3.18.2013

Neuroanatomia de um mentiroso



por Alysson Muotri |

Lance Armstrong fez o que parecia impossível. O ex-ciclista americano virou celebridade após ganhar o Tour de France por sete vezes! Aproveitou o momento de batalha contra um câncer de testículo para voltar às pistas, só que, desta vez, dopado. Foi um mito, um conto-de-fadas, exemplo de superação humana, de figura paterna. Armstrong conseguiu mentir para o mundo inteiro, ganhar fama e dinheiro, virar super-herói e, ainda, manter a mentira por longos anos.
Ao rever a história, parece piada que eu e tantas outras pessoas continuávamos a acreditar nele, mesmo com evidências sugerindo o contrário. Afinal, qual a chance de um sobrevivente de câncer ganhar uma das mais exaustivas competições esportivas do mundo por sete vezes? Por que as pessoas mentem e por que outras acreditam? Talvez a resposta disso tudo esteja codificada em nosso genoma, na neuroanatomia do cérebro humano.
Lucas Jackson/Reuters
Convenhamos, vivemos num mundo de mentiras. Mentimos a todo momento por uma questão social e por autoestima. Começamos a mentir cedo: bebês imitam o choro para chamar a atenção dos pais. Por volta dos 4 anos de idade, somos experts no assunto, e meninas adolescentes mentem para as mães uma vez a cada cinco interações. Continuamos mentindo de 10 a 200 vezes por dia, na maioria de forma inconsciente.
“Vestido bonito” pode simplesmente representar uma forma de agradar sua sogra, não necessariamente que você realmente achou o vestido bonito. Ou então você pode até ter achado o vestido bonito, mas não na sua sogra.
Experimentos com humanos que decidiram parar de mentir são difíceis e controversos. Enquanto alguns afirmam que deixar de dizer mentiras no dia a dia alivia o estresse e melhora a saúde em geral, outros apontam que sua vida social vira um inferno e seu nível de estresse aumenta. Em geral, mentimos para evitar conflitos, perdas, rejeições ou por alguma razão altruística. A razão fundamental de mentir é simplesmente porque funciona.
Mentir é um ato de cooperação, pois a mentira não tem poder sozinha, precisa que alguém acredite nela. A maioria de nós tende a acreditar primeiro antes de desconfiar de alguém. Mas essas seriam mentiras pequenas, ou “brancas”, com consequências mínimas ou inexistentes. Mentiras maiores requerem um enorme uso energético do cérebro na construção de uma infraestrutura que suporte e justifique a mentira, até para si mesmo.
Após confessar o doping em uma entrevista na TV americana, Armstrong racionalizava que as doses de drogas usadas para aumentar o oxigênio foram “pequenas” e que o uso ilícito de testosterona compensava pela perda de hormônio que teve com o tratamento do câncer testicular. Mentirosos têm essa capacidade de gerar uma história coerente sobre o porquê fazem algo errado sem parecer desonestos.
Muitos podem ficar indignados com isso, mas a verdade é que mentir não é algo raro. Um estudo publicado na revista científica Basic and Applied Social Psychology em 2002 mostra que, durante uma conversa de 10 minutos entre dois estranhos, 60% mentem pelo menos uma vez. Enquanto os homens usaram as mentiras para se sentir melhores, as mulheres mentiram para deixar o outro se sentir melhor.
De qualquer forma, a motivação para mentir foi para que gostem de nós e nos percebam competentes. Mentiras requerem duas coisas: motivação e justificativa. Seja motivado por dinheiro, fama ou estima dos outros, o mentiroso precisa balancear suas ações com justificativas para sustentar sua imagem de “pessoa do bem”.
Essa ideia foi testada em outro trabalho científico, publicado em 2012 na revista “Psychological Science. No experimento, pessoas podiam trocar dinheiro depois de jogar dados. Quanto maior o número, maior a recompensa. Quando tinham três chances de jogar os dados na ausência de outras pessoas, os jogadores frequentemente mentiam sobre o maior valor encontrado nas tentativas. Quando tinham apenas uma chance de jogar os dados, deixaram de mentir, pois ficaria mais difícil ocultar a mentira.
O trabalho concluiu que, quando existe a oportunidade de mentir, as pessoas fazem um cálculo mental rápido levando em conta a motivação e a justificativa. A motivação de Armstrong era clara: tinha muito a ganhar com fama e recompensa financeira. A justificativa seria a de inspirar a humanidade com sua história de triunfo contra o câncer, usando sua fama e dinheiro para ajudar na luta contra a doença.
Também somos influenciados a mentir por fatores externos. Pessoas usando óculos escuros falsificados têm uma tendência maior de mentir do que as que usam o óculos autênticos. Essa observação mostra o quanto nossa moral não é binária: você não é bom ou mau, mas talvez 80% bom. Mas, ao usar um produto falsificado, essa porcentagem pode se alterar. A moda é fascinante nesse aspecto, pois lembra constantemente de que sua moral não é 100% segura.
Mas não são todos os que conseguem criar mentiras tão grandes e por tanto tempo. O cérebro de Armstrong é com certeza mais sofisticado nesse aspecto do que o da maioria. Ao expor pessoas a diversos testes de cognição em que existem amplas chances de mentir, pesquisadores de Harvard Business School descobriram que aquelas pessoas que tiveram mais sucesso em testes de criatividade e flexibilidade mental (mas não inteligência) eram mais propensas a mentir ou enganar os colegas.
Isso sugere que o processo criativo não está apenas ligado a um comportamento mentiroso, mas o facilita. Indivíduos altamente criativos parecem ter a visão e a flexibilidade mental necessárias para encontrar justificativas rápidas a suas mentiras. Talvez seja assim que a mentira se perpetue em nossa espécie. Evolutivamente faz sentido, as espécies com cérebros mais sofisticados, com um neocórtex maior, mentem mais. Isso lembra o gorila Koko, que aprendeu a linguagem dos sinais humana e uma vez culpou o gatinho de estimação por ter quebrado a pia…

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