Secretário de Assistência Social decide mudar método
"Esta é a primeira vez que morre um usuário atropelado durante a ação de combate ao crack. Toda a equipe ficou abalada com o que ocorreu e nossa primeira preocupação foi quanto ao menino e a sua família. Mas, é evidente que quando acontece uma situação como essa, é necessário repensarmos o trabalho. Orientei nossas equipes a rever, passo a passo, todos os protocolos para o atendimento. Nós suspendemos a operação de amanhã (sexta-feira 11), para conseguirmos analisar a questão e ter nos próximos dias alguma nova proposta", revelou Pires.Tragédia anunciada, o menino foi mais um usuário atropelado quando fugia do grupo de ação de acolhimento da Secretaria Municipal de Assistência Social, tida como ineficaz para alguns profissionais, enquanto para outros precisa apenas de uma equipe com melhor preparo. O acidente ocorreu na cracolândia da Favela Nova Holanda, na entrada da Ilha do Governador, Zona Norte do Rio.
Para a psicanalista, o principal problema dos dependentes seria a persistente condição em que vivem. “Até quando teremos uma criança sem saneamento básico e sem educação? Quantas crianças mais estarão nas ruas, vivendo nessa situação?”, questionou ela.
De acordo com a SMAS, desde o dia 31 de março de 2011, quando começaram as operações conjuntas com órgãos de segurança para o combate ao crack, foram promovidas 146 ações nas principais cracolândias do município. Ao todo, foram 6.228 acolhimentos, sendo 5.423 adultos e 785 crianças e adolescentes. A Secretaria afirma ainda que “a Prefeitura do Rio vem atuando insistentemente nas ruas com o intuito de oferecer oportunidades para pessoas entregues ao crack”.
Acolhimento e internação é solução imediatista?
“Existe uma demanda e exigência da população de solução imediata do uso abusivo de drogas, além do incômodo da sociedade pela presença dessas pessoas na rua. O Município quer trazer uma solução imediata, que discorda frontalmente da cultura da saúde”, aponta a professora titular do departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas (Cepop-RJ), Silvia Tedesco. Ela discorda da atuação e da internação feita pela SMAS e afirma que grupos e conselhos de medicina repudiam a internação, que, segundo a professora, foi desconsiderada como solução terapêutica ainda na década de 70.
“Um usuário que não tem moradia, nem trabalho, pode até não usar o crack nesses abrigos, o que nem sempre acontece porque muitos têm acesso ao entorpecente mesmo lá. Mas quando ele voltar à vida anterior, vai retomar o uso da droga. É preciso acompanhar o novo território assistencial. Isso é uma discussão antiga na área da psiquiatria. Toda a área da saúde mental está estranhando essa medida dos governantes”, declarou.
Segundo o secretário Adilson, houve uma reunião em novembro de 2012, em Brasília, entre ele, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o secretário municipal de Saúde Hans Dohmann e o prefeito Eduardo Paes, em que foi acordada uma parceria na busca de propostas de internação, políticas públicas contra as drogas, além da disponibilização de recursos federais para o combate ao crack. "Se o paciente está num estágio avançado do vício e da doença, ele é capaz de por a sua vida e a vida dos outros em risco. E é aí que entra a possibilidade de, sempre orientado por profissionais, haver a internação compulsória/voluntária, inicialmente. E, conforme a evolução do tratamento, o dependente pode passar para a terapia ambulatorial", disse ele.
De acordo com a professora, a população entende que a internação é sinônimo de tratamento intensivo, o que, segundo ela, não acontece. “A internação é uma exclusão, um isolamento. Como se trata alguém que está isolado, se são fatores relacionados à vida/rotina do paciente que deflagram o usuário com relação ao uso de drogas? A remoção da clínica para o ambiente coletivo é feita para restabelecer os laços. Essas conexões de vidas, que são consideradas metas do tratamento, precisam acontecer”, avalia.
Já a psicanalista Angela Hofmann concorda com o trabalho da Secretaria. “Não há possibilidade de chegar de outra forma a quem está necessitando de ajuda. Há pessoas que têm problemas com drogas, mas ainda possuem um certo controle de sua vida. Mas essas não têm capacidade de escolha. É a mesma coisa que você perguntar a alguém que foi atropelado se necessita de socorro médico”, argumenta.
CAPS é modelo mais eficaz para combate ao uso de drogas
Silvia Tedesco afirma que a política do CAPS precisa ser fortalecida no Rio. O tratamento oferecido pelos CAPS-AD baseia-se na liberdade e na política de redução de danos. A proposta, que se popularizou no Brasil durante a década de 70, consiste em terapia intensiva para dependentes químicos com a finalidade de fazer com que cheguem à abstinência. Ou seja, se a abstinência não for alcançada, há redução da quantidade de drogas usadas. Sem tratamento de choque como a internação, os usuários conseguem manter uma vida normal e chegam até a conciliar a terapia com trabalho e estudo.
O projeto Consultório de Rua do CAPS existe desde 2000, mas Silvia diz que essa rede da saúde está sendo sucateada. A internação na rede também está prevista no CAPS III, mas, de acordo com a especialista, o usuário passa antes por uma avaliação da equipe multidisciplinar e a internação é de curto prazo. O que falta é mais estrutura e locais para o número de atendimentos.
“A rede de saúde está esquecida. A verba teria que ser investida na rede de saúde mental com qualificação profissional. No CAPS de Niterói, o Consultório de Rua não tem viatura nem pode transportar o usuário, nem materiais, se necessário. Não há apoio. É quase militância um trabalho que presta resultados, mas está sendo desativado”, denuncia.
Adilson Pires afirma que desde a reunião em Brasília, outro compromisso firmado foi o de aumentar cada vez mais a união entre as secretarias municipais de Assistência Social e a de Saúde. "O crack é uma realidade nova não só no Rio, mas no Brasil. E nós entendemos que o problema também é em parte da Saúde. O ministro Alexandre Padilha se prontificou a compilar as experiências, inclusive de outras capitais, como São Paulo, para que justamente com os recursos e os projetos possamos aumentar as equipes de Saúde, e no caso de internação voluntária, buscarmos vagas, com parcerias privadas também. Estamos usando de todo o nosso potencial de poder público para ajustarmos os trabalhos. E, se não houver a união de todos ficará muito mais difícil superar este problema. Eu queria ter hoje uma solução, mas é uma questão que requer esforços e tempo. Não há uma solução mágica, infelizmente", lamentou.
E quando se fala de usuários menores de idade o argumento de Silvia é o mesmo: “Sendo maior ou menor de idade não se muda o efeito terapêutico das medidas. Existe uma rede de saúde dentro dos CAPS que está apta a trabalhar essa questão. É uma abordagem cuidadosa, há atenção, atendimento médico, são oferecidos serviços. Isso vai criando um vínculo terapêutico que permite depois uma abordagem mais incisiva e cuidadosa a respeito da droga propriamente dita”, alega.
“Existe solução para uma abordagem suficiente e internação, caso necessária, avaliado por profissionais, não por juiz, advogado e polícia. A coexistência da Justiça e da Saúde é que precisa ser trabalhada para que a coisa funcione”, finaliza
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