A barbárie dos estupros coletivos cometidos por um bando no Rio de Janeiro expõe um País em guerra com as mulheres. Em apenas três anos, triplicou o número de casos, o que coloca o Brasil em situação tão inaceitável quanto a da Índia
Wilson Aquino, Tamara Menezes e Laura Daudén
Uma moça de 21 anos, evangélica, nascida em
uma pequena cidade fluminense, passava férias no Rio de Janeiro, em
março. No sábado 23, ela e um amigo resolveram conhecer a Lapa, bairro
boêmio da cidade. Na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, uma das mais
movimentadas da zona sul, tomaram uma van. Era madrugada. Nesse veículo,
a jovem perdeu a virgindade de forma brutal. Foi estuprada por três
criminosos que se revezaram no ato covarde durante uma hora. Depois do
crime, ela foi abandonada em uma rua da cidade vizinha de Niterói. Sem
saber do paradeiro do amigo, expulso do coletivo antes do ataque, ela
começou a correr “feito louca por ruas que não conhecia”, como disse à
ISTOÉ. Depois de finalmente conseguir ligar para o pai, a jovem se
dirigiu à Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam). Se a denúncia
apresentada por ela naquela noite tivesse sido investigada, outra jovem
de 21 anos poderia ter tido destino diferente. No sábado 30, uma turista
americana que fazia intercâmbio foi estuprada pelo bando. A barbárie
dos ataques sexuais expôs um Brasil em guerra com as mulheres, um estado
de selvageria chocante no qual o poder público se mostra ineficiente
para protegê-las.
O mesmo grupo pode ter cometido até dez crimes similares, segundo estimativas do delegado Alexandre Braga, da Delegacia Especial de Atendimento ao Turista. Por enquanto, a polícia carioca confirmou três, está em vias de fechar a apuração de um quarto estupro e investiga outras seis vítimas que não chegaram a registrar denúncia. A extensão da violência desse caso faz parte de um quadro mais amplo e aterrador: em 2012, a cada 24 horas, dez brasileiras foram estupradas por desconhecidos. Entre 2009 e 2012, esse tipo de crime teve um aumento de 162%, segundo o Ministério da Saúde. No mesmo período, o total de notificações de estupro triplicou. Segundo o Instituto de Segurança Pública, só na capital fluminense são registrados 16 estupros por dia. Em São Paulo, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública, o número chega a 35. Essas denúncias incluem agressões sexuais antes consideradas “atos libidinosos”, como beijos forçados, que passaram a ser enquadrados no espectro do crime de estupro em 2009, além de violações cometidas contra crianças e homens, dentro e fora do ambiente doméstico.
A denúncia da turista americana gerou uma resposta das autoridades
policiais – muito diferente da dispensada à jovem brasileira. Em menos
de 12 horas, os suspeitos foram identificados e presos em flagrante.
Eles são Jonathan Froudakis de Souza, conhecido como “Gordinho”, 21
anos, Wallace Aparecido Souza Silva, o “Cachorrão”, 19 anos, e Carlos
Armando Costa dos Santos, o “Baby”, 21 anos. A quadrilha é composta por
mais duas pessoas, que continuam foragidas. Eles seguem o perfil
delineado por Danilo Baltieri, coordenador do Ambulatório de Transtornos
da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC, para quem as
características do criminoso que pratica um estupro coletivo são
diferentes daquelas apresentadas por outros estupradores. “Trata-se de
um grupo de homens que compartilha crenças, que se crê imbatível,
superior”, diz. “Eles normalmente já estão envolvidos em outros crimes e
cometem a agressão sexual mesmo sabendo que é uma prática abominável
inclusive dentro da cultura penitenciária.”O mesmo grupo pode ter cometido até dez crimes similares, segundo estimativas do delegado Alexandre Braga, da Delegacia Especial de Atendimento ao Turista. Por enquanto, a polícia carioca confirmou três, está em vias de fechar a apuração de um quarto estupro e investiga outras seis vítimas que não chegaram a registrar denúncia. A extensão da violência desse caso faz parte de um quadro mais amplo e aterrador: em 2012, a cada 24 horas, dez brasileiras foram estupradas por desconhecidos. Entre 2009 e 2012, esse tipo de crime teve um aumento de 162%, segundo o Ministério da Saúde. No mesmo período, o total de notificações de estupro triplicou. Segundo o Instituto de Segurança Pública, só na capital fluminense são registrados 16 estupros por dia. Em São Paulo, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública, o número chega a 35. Essas denúncias incluem agressões sexuais antes consideradas “atos libidinosos”, como beijos forçados, que passaram a ser enquadrados no espectro do crime de estupro em 2009, além de violações cometidas contra crianças e homens, dentro e fora do ambiente doméstico.
