O controle das doenças transmissíveis baseia-se em intervenções que, atuando
sobre um ou mais elos conhecidos da cadeia epidemiológica de transmissão, sejam
capazes de vir a interrompê-la. Entretanto, a interação do homem com o meio ambiente
é muito complexa, envolvendo fatores desconhecidos ou que podem ter se
modificado no momento em que se desencadeia a ação. Assim sendo, os métodos
de intervenção tendem a ser aprimorados ou substituídos, na medida em que novos
conhecimentos são aportados, seja por descobertas científicas (terapêuticas, fisiopatogênicas
ou epidemiológicas), seja pela observação sistemática do comportamento
dos procedimentos de prevenção e controle estabelecidos. A evolução desses
conhecimentos contribui, também, para a modificação de conceitos e de formas
organizacionais dos serviços de saúde, na contínua busca do seu aprimoramento.
A conceituação de vigilância epidemiológica e a evolução de sua prática, ao longo
das últimas décadas devem ser entendidas no contexto acima referido. Originalmente,
essa expressão significava "a observação sistemática e ativa de casos suspeitos
ou confirmados de doenças transmissíveis e de seus contatos". Tratava-se,
portanto, da vigilância de pessoas, através de medidas de isolamento ou de quarentena,
aplicadas individualmente, e não de forma coletiva. Posteriormente, na
vigência de campanhas de erradicação de doenças - como a malária e a varíola - a
vigilância epidemiológica passou a ser referida como uma das etapas desses programas,
na qual se buscava detectar, ativamente, a existência de casos da doença
alvo, com vistas ao desencadeamento de medidas urgentes, destinadas a bloquear
a transmissão. A estrutura operacional de vigilância, organizada para esse fim específico,
devia ser desativada após a comprovação de que o risco de transmissão da
doença havia sido eliminado, como resultado das ações do programa.
Na primeira metade da década de 60 consolidou-se, internacionalmente, uma conceituação
mais abrangente de vigilância epidemiológica, em que eram explicitados
seus propósitos, funções, atividades, sistemas e modalidades operacionais. Vigilância
epidemiológica foi, então, definida como "o conjunto de atividades que permite
reunir a informação indispensável para conhecer, a qualquer momento, o comportamento
ou história natural das doenças, bem como detectar ou prever alterações de
seus fatores condicionantes, com o fim de recomendar oportunamente, sobre bases
firmes, as medidas indicadas e eficientes que levem à prevenção e ao controle de
determinadas doenças"
No Brasil, esse conceito foi inicialmente utilizado em alguns programas de controle
de doenças transmissíveis coordenados pelo Ministério da Saúde, notadamente a
Campanha de Erradicação da Varíola - CEV (1966-73). A experiência da CEV motivou
a aplicação dos princípios de vigilância epidemiológica a outras doenças evitáveis
por imunização, de forma que, em 1969, foi organizado um sistema de notifica2
Guia de Vigilância Epidemiológica
ção semanal de doenças, baseado na rede de unidades permanentes de saúde e
sob a coordenação das Secretarias Estaduais de Saúde. As informações de interesse
desse sistema passaram a ser divulgadas regularmente pelo Ministério da Saúde,
através de um boletim epidemiológico de circulação quinzenal. Tal processo propiciou
o fortalecimento de bases técnicas que serviram, mais tarde, para a implementação
de programas nacionais de grande sucesso na área de imunizações, notadamente
na erradicação da transmissão autóctone do poliovírus selvagem na região
das Américas.
Em 1975, por recomendação da 5ª Conferência Nacional de Saúde foi instituído o
Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica – SNVE. Este sistema formalizado
através da Lei 6.259, do mesmo ano e decreto 78.231, que a regulamentou, em
1976, incorporou o conjunto de doenças transmissíveis então consideradas de maior
relevância sanitária no país. Buscava-se, na ocasião, compatibilizar a operacionalização
de estratégias de intervenção desenvolvidas para controlar doenças específicas,
através de programas nacionais que eram, então, escassamente interativos.
A promulgação da lei 8.080, que instituiu, em 1990, o Sistema Único de Saúde –
SUS, teve importante desdobramentos na área de vigilância epidemiológica. O texto
legal manteve o SNVE, oficializando o conceito de vigilância epidemiológico como
“um conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a detecção ou prevenção
de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual
ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção
e controle das doenças ou agravos". Embora essa definição não modifique a essência
da concepção até então adotada pelo SNVE, ela faz parte de um contexto de
profunda reorganização do sistema de saúde brasileiro, que prevê a integralidade
preventivo-assistêncial das ações de saúde, e a conseqüente eliminação da dicotomia
tradicional entre essas duas áreas que tanto dificultava as ações de vigilância.
Além disso, um dos pilares do novo sistema de saúde passou a ser a descentralização
de funções, sob comando único em cada esfera de governo - federal, estadual,
municipal o que implica no direcionamento da atenção para as bases locais de
operacionalização das atividades de vigilância epidemiológica no país.
Dessa forma, a orientação atual para o desenvolvimento do SNVE estabelece, como
prioridade, o fortalecimento de sistemas municipais de vigilância epidemiológica
dotados de autonomia técnico-gerencial para enfocar os problemas de saúde próprios
de suas respectivas áreas de abrangência. Espera-se, assim, que os recursos
locais sejam direcionados para atender, prioritariamente, às ações demandadas
pelas necessidades da área, em termos de doenças e agravos que lá sejam mais
prevalentes. Nessa perspectiva, a reorganização do SNVE deve pautar-se nos seguintes
pressupostos, que resultaram de amplo debate nacional entre os técnicos da
área, com base nos preceitos da reforma sanitária instituída e implementação no
país:
heterogeneidade do rol de doenças e agravos sob vigilância no nível municipal,
embora apresentando, em comum, aquelas que tenham sido definidas
como de interesse do sistema nacional e do estadual correspondente;
A Vigilância Epidemiológica 3
distintos graus de desenvolvimento técnico, administrativo e operacional
dos sistemas locais, segundo o estágio de organização da rede de serviços
em cada município;
incorporação gradativa de novas doenças e agravos - inclusive doenças
não transmissíveis - aos diferentes níveis do sistema;
fluxos de informações baseados no atendimento às necessidades do sistema
local de saúde, sem prejuízo da transferência, em tempo hábil, de informações
para outros níveis do sistema;
construção de programas de controle localmente diferenciados, respeitadas
as bases técnico-científicas de referência nacional.
