de
artrite associada à febre alta em um ou dois picos diários (= 39º C),
erupção na pele (rash cutâneo), gânglios, serosite (inflamação da pleura
e do pericárdio) e aumento de fígado e baço ao exame clínico.
Alguns pacientes, especialmente aqueles com o tipo pauciarticular e com
fator antinúcleo (FAN) positivo, podem apresentar uveíte crônica, ou
seja, uma inflamação em um ou nos dois olhos. A uveíte é, geralmente,
assintomática e podem ser observadas complicações como glaucoma,
catarata e até mesmo diminuição da visão, especialmente quando o
diagnóstico é tardio. Daí a importância da detecção precoce através de
exames oftalmológicos periódicos (biomicroscopia), a cada 3 ou 4 meses. A
uveíte pode aparecer antes, simultaneamente ou anos depois da atrite.
6. Qual o tratamento da Artrite Idiopática Juvenil?
Uma boa relação entre médico, paciente e familiares é fundamental para
que o tratamento tenha sucesso, uma vez que a sua duração é prolongada.
Deve ser individualizado e envolve educação sobre a doença, controle da
inflamação e da dor através do uso de medicamentos e prevenção de
deformidades. A reabilitação (fisioterapia) é muito importante desde as
fases iniciais da doença e em alguns casos pode ser necessário o
acompanhamento psicológico. O início do tratamento deve ser precoce; nos
casos de demora pode haver comprometimento da cartilagem articular,
acarretando deformidades e limitações físicas irreversíveis.
Cada tipo de Artrite Idiopática Juvenil tem um tratamento específico e o
esquema terapêutico pode variar de um paciente para o outro, de acordo
com as suas manifestações clínicas. Os medicamentos utilizados
inicialmente são os antiinflamatórios não-hormonais (aspirina, naproxeno
e ibuprofeno), úteis no alívio da dor. São utilizados diariamente e
recomendam-se sua ingestão após as refeições para evitar efeitos
indesejáveis como náuseas, vômitos e dor epigástrica.
Outros remédios, chamados drogas de base (ou de segunda linha), são
acrescentados gradualmente nos casos de inflamação persistente, ou seja,
má resposta aos antiinflamatórios não-hormonais e visam controlar e até
mesmo cessar a inflamação. Os mais utilizados são a hidroxicloroquina
(ou o difosfato de cloroquina), a sulfassalazina e o metotrexato.
A hidroxicloroquina é indicada para os pacientes com o tipo
pauciarticular sem comprometimento de punhos, tornozelos e quadril e que
não respondem bem ao antiinflamatório não-hormonal. É utilizada por via
oral uma vez ao dia e seus principais efeitos adversos são oculares,
como por exemplo, alterações de pigmentação da retina. Pacientes em uso
deste medicamento devem realizar exames oftalmológicos semestrais, que
incluem fundo de olho, campimetria e diferenciação de cores.
A sulfassalazina é recomendada no tratamento de meninos pré-adolescentes
e adolescentes com um tipo específico de doença pauciarticular,
caracterizado por artrite e entesite (inflamação nos pontos de inserção
dos tendões nos ossos), com ou sem comprometimento de articulações
sacroilíacas ou coluna vertebral. É administrada duas vezes ao dia e
requer a realização de exames hematológicos periódicos.
O metotrexato (MTX) é o medicamento mais utilizado para o controle da
artrite devido à sua eficácia, facilidade posológica (uma vez por semana
por via oral ou subcutânea), segurança e baixo custo. Recomenda-se a
realização de exames laboratoriais periódicos (hemograma e enzimas
hepáticas) a cada 2 ou 3 meses para a detecção precoce de possíveis
efeitos adversos, como a anemia e a hepatite medicamentosa. O MTX está
indicado em todos os pacientes com o tipo poliarticular e para aqueles
com o tipo pauciarticular com comprometimento de quadris, punhos e
tornozelos, e que não respondem bem aos antiinflamatórios não-hormonais.
A ciclosporina é um imunossupressor muito útil no tratamento de
pacientes com o tipo sistêmico cujas manifestações da doença sistêmica
sejam resistentes ou dependentes de altas doses de corticóide.
A ciclofosfamida por via endovenosa é pouco utilizada e está indicada
somente naqueles pacientes que não respondem as medicações acima
citadas. As avaliações clínicas e os exames laboratoriais (sangue e
urina) devem ser periódicos.
Os corticosteróides em doses altas ( 1 a 2 mg/kg/dia) estão indicados
nos pacientes com o tipo sistêmico cuja febre ou pericardite não
responde ao antiinflamatório não hormonal. Podem ser utilizados também
por via endovenosa (metilprednisolona) em doses mais altas e por um
período mais curto, minimizando os possíveis efeitos colaterais como
ganho rápido de peso, estrias, hipertensão arterial, aumento de pelos,
maior suscetibilidade a infecções, osteoporose e retardo de crescimento.