O caminho percorrido pela turista americana foi outro: ela se dirigiu ao Consulado Americano e, de lá, na companhia de uma assistente social, seguiu até a delegacia do turista. Em seu depoimento consta que ela foi estuprada pelos três criminosos na presença de seu namorado, um francês de 23 anos, que, tal como ela, estudava português no Brasil. A americana voltou para os Estados Unidos na segunda-feira 1º. Seu namorado continua no País e tem colaborado com a polícia, apesar de ainda estar em de choque. Por envolver dois turistas estrangeiros, o caso gerou grande repercussão internacional: jornais de todo o mundo lembraram que, apesar da patente falta de segurança, o Rio será palco de eventos como a Copa das Confederações e a Jornada da Juventude, ainda este ano, a Copa do Mundo, em 2014, e a Olimpíada, em 2016. O episódio foi amplamente comparado ao ocorrido na Índia em dezembro de 2012, quando uma jovem estudante sofreu um estupro coletivo dentro de um ônibus. A repercussão do caso indiano resultou em uma redução de 25% no número de turistas que visitaram o país no primeiro trimestre deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado. “O mercado turístico é muito sensível a esse tipo de notícia. A pessoa que não conhece um lugar passa a conhecê-lo através de um acontecimento que fere a sensibilidade das pessoas civilizadas e acaba pensando duas vezes antes de viajar”, diz o sociólogo Williams Gonçalves, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Respostas para essa impunidade podem estar na maneira como a sociedade e o poder judiciário olham para as mulheres. Em sua tese de doutorado, a pesquisadora da USP Daniella Coulouris ressalta que, por normalmente contar com poucas provas materiais e testemunhas, o julgamento de casos de estupro está essencialmente calcado nos depoimentos das vítimas. Além de contornar a dor que supõe recordar, detalhar e expor a violência sofrida, o testemunho das mulheres tem de superar a inerente e histórica desconfiança com a qual se aceita a palavra feminina. “Essa questão demonstra que um julgamento de estupro é especialmente desfavorável às vítimas, porque a doutrina, a jurisprudência e os juízes presumem o consentimento por parte da mulher adulta, cabendo à vítima provar o contrário”, afirma a pesquisadora na tese.
A divulgação, no último ano, de outros casos de estupro especialmente cruéis envolvendo mais de dois agressores, aponta para um recrudescimento da violência machista. Em fevereiro de 2012, na pequena cidade paraibana de Queimadas, cinco mulheres foram estupradas durante uma festa de aniversário e duas delas acabaram assassinadas por reconhecerem seus algozes. Os nove suspeitos (três deles menores de idade) foram condenados. Poucos meses depois, duas adolescentes de 16 anos foram estupradas por nove integrantes da banda de pagode New Hit, na cidade baiana de Ruy Barbosa. O episódio, que tem mobilizado os principais movimentos feministas brasileiros, deve ser julgado em setembro. A procuradora Marisa Marinho, responsável pelo caso, espera que os agressores recebam pena mínima de dez anos. “Entendemos, contudo, que não há dinheiro, valor pecuniário, que apague as lembranças da noite de terror e violência sexual vivida pelas duas jovens, que borre as dores, os traumas e as perdas experimentadas por elas e suas famílias”, afirma.“Nenhuma indenização, por mais vultosa que seja, devolverá às adolescentes a vida que tinham antes.”
Foto: Frederic Jean/cena produzida com atoresa
Fotos: VANDERLEI ALMEIDA/afp photo;
* Fontes: Sinan, Organização Mundial da Saúde, ONU Mulheres, Departamento de Justiça dos EUA
Foto: produção Cintia Sanchez
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