A relação de doenças de notificação nacional tem sofrido revisões durante as últimas
décadas, em função de novas ações programáticas instituídas para controlar
problemas específicos de saúde. Em 1998 foi procedida, pelo Centro Nacional de
Epidemiologia - CENEPI, ampla revisão do assunto, que resultou na explicitação de
conceitos técnicos sobre o processo de notificação, bem como dos critérios utilizados
para a seleção de doenças e agravos notificáveis. Essa orientação servirá de
base para a atualização da relação de doenças de notificação compulsória em âmbito
nacional.
As atividades e atribuições dos três níveis de atuação do sistema de saúde no que
se refere a vigilância epidemiológica são descritas no item 10 e Quadro 1.
Propósitos e Funções
A vigilância epidemiológica tem como propósito fornecer orientação técnica permanente
para os que têm a responsabilidade de decidir sobre a execução de ações de
controle de doenças e agravos, tornando disponíveis, para esse fim, informações
atualizadas sobre a ocorrência dessas doenças ou agravos, bem como dos seus
fatores condicionantes em uma área geográfica ou população determinada. Subsidiariamente,
a vigilância epidemiológica constitui-se em importante instrumento para
o planejamento, a organização e a operacionalização dos serviços de saúde, como
também para a normatização de atividades técnicas correlatas.
Sua operacionalização compreende um ciclo completo de funções específicas e
intercomplementares que devem ser, necessariamente, desenvolvidas de modo
contínuo, permitindo conhecer, a cada momento, o comportamento epidemiológico
da doença ou agravo escolhido como alvo das ações, para que as medidas de intervenção
pertinentes possam ser desencadeadas com oportunidade e eficácia.
São funções da vigilância epidemiológica:
coleta de dados;
processamento de dados coletados;
análise e interpretação dos dados processados;
recomendação das medidas de controle apropriadas;
promoção das ações de controle indicadas;
avaliação da eficácia e efetividade das medidas adotadas;
divulgação de informações pertinentes.
4 Guia de Vigilância Epidemiológica
Todos os níveis do sistema de saúde têm atribuições de vigilância epidemiológica
compreendendo o conjunto das funções mencionadas. Quanto mais eficientemente
essas funções forem realizadas no nível local, maior será a oportunidade com que
as ações de controle tenderão a ser desencadeadas. Além disso, a atuação competente
no nível local estimulará maior visão do conjunto nos níveis estadual e nacional,
abarcando o amplo espectro dos problemas prioritários a serem enfrentados
em diferentes situações operacionais. Ao mesmo tempo, os responsáveis técnicos
no âmbito estadual, e, com maior razão, no federal, poderão dedicar-se seletivamente,
a questões mais complexas, emergênciais ou de maior extensão, que demandem
a participação de especialistas e centros de referência, inclusive de nível
internacional.
Dessa forma, não mais se admite que a atuação no âmbito local esteja restrita à
realização de coleta de dados e à sua transmissão a outros níveis. O fortalecimento
de sistemas municipais de saúde, tendo a vigilância epidemiológica como um de
seus instrumentos mais importantes de atuação, deve constituir-se na estratégia
principal de institucionalização.
A Norma Operacional Básica do SUS - NOB-SUS/96, no seu item 14 já prevê a
transferência de recursos financeiros fundo a fundo para estados e municípios para
custeio das ações de epidemiologia e de controle de doenças/agravos formalizando
a criação e operação de sistemas locais de vigilância epidemiológica com aporte de
recursos diferenciados para cada área de acordo com o desenvolvimento desses
sistemas, que serão aferidos pelo índice de Valorização de Resultados (IVR) (12.1.6
da NOB/SUS/96).
Coleta de Dados e Informações
O cumprimento das funções de vigilância epidemiológica depende da disponibilidade
de INFORMAÇÕES que sirvam para subsidiar o desencadeamento de ações - -
INFORMAÇÃO PARA A AÇÃO. A qualidade da informação, por sua vez, depende
da adequada coleta de dados, que são gerados no local onde ocorre o evento sanitário
(dado coletado). É Também nesse nível que os dados devem primariamente
ser tratados e estruturados, para se constituírem em um poderoso instrumento. A
INFORMAÇÃO - capaz de estabelecer um processo dinâmico de planejamento,
avaliação, manutenção e aprimoramento das ações. Por ser de vital importância
para a estruturação e desempenho da vigilância epidemiológica, o Capítulo III deste
Guia descreve as bases e os sistemas de informação que estão implantados ou em
via de implantação no país.
A coleta de dados ocorre em todos os níveis de atuação do sistema de saúde. A
força e valor da informação (que é o dado analisado) depende da qualidade e fidedignidade
com que o mesmo é gerado. Para isso, faz-se necessário que as pessoas
responsáveis pela coleta estejam bem preparadas para diagnosticar corretamente o
caso, como também para realizar uma boa investigação epidemiológica, com anotações
claras e confiáveis para que se possa assimilá-las com confiabilidade.
Outro aspecto refere-se à qualidade do dado gerado, ou seja, sua representatividade
em função do problema existente. Assim, é necessário que a gerência local do sistema
obtenha, com regularidade e oportunidade, dados do maior número possível
A Vigilância Epidemiológica 5
de outras fontes geradoras como ambulatórios ou hospitais sentinelas localizados
nesse nível ou em sua periferia.
A passagem do dado pelos diversos níveis deverá ser suficientemente rápida para o
desencadeamento de ações, particularmente quando for necessário o desenvolvimento
dessas por um outro nível, visando a adoção das medidas em momento
oportuno.
