Diretor critica processo de seleção do filme brasileiro para o Oscar
2017. Longa virou pivô de debate político após protesto em Cannes
Para o diretor do filme, a não indicação se deveu mais a fatores políticos do que técnicos. Em entrevista exclusiva para a Deutsche Welle Brasil, Kléber Mendonça Filho critica o processo de indicação ao Oscar 2017. "A despeito do resultado, todo o processo de seleção do filme brasileiro que concorreria ao Oscar foi completamente corrompido desde o início", afirmou, por email, de Paris, onde se encontra para o lançamento do longa.
Deutsche Welle: Você esperava que Aquarius fosse o filme indicado pelo Brasil ao Oscar? Ficou frustrado?Kléber Mendonça Filho: Eu não esperava que o filme fosse indicado e não fiquei frustrado. Isso faz parte de toda uma movimentação política muito peculiar que está acontecendo no Brasil. Aquarius tem uma carreira internacional que está me deixando tomado de trabalho.
O filme tem distribuição internacional em mais de 60 países. A gente estava agora no Festival de Toronto e, desde o fim de semana, estou em Paris, fazendo uma semana de imprensa para o lançamento na França, no dia 28 de setembro. E é um lançamento de cerca de 100 cópias. Depois a gente vai para o Festival de Nova York, que é uma seleção de muito prestígio. O filme estreia nos EUA no dia 14 de outubro, logo depois do festival, em Nova York e Los Angeles. E o filme continua indo muito bem no Brasil, já ultrapassou a marca de 200 mil espectadores. Aquarius é o filme brasileiro de maior repercussão internacional em muitos anos.
Nem sei dizer quanto tempo faz que um filme nacional não tem essa repercussão e essa distribuição no exterior. E, claro, que, dentro de uma visão técnica, um filme com essas credenciais seria normalmente indicado por qualquer país para ser seu representante no Oscar. É exatamente por isso, e por toda essa questão política, que eu já sabia – ou ao menos suspeitava – que essa indicação não aconteceria nesse clima político do País.
DW: Você acha que a não indicação do filme ao foi uma espécie de retaliação por conta do protesto feito no festival de Cannes contra o governo de Michel Temer?KMF: Eu acredito que, pelo grau de desconforto que Aquarius gerou – não só pela postura cidadã e democrática da equipe no Festival de Cannes, mas pelo o que o próprio filme é –, e com toda a repercussão que teve no Brasil e no exterior, eu acho que é muito claro que existe, sim, um posicionamento político contra o filme na sociedade brasileira, particularmente dentro de uma determinada esfera do poder. O próprio ministro da Cultura [Marcelo Calero] mostrou uma falta de treinamento muito grande com a ideia da democracia ao criticar abertamente o protesto que fizemos em Cannes.
Então, acho que, a despeito do resultado final, todo o processo de seleção do filme brasileiro que concorreria ao Oscar foi completamente corrompido desde o início. E isso foi muito discutido na própria imprensa. Então, houve, sim, uma ideia de retaliação ao filme. A parte boa é que nada realmente é capaz de segurar um filme, uma obra cultural. O impacto de Aquarius na sociedade brasileira, a discussão cultural e política que vem provocando, é algo totalmente impossível de conter, de controlar.
DW: Aquarius fala sobre as muitas desigualdades do Brasil. E ter sido lançado neste momento político particular pode ter aumentado a importância do filme. Você concorda?KMF: Eu acho realmente uma coisa muito bela, muito bonita, quando uma obra – que pode ser um livro, um filme, uma peça, algo nas artes plásticas – capta, de alguma maneira, o ambiente social e político do tempo dela. E acho que isso aconteceu com Aquarius de uma maneira muito forte.
É um filme brasileiro que fala sobre viver no Brasil, ou seja, viver em sociedade no Brasil. É muito curioso que tenha tido um alcance tão grande internacionalmente. Mas é claro que é no Brasil que ele realmente se encontra em seu grande elemento, porque o brasileiro é capaz de perceber todas as nuances dessa vida no Brasil, retratada na tela do cinema por meio dos diversos personagens que eu escrevi.
Uma marca muito forte da nossa sociedade é a desigualdade. O filme não é exatamente sobre isso, mas claro que ele também aborda questões de uso do poder, como você tem que questionar esse poder, e o que acontece quando você questiona esse tipo de poder. É incrível perceber a reação que o filme tem causado dentro da discussão sobre o que significa viver no Brasil.
DW: Muita gente comparou a história da protagonista Clara à da ex-presidente Dilma Rousseff. Você consegue enxergar essa relação?KMF: Essa relação pode ser vista com muita clareza. Mas é claro também que já deve ter ficado muito evidente para todos que não teria sido possível prever tudo isso há dois, três anos, escrever um roteiro, fazer um filme. Para mim, como cidadão brasileiro, um ano atrás, quando a gente estava terminando de filmar Aquarius, não teria sido possível prever nada disso. Eu sempre achei que a nossa democracia era muito mais madura do que ela está se revelando.
Eu acho que é uma grande coincidência e, ao mesmo tempo, acho que não há coincidências. A cultura, os que fazem a cultura, os artistas em geral, se eles fazem um bom trabalho de observação do ambiente cultural e social no qual vivem, eles conseguem captar coisas no ar. Captam informações, interpretações; e talvez isso explique essa grande coincidência. Mas, do ponto de vista técnico, é claro que é uma grande coincidência. Os detalhes e as semelhanças entre as histórias de duas mulheres que estão sendo despejadas e que têm que lidar com homens corruptos para tentar manter a casa em que vivem são, realmente, formidáveis. Mas, repito, é uma grande coincidência
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