Dilma aceitará ser o João Batista, precursor da chegada do novo Messias anunciado pelos profetas?
O jornal espanhol El País publicou neste domingo (9/11) uma matéria sobre o novo cenário político no Brasil, após a reeleição de Dilma Rousseff no segundo turno. O jornalista Juan Arias comenta as dificuldades que o PT deve enfrentar e as prováveis ações de Dilma como mandatária, e de Lula, nos bastidores..Ele não voltou, ele sempre esteve com a Dilma . Dilma voltou a ser presidenta, mas Lula também voltou e está mais ativo do que nunca até na formação do novo Governo, pelo menos em seus ministérios chaves.
Com poucas coisas se especulou tanto na política quanto com as relações nos últimos quatro anos entre Dilma e seu criador. Uma coisa é certa: o ex-presidente não parece feliz, segundo seus colaboradores mais próximos, com tantas notícias negativas tanto na economia quanto nas relações entre Governo e Congresso; entre a presidenta e os empresários, entre ela e os aliados, sobretudo com o centrista PMDB. E com a imagem negativa que injustamente, seu partido projeta para a metade da sociedade.
É conhecido o estilo de Lula de fazer política, pragmático, negociador e pouco ideológico, além de sua capacidade de metamorfose para adaptar-se às circunstâncias. E é lógico que às vezes esse estilo se choque com o de sua criatura, bem diferente: menos contemporizador, mais direto, às vezes até duro e exigente e sem muito espaço nem vontade para excessivas negociações. E mais ideológico. Dilma é de esquerda. Lula é, simplesmente, sindicalista e muito voltado para o social”.
Juan Arias prossegue: “Existe nos meios políticos muita curiosidade para saber até que ponto Lula será capaz de convencer Dilma Rousseff a aceitar um novo caminho traçado por ele para fazer frente à crise econômica que pressiona o país.
Saberemos em breve. O melhor espelho será a nomeação do novo ministro da Economia. Será alguém à imagem e semelhança dela a quem deverá se submeter goste ou não, ou levará a marca de Lula, mais liberal e independente, mais parecido ao que teria escolhido a oposição se tivesse vencido as eleições? É importante, porque as decisões mais importantes que deverá tomar o novo Governo serão em matéria de economia e poderiam, com cortes inevitáveis de gastos e subida de serviços públicos, prejudicar momentaneamente os interesses das classes mais necessitadas”.
O jornalista do El País analisa a encruzilhada vivida por Lula e o PT: “Além disso, Lula conseguirá convencer o PMDB a não abandonar o barco de Dilma? Do jeito que estão as coisas, tudo faz pensar que só ele conseguiria fazer isso.
E o PT? Aí Lula deverá colocar em ação o melhor de seu estilo conciliador porque em seu partido as águas também estão alvoroçadas. Estão aqueles que querem arrastar o partido para a esquerda, com o objetivo de poder prescindir o antes possível do PMDB, visto como mais de direita do que talvez seja na realidade. Alguma vez, por acaso, esse partido investiu contra a liberdade de imprensa?
Será esse desejo do PT de dar uma guinada à esquerda a tática de Lula, que sempre se sentiu muito bem com seus aliados mais conservadores?”
Arias continua sua análise: “Seria melhor começar a aceitar que Lula já voltou e que já é candidato para 2018. Melhor para Dilma que, não tendo que se preocupar em assegurar sua reeleição, tampouco precisa se diferenciar tanto da política de Lula (que, como todos sabem, de um modo ou de outro, continuará sendo influente, pelo simples fato de que o PT é ele. Goste ou não.) Volta a antiga frase de que Lula não existiria sem o PT, assim como este tampouco seria nada sem Lula. Menos ainda, contra ele.
De Dilma Rousseff já se sabe que ela não nasceu no partido do ex-sindicalista, que nunca teve cargo nem influência nele a não ser pelo fato de ter sido a candidata escolhida. Por Lula, mais que pelo partido. Por isso chegou-se a falar de dilmismo em contraposição ao lulismo.
“A política do PT está em um labirinto”, sentencia Arias. “Quer continuar no poder pelo menos outros 12 anos para cumprir um ciclo de 1/4 de século de Governo popular. Vai conseguir sem Lula ou contra ele? O PT tem hoje algum candidato, além de Lula, capaz de fazer com que continue no poder? Hoje não funcionam mais nem os candidatos propostos pelo ex-presidente. Continuará, além disso, a nova oposição crescendo e se afirmando nos próximos quatro anos? E alguém é capaz de profetizar o papel, talvez fundamental, das redes sociais na futura política do país? Dilma será capaz de domesticá-las, como parece ser seu projeto?”, questiona o correspondente do El País.
“Lula já manifestou desejos de revolucionar o partido. Não pôde deixar de ver que, ao contrário do sucesso que esperava no novo Congresso, o PT chegou diminuído e com menos força. Sabe que o PT não empolga mais os jovens como antes e que os chamados movimentos sociais enfrentam dificuldade de arrastar seus membros para a rua, que começa a ser ocupada também pelas classes médias, menos simpáticas ao PT. Pesam os escândalos de corrupção, ou como já afirmou o próprio Lula, o fato de que o PT se transformou num partido “como os demais”, enquanto ele o havia concebido diferente, mais ético.
O mais urgente hoje para Lula é devolver ao PT sua força perdida, força que, segundo ele, se manifesta principalmente na rua, não nas experiências de laboratório”, avalia Arias.
“Um alto personagem político me afirma que o PT já “perdeu sua virgindade”, enquanto que a oposição enfatiza que o Brasil “perdeu o medo do PT”. O que isso significa?”, diz o jornalista espanhol.
Juan Arias conclui: “Lula terá que atuar em duas frentes que não pode separar: primeiro, garantir que Dilma Rousseff não chegue muito mal posicionada daqui a quatro anos, em sua viagem pelas águas agitadas da crise que caracterizará seu segundo mandato, para que seja mais fácil para ele sua última aventura eleitoral em 2018. Segundo, intervir no PT para que isso seja possível.
E, claro, contar, por fim, com a benevolência de sua criatura, hoje com o poder presidencial nas mãos. Ela vai aceitar exercer o papel do precursor João Batista e preparar o caminho ao Messias anunciado pelos profetas? Difícil saber. O Brasil parece estar em busca de uma nova identidade. Segundo o sociólogo francês Michel Maffesoli, em sua entrevista de hoje no jornal O Globo, seria um país que, sem saber, “já está entrando pelo caminho da pós-modernidade”.
Será que os políticos sabem disso ou preferem não acreditar, desejosos de que tudo continue igual?”
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