É importante salientar que o fluxo, a periodicidade e o tipo de dado que interessa ao
sistema de vigilância estão relacionados às características de cada doença ou agravo.
Os fluxos de informações, dentro dos estados e municípios, estão sendo profundamente
alterados em função da reorganização do sistema de saúde. Entretanto, tem--
se mantido alguns instrumentos e fluxos, visando impedir que haja solução de continuidade
na coleta, repasse e armazenamento de dados, conforme descrição no
Capitulo III.
Tipos de Dados
Os dados e informações que alimentam o Sistema de Vigilância Epidemiológica
são os seguintes:
Dados Demográficos e Ambientais
Permitem quantificar a população: número de habitantes e características
de sua distribuição, condições de saneamento, climáticas, ecológicas, habitacionais
e culturais.
Dados de Morbidade
Podem ser obtidos através de notificação de casos e surtos, de produção
de serviços ambulatoriais e hospitalares, de investigação epidemiológica,
de busca ativa de casos, de estudos amostrais e de inquéritos, entre outras
formas.
Dados de Mortalidade
São obtidos através das declarações de óbitos que são processadas pelo
Sistema de Informações sobre Mortalidade. Mesmo considerando o sub--
registro, que é significativo em algumas regiões do país, e a necessidade de
um correto preenchimento das declarações, trata-se de um dado que assume
importância capital como indicador de saúde. Esse sistema está sendo
descentralizado, objetivando o uso imediato dos dados pelo nível local de
saúde.
Notificação de Surtos e Epidemias
A detecção precoce de surtos e epidemias ocorre quando o sistema de vigilância
epidemiológica local está bem estruturado com acompanhamento
constante da situação geral de saúde e da ocorrência de casos de cada doença
e agravo sujeito à notificação. Essa prática possibilita a constatação
de qualquer indício de elevação do número de casos de uma patologia, ou
a introdução de outras doenças não incidentes no local, e, conseqüente6
Guia de Vigilância Epidemiológica
mente, o diagnóstico de uma situação epidêmica inicial para a adoção imediata
das medidas de controle. Em geral, deve-se notificar esses fatos aos
níveis superiores do sistema para que sejam alertadas as áreas vizinhas
e/ou para solicitar colaboração, quando necessário.
Fontes de Dados
A informação para a vigilância epidemiológica destina-se à tomada de decisões -
INFORMAÇÃO PARA AÇÃO. Este princípio deve reger as relações entre os responsáveis
pela vigilância e as diversas fontes que podem ser utilizadas para o
fornecimento de dados. As principais são:
Notificação
Notificação é a comunicação da ocorrência de determinada doença ou agravo
à saúde, feita à autoridade sanitária por profissionais de saúde ou qualquer
cidadão, para fins de adoção de medidas de intervenção pertinentes.
Historicamente, a notificação compulsória tem sido a principal fonte da vigilância
epidemiológica a partir da qual, na maioria das vezes, se desencadeia
o processo informação-decisão-ação. A listagem nacional das doenças de
notificação vigente está restrita a alguns agravos e doenças de interesse
sanitário para o pais e compõe o Sistema de Doenças de Notificação Compulsória.
Entretanto, estados e municípios podem incluir novas patologias,
desde que se defina com clareza o motivo e objetivo da notificação, os instrumentos
e fluxo que a informação vai seguir e as ações que devem ser
postas em prática de acordo com as análises realizadas. Entende-se que só
se deve coletar dados que tenham uma utilização prática, para que não se
sobrecarreguem os serviços de formulários que não geram informações capazes
de aperfeiçoar as atividades de saúde.
Dada a natureza específica de cada doença ou agravo à saúde, a notificação
deve seguir um processo dinâmico, variável em função das mudanças
no perfil epidemiológico, dos resultados obtidos com as ações de controle e
da disponibilidade de novos conhecimentos científicos e tecnológicos. As
normas de notificação devem adequar-se no tempo e no espaço, às características
de distribuição das doenças consideradas, ao conteúdo de informação
requerido, aos critérios de definição de casos, à periodicidade da transmissão
dos dados, às modalidades de notificação indicadas e a representatividade
das fontes de notificação. Para nortear os parâmetros de inclusão
de doenças e/ou agravos na lista de notificação compulsória, para as três
esferas de governo, o CENEPI publicou um documento resultante do processo
de discussão da revisão desta lista nacional, que deve ser consultada
por estados e municípios que desejam incorporar ou retirar doenças ou
agravos da lista nacional do Informe Epidemiológico do SUS, VII, no 1, Jan a
Mar/98. (e-mail: cenepi@fns.gov.br.)
Os critérios que devem ser aplicados no processo de seleção para notificação
de doenças são:
A Vigilância Epidemiológica 7
- Magnitude - doenças com elevada freqüência que afetam grandes contingentes
populacionais, que se traduzem pela incidência, prevalência,
mortalidade, anos potenciais de vida perdidos.
- Potencial de disseminação - se expressa pela transmissibilidade da
doença, possibilidade de sua disseminação através de vetores e demais
fontes de infecção, colocando sob risco outros indivíduos ou coletividades.
- Transcendência – tem-se tem definido como um conjunto de características
apresentadas por doenças e agravos, de acordo com sua apresentação
clínica e epidemiológica, das quais as mais importantes são: a
severidade medida pelas taxas de letalidade, hospitalizações e seqüelas;
a relevância social que subjetivamente significa o valor que a sociedade
imputa à ocorrência do evento através da estigmatização dos
doentes, medo, indignação quando incide em determinadas classes sociais;
e as que podem afetar o desenvolvimento, o que as caracteriza
como de relevância econômica devido a restrições comerciais, perdas
de vidas, absenteísmo ao trabalho, custo de diagnóstico e tratamento,
etc.
- Vulnerabilidade - doenças para as quais existem instrumentos específicos
de prevenção e controle permitindo a atuação concreta e efetiva
dos serviços de saúde sob indivíduos ou coletividades.