Os corticosteróides não devem ser suspensos ou reduzidos sem orientação
médica, sob risco de graves complicações. Recomenda-se evitar o uso
excessivo de sal e restringir a ingestão de alimentos excessivamente
calóricos. Os corticosteróides por via intra-articular (infiltração)
trazem benefícios para alguns pacientes com poucas articulações
acometidas. Outras indicações dos corticosteróides são a uveíte, e
nestes casos na forma de gota oftálmica, e eventualmente em doses baixas
( 5 a 7,5 mg/dia) diárias quando a artrite da criança é muito grave,
dolorosa e rapidamente progressiva.
As novas terapias biológicas (infliximabe, etanercepte e adalimumabe)
são recomendadas para os pacientes com má resposta às medicações acima
citadas. São utilizados por via parenteral (subcutânea ou endovenosa) e
podem ser observados efeitos adversos como hipersensibilidade (fenômenos
alérgicos no local da aplicação ou sistêmicos) e maior suscetibilidade a
infecções, especialmente virais. Pacientes que recebem infliximabe
devem ser investigados previamente para a tuberculose através de
radiografia de tórax e PPD (teste de mantoux). Um fator que restringe o
uso destes medicamentos é o custo elevado.
O uso de um ou mais medicamentos implica em um seguimento cuidadoso e
periódico, com consultas e exames laboratoriais seriados, com o objetivo
de avaliar a inflamação além de detectar e tratar possíveis efeitos
adversos. De um modo geral deve-se evitar a aplicação de vacinas de
vírus vivos em pacientes em uso de corticosteróides e imunossupressores.
Converse sempre com o seu médico antes de administrar vacinas no seu
filho.
7. Quanto tempo dura o tratamento?
Em muitos pacientes a doença é controlada até o final da adolescência.
No entanto, alguns podem apresentar doença crônica com períodos de
melhora e piora que persistem até vida adulta. Nestes casos deve ser
feita uma transição lenta para o Reumatologista de adultos. Muitos
adolescentes são “rebeldes” ao tratamento e devem ser conscientizados
quanto à importância do uso contínuo de medicamentos. A
responsabilidade, que sempre é dos pais ou responsáveis até os 18 anos
de idade, deve ser transferida gradualmente ao paciente de maneira firme
e segura.
8. O que pode acontecer se o tratamento for interrompido?
A interrupção do tratamento sem orientação médica pode ter conseqüências
sérias e irreversíveis, como piora da inflamação, deformidades
articulares irreversíveis, destruição da cartilagem e piora da
capacidade física. Os pais devem checar a ingestão dos medicamentos e
conversar com os filhos sobre a doença, reforçando a importância do
tratamento, especialmente nos casos de pacientes adolescentes.
9. Qual a importância da fisioterapia e dos exercícios físicos?
A fisioterapia é fundamental para a manutenção e recuperação da
mobilidade das articulações acometidas e deve ser iniciada assim que
possível. Seu principal objetivo é reabilitar o paciente para a
realização das atividades diárias rotineiras, através do fortalecimento
dos músculos, alongamento de tendões e aumento da amplitude de movimento
articular. Métodos que utilizam calor e frio são válidos para o
controle da dor, especialmente nas fases iniciais da doença.
O fisioterapeuta poderá orientar a família na utilização de adaptações
para uso em tarefas diárias (alimentação, escrita, etc) e na realização
de exercícios em casa. As crianças devem ser estimuladas a ter uma vida
mais saudável. A prática de esportes deve ser supervisionada por um
especialista em reabilitação e as articulações protegidas contra
possíveis traumatismos. Esportes com impacto como o futebol e o vôlei
devem ser evitados nas fases iniciais do tratamento, enquanto a natação
deve ser estimulada. No entanto esta modalidade esportiva não é
disponível para grande parte da nossa população.
10. Aspectos emocionais da criança com artrite.
A doença crônica tem um impacto em várias dimensões da vida da criança e
dos familiares: aspectos físicos, emocionais, sociais, educacionais e
econômicos. Com isto a dinâmica da família pode alterar-se
significativamente. A troca de informações entre o paciente, seus
familiares, o reumatologista pediátrico e os demais profissionais
relacionados (fisioterapeuta e psicólogo) é fundamental para que este
impacto seja minimizado.
Os pais devem estar atentos, uma vez que poderão ser observadas
modificações no comportamento da criança com artrite, especialmente
devido à presença da dor e diminuição da capacidade física. Algumas
crianças podem ficar tristes enquanto outras podem sentir raiva de
intensidade variável. Em alguns casos pode ser observado sentimento de
culpa nos pais ou nos irmãos, que satisfazem todas as vontades dos
pacientes, levando a um “ganho secundário”. Este processo dificulta o
retorno da criança com artrite para uma “vida normal”. As crianças com
artrite devem ser estimuladas a retomar o mais breve possível a sua vida
social e escolar. Conversas francas entre todos os membros da família
são de grande ajuda. Em alguns casos é indicado o acompanhamento por
especialista em saúde mental (psicólogo ou psiquiatra) dos pacientes,
dos pais ou de ambos.
No âmbito escolar, o professor deve ser orientado sobre a doença. As
necessidades pessoais deverão ser avaliadas e respeitadas. Uma vez que a
incapacidade física tem melhora lenta, as atividades intelectuais e
artísticas devem ser estimuladas e valorizadas.
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