- Compromissos Internacionais - o governo brasileiro vem firmando
acordos juntamente com os países membros da OPAS/OMS, que visam
empreender esforços conjuntos para o alcance de metas continentais ou
até mundiais de controle, eliminação ou erradicação de algumas doenças.
Exemplo mais expressivo é o do Programa de Eliminação do Poliovírus
Selvagem, que alcançou a meta de erradicação das Américas.
Desta forma, teoricamente, a poliomielite deveria ser excluída da lista,
no entanto este programa preconiza sua manutenção e sugere ainda
que se acrescente as Paralisias Flácidas Agudas, visando a manutenção
da vigilância do vírus, para que se detecte sua introdução em países
indenes, visto que o mesmo continua circulando em áreas fora do
continente americano.
- Regulamento Sanitário Internacional - as doenças que estão definidas
como de notificação compulsória internacional, obrigatoriamente,
são incluídas nas listas de todos os países membros da OPAS/OMS, e
hoje estão restritas a três: cólera, febre amarela e peste.
- Epidemias, surtos e agravos inusitados - todas as suspeitas de epidemias
ou de ocorrência de agravo inusitado devem ser investigados e
imediatamente notificados aos níveis hierárquicos superiores pelo meio
mais rápido de comunicação disponível. Mecanismos próprios de notificação
devem ser instituídos, definidos de acordo com a apresentação
clínica e epidemiológica do evento.
8 Guia de Vigilância Epidemiológica
Estes critérios devem ser observados e analisados em conjunto, e, obviamente,
não é necessário para a inclusão de uma doença o atendimento de todos eles.
Por outro lado, nem sempre podem ser aplicados de modo linear, desde quando
a lista que vai gerar este sistema de informação irá subsidiar a Vigilância Epidemiológica,
e esta tem que se alicerçar sob bases factíveis e aceitáveis por quem
alimenta o sistema, que são especialmente os profissionais de saúde da rede de
serviços.
Mesmo sendo compulsória - o que significa ser dever de todo cidadão notificar a
ocorrência de algum caso suspeito de doença que esteja na relação de notificação
compulsória, e uma obrigação inerente à profissão médica e outras profissões
da área de saúde - a notificação é habitualmente realizada de modo precário,
pelo desconhecimento de sua importância, descrédito nos serviços de saúde,
falta de acompanhamento e supervisão da rede de serviços e, também, pela falta
de retorno dos dados coletados e das ações que foram geradas pela análise.
Neste sentido, é fundamental que trabalhos de sensibilização dos profissionais e
das comunidades sejam sistematicamente realizados, visando a melhoria da
obtenção dos dados no que diz respeito à sua quantidade e qualidade, fortalecendo
e ampliando a rede de notificação, pois, idealmente, o sistema deve cobrir
toda a população. Dessa forma, considera-se que todas as unidades de saúde
devem compor a rede de notificação (pública, privada e filantrópica), como também,
todos os profissionais de saúde e mesmo a população em geral.
Aspectos que devem ser considerados na notificação:
- Notificar a simples suspeita da doença. Não se deve aguardar a confirmação
do caso para se efetuar a notificação, pois isto pode significar perda
da oportunidade de adoção das medidas de prevenção e controle indicadas;
- A notificação tem que ser sigilosa, só podendo ser divulgada fora do âmbito
médico sanitário em caso de risco para a comunidade, respeitando-se o direito
de anonimato dos cidadãos;
- O envio dos instrumentos de coleta de notificação deve ser feito mesmo na
ausência de casos, configurando-se o que se denomina notificação negativa,
que funciona como um indicador de eficiência do sistema de informações.
Além da notificação compulsória, o Sistema de Vigilância Epidemiológica pode
definir doenças e agravos como de simples notificação. Este manual contém capítulos
específicos de todas as doenças que compõem a lista brasileira de doenças
de notificação compulsória, e muitos outros que são importantes problemas
sanitários para o país. Observe-se que algumas destas patologias estão indicadas
nos capítulos específicos como de notificação (Leptospirose, Teníase/
Cisticercose, etc.) enquanto em outras sugere-se a realização de inquéritos
periódicos (Diabetes).
O Sistema Nacional de Agravos Notificáveis (SINAN), detalhado no capitulo III
deste Guia, é o principal instrumento de coleta dos dados das doenças de notificação
compulsória e de outros agravos.
A Vigilância Epidemiológica 9
Laboratórios
O resultado de exames laboratoriais na rotina da Vigilância Epidemiológica é um
dado que rotineiramente complementa o diagnóstico de confirmação da investigação
epidemiológica. Entretanto, o uso do laboratório como fonte de detecção
de casos tem sido restrito a algumas doenças em situações especiais. Na realidade,
não existe ainda um sistema integrado e sistemático de todas as doenças
que fazem parte do sistema de vigilância com os resultados dos exames que são
processados nos Laboratórios Centrais (LACEN), nem com os de triagem sorológica
de doadores de sangue dos hemocentros. A Coordenação da Rede Nacional
de Laboratórios de Saúde Pública (COLAB) e as Secretarias de Saúde Estaduais
(SES) estão discutindo esta articulação, o que viabilizará tornar o laboratório
fonte rotineira de informação da vigilância. Por outro lado, os LACENs deverão
desenvolver junto com a vigilância estudos epidemiológicos especiais, não
devendo ficar limitados a simples demanda espontânea.
Entretanto, faz-se necessário o engajamento dos laboratórios públicos e privados
no sistema que está sendo organizado, para ser de uso rotineiro da vigilância
epidemiológica pois, muitas vezes, através deles se diagnosticam enfermidades
que não foram detectadas pelo sistema formal de notificação.
Bases de Dados dos Sistemas Nacionais de Informação
O registro rotineiro de dados sobre saúde, derivados da produção de serviços ou
de sistemas de informação específicos, constituem-se valiosas fontes de informação
sobre a ocorrência de doenças e agravos sob vigilância epidemiológica.
Com a progressiva implementação de recursos informacionais no setor saúde,
esses dados tendem a tomar-se cada vez mais acessíveis por meios eletrônicos,
sendo de primordial importância para os agentes responsáveis pelas ações de
vigilância, em todos os níveis. Em âmbito nacional, além do SINAN anteriormente
referido, há quatro grandes sistemas de informação cujo interesse é prioritário
e estão descritos no Capitulo III deste Guia.
- Sistema de Informação de Mortalidade - SIM
- Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - SINASC
- Sistema de Informações Hospitalares - SIH
- Sistema de Informações Ambulatoriais - SIA
Os dados derivados desses sistemas complementam os de notificação, tanto
com relação a casos que deixaram de ser notificados, quanto por aportarem outras
variáveis de análise. Seu uso para a vigilância epidemiológica deve ser estimulado,
objetivando aprimorar a qualidade do registro e compatibilizar as informações
oriundas de diferentes fontes.
Investigação Epidemiológica
Procedimento que não só complementa as informações da notificação sobre a
fonte de infecção, mecanismos de transmissão, dentre outras, como também
pode possibilitar a descoberta de novos casos que não foram notificados. Por ser
a etapa mais nobre da metodologia de vigilância epidemiológica, será melhor
detalhada no item 4 deste capítulo.
10 Guia de Vigilância Epidemiológica
Imprensa e População
Muitas vezes, informações oriundas da população e da imprensa são fontes eficientes
de dados, devendo ser sempre consideradas, desde quando se proceda
a investigação pertinente, para confirmação ou descarte de casos. Quando a vigilância
de uma área não está organizada ou é ineficiente, o primeiro alerta da
ocorrência de um agravo, principalmente quando se trata de uma epidemia, pode
ser a imprensa ou a comunidade. A organização de boletins que contenham informações
oriundas de jornais e de outros meios de comunicação e seu envio
aos dirigentes com poder de decisão, são importantes auxiliares da vigilância
epidemiológica, no sentido de que se defina o aporte de recursos necessários à
investigação e controle dos eventos sanitários
Fontes Especiais de Dados
Estudos Epidemiológicos
Várias são as fontes que podem fornecer dados, quando se deseja analisar a
ocorrência de um fenômeno do ponto de vista epidemiológico. Os registros de
dados e as investigações epidemiológicas constituem-se fontes regulares de
coleta. No entanto, sempre que as condições exigirem, deve-se recorrer diretamente
à população ou aos serviços, em determinado momento ou período,
para obter dados adicionais ou mais representativos. Esses dados podem
ser obtidos através de inquérito, investigação ou levantamento epidemiológico.
- Inquéritos Epidemiológicos
O inquérito epidemiológico é um estudo seccional, geralmente do tipo
amostral, levado a efeito quando as informações existentes são inadequadas
ou insuficientes, em virtude de diversos fatores, dentre os quais
pode-se destacar: notificação imprópria ou deficiente; mudança no comportamento
epidemiológico de uma determinada doença; dificuldade em
se avaliar coberturas vacinais ou eficácia de vacinas, necessidade de se
avaliar eficácia das medidas de controle de um programa; descoberta de
agravos inusitados.
- Levantamento Epidemiológico
É um estudo realizado com base nos dados existentes nos registros dos
serviços de saúde ou de outras instituições. Não é um estudo amostral e
destina-se a coletar dados para complementar informações já existentes.
A recuperação de séries históricas, para análises de tendências, e a busca
ativa de casos, para aferir a eficiência do sistema de notificação, são
exemplos de levantamentos epidemiológicos.
Sistemas Sentinela
Uma importante estratégia de informação para vigilância é a organização de
redes constituídas de fontes de notificação especializadas, suficientemente
motivadas para participar de esforços colaborativos comuns, voltados ao estudo
de problemas de saúde ou de doenças específicas. As chamadas fonA
Vigilância Epidemiológica 11
tes sentinelas, quando bem selecionadas, são capazes de assegurar representatividade
e qualidade as informações produzidas, ainda que não
se pretenda conhecer o universo de ocorrências.
Esta estratégia de formação de Sistemas de Vigilância Sentinela tem como
objetivo monitorar indicadores chaves na população geral ou em grupos especiais,
que sirvam como alerta precoce para o sistema, não tendo a preocupação
com estimativas precisas de incidência ou prevalência da população
geral. Apesar de alguns autores entenderem que vigilância sentinela seria
uma tentativa de se conhecer algumas medidas de incidência de doença em
países que não dispõem de bons sistemas de vigilância, sem ter que se recorrer
a levantamentos dispendiosos, outros colocam que esta estratégia não
está limitada a países em desenvolvimento, e vem sendo utilizada freqüentemente
em países da Europa e nos EUA. Entende-se que Vigilância Sentinela
é um modo de se utilizar modernas técnicas da epidemiologia aliada a
formas de simplificar a operacionalidade de coleta de dados.
Existem várias técnicas de monitoramento para esta forma complementar de
informações à vigilância tradicional, e uma delas está baseada na ocorrência
de evento sentinela. De acordo com Rutstein et cols (1983), evento sentinela
é a detecção de doença prevenível, incapacidade, ou morte inesperada
cuja ocorrência serve como um sinal de alerta de que a qualidade da terapêutica
ou prevenção deve ser questionada. Assim, toda vez que se detecta
evento desta natureza o sistema de vigilância deve ser acionado para que as
medidas indicadas possam ser rapidamente acionadas.
No Brasil, tem-se utilizado com freqüência a técnica de se eleger unidades
de saúde sentinelas, que na grande maioria são os hospitais que internam
doenças infecciosas e parasitárias, que informam diariamente aos órgãos de
vigilância os seus internamentos e atendimentos ambulatoriais. Desse modo,
detecta-se com rapidez as doenças que necessitam de atenção hospitalar e
estão sob vigilância epidemiológica. Outra importante aplicação desta metodologia
é no monitoramento e detecção precoce de surtos de diarréias.
A instituição de redes de profissionais sentinelas tem sido muito utilizada
no estudo e acompanhamento da ocorrência de câncer, pois grande parte
dos casos buscam atenção médica especializada. O monitoramento de
grupos alvos, através de exames clínicos e laboratoriais periódicos ‚ de
grande valor na área de prevenção das doenças ocupacionais.
A delimitação de áreas geográficas específicas para se monitorar a ocorrência
de doenças específicas ou alterações na situação de saúde é uma metodologia
que vem sendo desenvolvida e tem sido denominada vigilância de
áreas sentinelas.
Ainda que no momento atual não se disponha de manuais práticos com orientações
técnicas e operacionais para estas alternativas metodológicas, torna-
se importante que sejam estimuladas e apoiadas, particularmente para serem
desenvolvidas nos Sistemas Locais de Saúde, visando se obter informa12
Guia de Vigilância Epidemiológica
ções que atendam ao principal objetivo da Vigilância Epidemiológica, que é o
pronto desencadeamento de ações preventivas.
Apesar de se considerar importante, e talvez seja uma tendência natural a
prática de se desenvolver diferentes sistemas de Vigilância Epidemiológica,
cada um com distintos objetivos e aplicação de metodologias diferenciadas,
todos buscando oferecer subsídios técnicos e operacionais para desencadeamento
de ações, planejamento, implementação e avaliação de programa,
tem-se que alertar que a proliferação de sistemas acarreta crescentes dificuldades
logísticas aos serviços, impondo-se a necessidade de certo grau de
racionalização ao processo.
Diagnóstico de Casos
A confiabilidade do sistema de notificação depende, em grande parte, da capacidade
dos serviços locais de saúde - que são responsáveis pelo atendimento dos casos - -
diagnosticarem, corretamente, as doenças e agravos. Para isso, os profissionais
deverão estar tecnicamente capacitados e dispor de recursos complementares para
a confirmação da suspeita clínica. Diagnóstico e tratamento feitos correta e oportunamente
asseguram a credibilidade dos serviços junto à população, contribuindo
para a eficiência do sistema de vigilância.
Investigação Epidemiológica de Casos
A investigação epidemiológica é um método de trabalho utilizado com muita freqüência
em casos de doenças transmissíveis, mas que se aplica a outros grupos de
agravos. Consiste em um estudo de campo realizado a partir de casos (clinicamente
declarados ou suspeitos) e de portadores. Tem como objetivo avaliar a ocorrência,
do ponto de vista de suas implicações para a saúde coletiva. Sempre que possível,
deve conduzir à confirmação do diagnóstico, a determinação das características
epidemiológicas da doença, à identificação das causas do fenômeno e à orientação
sobre as medidas de controle adequadas. É utilizada na ocorrência de casos isolados
e também em epidemias. O método de investigação de epidemias, por ter grande
relevância, está descrito detalhadamente no Capítulo II deste Guia.
a) Roteiro de Investigação
Todo novo caso de doença transmissível é um problema epidemiológico não resolvido
e, de algum modo, relacionado a saúde de outros indivíduos da comunidade.
Isso significa que, diante da ocorrência de casos ou óbitos por causa inserida
no sistema de vigilância, ou de agravo inusitado, a equipe ou profissional
responsável pela vigilância deve estudar o caso, investigando e estabelecendo o
significado real do mesmo para a população e área em que foi encontrado.
Várias indagações devem ser levantadas:
De quem foi contraída a infecção? (fonte de contágio)
Qual a via de disseminação da infecção, da fonte ao doente?
Que outras pessoas podem ter sido infectadas pela mesma fonte de contágio?
A Vigilância Epidemiológica 13
Quais as pessoas a quem o caso pode haver transmitido a doença?
A quem o caso ainda pode transmitir a doença? Como evitá-lo?
b) Andamento da Investigação
Início - a finalidade da investigação é a adoção de medidas de controle em
tempo hábil. Nesse sentido, faz-se necessário que seja iniciada imediatamente
após a ocorrência do evento, visando obedecer o período de tempo
tecnicamente adequado, para que as medidas profiláticas sejam adotadas em
tempo útil e oportuno.
Entrevista - em geral, as unidades de saúde dispõem de formulários específicos
para as doenças incluídas no sistema de vigilância, denominados Ficha
de Investigação Epidemiológica. Esses formulários, importantes por facilitar a
consolidação de dados, devem ser preenchidos cuidadosamente, registrando-
se todas as informações indicadas, para permitir a análise e a comparação
de dados. O investigador poderá acrescentar novos itens que considere
relevantes para a investigação. Um espaço para observações deve sempre
ser reservado, visando a anotação de informações que possam ajudar o processo
de investigação e que não constam da ficha e também não foram pré--
definidas pelo investigador. Os dados para preenchimento dessa ficha são
coletados a partir de informações obtidas do médico e/ou profissionais de saúde
assistentes, de prontuários, de resultados de exames laboratoriais, de
perguntas dirigidas ao próprio paciente, e, dependendo do agravo, de indivíduos
da comunidade.
Em virtude da diversidade de características clínico-epidemiológicas, as fichas de
investigação devem ser específicas para cada tipo de doença ou agravo. O detalhamento
das informações previstas depende do estágio do programa de controle.
Por isso deve ser atualizada, mas garantindo a base de dados para o
acompanhamento de tendências. A investigação epidemiológica de epidemias
pode exigir um formulário desenhado para a ocorrência específica. As fichas epidemiológicas
devem conter as seguintes informações:
Dados de identificação - nome do paciente, idade, sexo, estado civil, nacionalidade,
profissão, local de trabalho ou escola, residência (como ponto de
referência para localização) etc.
Dados de anamnese e exame físico - queixa principal, data de início dos
sintomas, história da moléstia atual, antecedentes mórbidos, contatos anteriores,
viagens realizadas, lugares que costuma freqüentar, mudanças de
hábitos alimentares nos dias que antecederam os sintomas e outros dados
que possam contribuir para completar a história epidemiológica. Exame físico
completo, repetido periodicamente quando indicado, objetivando acompanhar
a evolução ou para esclarecimento diagnóstico.
Suspeita diagnóstica - logo após o exame clínico deve ver o diagnóstico do
paciente, caso já se tenha elementos (clínicos e epidemiológicos) para firmá-
lo, ou se formula as principais suspeitas para orientar a condução terapêutica,
as medidas de controle e a solicitação de exames laboratoriais.
14 Guia de Vigilância Epidemiológica
Informações sobre o meio ambiente - se for doença presumivelmente de
veiculação hídrica, averiguar aspectos referentes ao sistema de abastecimento
de água, à disposição de dejetos e ao destino do lixo, historia migratória
da comunidade, obras que provocaram transformações no meio
ambiente, chuvas, secas, alagamentos, instalação ou existência de indústria,
colheitas temporárias com utilização de mão-de-obra local ou alienígena,
uso de pesticidas, existência de insetos vetores etc.
Exames complementares - de acordo com o(s) agravo(s) suspeitado(s), a
equipe de investigação deverá elaborar, com a equipe de assistência, um
plano diagnóstico para o paciente Em caso de epidemia, este plano vai alem
dos pacientes, pois deve-se coletar exames para diagnóstico das fontes de
contaminação, veículo de infecção, pesquisa e exame de vetores, etc de
acordo com cada situação. Este plano visa agilizar o diagnóstico, otimizar o
gasto de recursos e, conseqüentemente, a adoção precoce das medidas de
controle.
O laboratório é um meio importante de apoio para a conclusão diagnóstica. Entretanto,
em muitas situações não se faz necessário aguardar resultados laboratoriais
para se iniciar as medidas de controle, que podem ser adotadas com base
em suspeitas, corroboradas ou não pelos resultados dos exames. É fundamental
se observar rigorosamente as normas técnicas para colheita e transporte de
material, para que não se percam as amostras coletadas e as oportunidades diagnósticas.
c) Busca ativa de casos
Quando se suspeita que outros casos possam ter ocorrido, sem conhecimento
dos serviços de vigilância epidemiológica, a busca ativa de casos se impõe, visando
ao conhecimento da magnitude do evento, ao tratamento adequado dos
acometidos e à ampliação do espectro das medidas de controle. Essa busca,
parte integrante da investigação e casos, será realizada no espaço geográfico
em que se suspeite a existência de fonte de contágio ativa. Assim, a busca pode
ser restrita a um domicílio, rua ou bairro, como pode ultrapassar barreiras geográficas
de municípios ou estados, de acordo com correntes migratórias ou veículos
de transmissão. Quando isso ocorrer, as equipes das outras áreas devem
ser acionadas, e se viabilizar a troca de informações, que comporão as anotações
da investigação e se prestarão para a análise do evento.
d) Busca de pistas
Para estabelecer a origem da transmissão e, conseqüentemente, classificar o
caso, faz-se necessário articular as informações coligidas e ter certeza de que as
mesmas são suficientes. A partir daí, passa-se para o que se pode denominar
"busca de pistas" .
Cabe ao investigador optar por aquelas pistas que sejam mais produtivas para a
classificação do caso. Algumas informações passam, então, a ser mais relevantes,
tais como:
Período de incubação;
A Vigilância Epidemiológica 15
Presença de outros casos na localidade;
Existência ou não de vetores ligados à transmissibilidade da doença;
Grupo etário mais atingido;
Fonte de contágio comum (água, alimentos);
Modos de transmissão (respiratória, contato direto); e
Época em que ocorre (estação).
A avaliação dessas variáveis e de outras, em seu conjunto, fornecerá as pistas
para a identificação do problema e a tomada de medidas necessárias ao seu
controle.
Por ser um m‚todo que exige pessoal preparado, recursos financeiros e um bom
sistema de notificação, não se realiza investigação epidemiológica em todas as
doenças. Em geral, os seguintes critérios são utilizados para se definir quais as
doenças que serão investigadas:
A doença é considerada prioritária pelo sistema de vigilância de acordo com
os critérios de seleção;
A doença está excedendo a freqüência usual;
Há suspeita de que os casos sejam devidos a uma fonte comum de infecção;
A doença se apresenta com gravidade clínica maior que a habitual;
A doença é desconhecida na área.
Processamento e Análise de Dados
Os dados colhidos são consolidados (ordenados de acordo com as características
das pessoas, lugar, tempo etc.) em tabelas, gráficos, mapas da área em estudo,
fluxos de pacientes e outros. Essa disposição fornecerá uma visão global do evento,
permitindo a avaliação de acordo com as variáveis de tempo, espaço e pessoas
(quando? onde? quem?) e de associação causal (por que?) e deverá ser comparado
com períodos semelhantes de anos anteriores.
É importante lembrar que, além das freqüências absolutas, o cálculo de indicadores
epidemiológicos (coeficientes de incidência, prevalência, letalidade e mortalidade)
deve ser realizado para efeito de comparação.
A partir do processamento dos dados, deverá ser realizada a análise criteriosa dos
mesmos, em maior ou menor complexidade, dependendo dos dados disponíveis e
da formação profissional da equipe transformando-os em INFORMAÇÃO capaz de
orientar a adoção das medidas de controle. Quanto mais oportuna for a análise,
mais eficiente será o sistema de vigilância epidemiológica.
Decisão-Ação
Todo o sistema de vigilância é montado tendo como objetivo o controle, a eliminação
ou a erradicação de doenças, o impedimento de óbitos e seqüelas etc., Ou seja, a
vigilância epidemiológica só tem sua razão de ser se for capaz de servir para a adoção
de medidas que impactem as doenças no sentido da redução da morbi-mortalidade.
Dessa forma, após a análise dos dados, deverão ser definidas imediatamente
as medidas de prevenção e controle mais pertinentes à situação. Isso deve ocorrer
16 Guia de Vigilância Epidemiológica
no nível mais próximo da ocorrência do problema, para que a intervenção seja mais
oportuna e, conseqüentemente, mais eficaz..
Vigilância Epidemiológica de Doenças e Agravos não
Transmissíveis
Apesar da Lei No 6.259 que instituiu o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica
no Brasil não restringir sua atuação às doenças transmissíveis, este vem se limitando
ao longo destas últimas décadas a estas enfermidades. Entretanto, desde
1968, a 21a Assembléia Mundial de Saúde promoveu uma ampla discussão técnica
a respeito da VE, destacando-se que a abrangência do seu conceito permitia a sua
aplicação a outros problemas de saúde pública que não as doenças transmissíveis,
a exemplo das mal-formações congênitas, envenenamentos na infância, leucemia,
abortos, acidentes, doenças profissionais, comportamentos como fatores de risco,
riscos ambientais, utilização de aditivos, dentre outras.
Hoje, com as profundas mudanças no perfil epidemiológico da população, no qual se
observa o declínio das taxas de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias e
o crescente aumento das mortes por causas externas e doenças crônicas degenerativas,
tem-se considerado que muitas enfermidades não transmissíveis são resultantes
do processo de transformação das sociedades modernas, e que colocam em
risco importantes grupos populacionais impondo enfrentamentos coletivos. Deste
modo, tem-se discutido a imperiosa necessidade da sistemática incorporação de
doenças e agravos não transmissíveis ao escopo de atividades da Vigilância Epidemiológica,
abrindo-se a perspectiva de se ampliar o leque das doenças de notificação.
Algumas secretarias municipais e estaduais já vêm tomando iniciativas nesta
direção a exemplo da Bahia e São Paulo.
Cabe destacar que ao estudar a possibilidade de inclusão de novos agravos ao
sistema de VE seja infeccioso ou não, deve ser verificada qual a melhor estratégia
para a coleta de dados, a forma de inserção, os objetivos da iniciativa e a capacidade
operacional da rede de serviços de saúde. Os objetivos podem ser alcançados
através de uma, ou mais das sugestões apontadas no item deste capítulo que se
refere às fontes de dados. Entretanto, se houver a necessidade do conhecimento
caso a caso do agravo, deve-se incorporar à lista de notificação.
Dependendo do grau de desenvolvimento do sistema local, pode-se ir mais além do
atual escopo da vigilância epidemiológica, incorporando-se gradativamente outras
informações que contemplem o monitoramento e análise da situação de saúde das
populações visando o enfrentamento mais global dos seus problemas. O progressivo
avanço de organização e capacitação dos municípios possibilitará o desenho de
novos modelos assistenciais que atendam à proposta de transformação dos atuais
sistemas de vigilância de doenças na vigilância em saúde.
Normatização
Para que um sistema de vigilância epidemiológica funcione com eficiência e eficácia,
faz-se necessário que se estabeleçam normas técnicas capazes de uniformizar
procedimentos e viabilizar a comparabilidade de dados e informações. Essas norA
Vigilância Epidemiológica 17
mas têm que ser claras e serem repassadas para os diversos níveis do sistema
através de manuais, cursos, ordens de serviço etc.
Na padronização, especial destaque deve ser dado à definição de caso de cada
doença ou agravo, visando tornar comparáveis os critérios diagnósticos que regulam
a entrada dos casos no sistema seja como suspeito, compatível ou mesmo
confirmado por diagnóstico laboratorial ainda de acordo com a situação epidemiológica
específica de cada doença.
A definição de caso de uma doença ou agravo, do ponto de vista da vigilância, podese
modificar ao longo de um período em conseqüência das alterações na epidemiologia
da doença, da intenção de ampliar ou reduzir os parâmetros de ingresso de
casos no sistema, aumentando ou diminuindo a sua sensibilidade e especificidade
para atender às necessidades de vigilância, etapas e metas de um programa especial
de intervenção. Exemplo claro deste fato encontra-se no Programa de Erradicação
do Poliovírus Selvagem, que adotou diferentes critérios nas suas definições de
caso suspeito, compatível, provável ou confirmado ao longo da sua trajetória. Esta
edição do Guia de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde, atualiza normas,
procedimentos técnicos e definições de caso da maioria das doenças que
estão sob vigilância no país.
As normas sobre as doenças e agravos de interesse epidemiológico têm que estar
compatibilizadas em todos os níveis do sistema de vigilância, para possibilitar a
realização de análises e de avaliações coerentes, qualitativa e quantitativamente.
Nesse sentido, as orientações técnicas e operacionais emanadas dos órgãos centrais
do sistema devem ser consideradas e adaptadas à realidade de cada área
mantendo-se a coerência e obedecendo as definições de caso. Da mesma forma se
procede com as doenças e agravos de interesse estadual. Aquelas patologias de
notificação compulsória exclusiva no âmbito municipal, também devem ter seus
conteúdos de ações normatizado, nesse nível do sistema.
Retroalimentação do Sistema
A função de retroalimentação do sistema é fundamental para mantê-lo funcionando.
A devolução de informações aos níveis de menor complexidade, desde uma análise
mais específica ao notificante até a mais complexa da situação epidemiológica de
uma determinada região, é fundamental para assegurar a credibilidade do sistema,
uma vez que os profissionais e pessoas da comunidade que o alimentam, devem ser
mantidos informados. Além disso, a retroalimentação é peça importante na coleta de
subsídios para reformular os programas nos seus diversos níveis. Será tanto mais
útil quanto melhor for a qualidade da informação gerada, pois a continuidade da
política e do programa de controle, ou as propostas de modificações, estão na dependência
desse mecanismo.
A retroalimentação terá por base os resultados de investigação e a análise de dados,
e se efetivará através de informes e análises epidemiológicas locais, regionais,
estaduais, macrorregionais e nacionais. Essa função deve ser estimulada em todos
os níveis, para que a devolução da informação seja útil e tenha a oportunidade desejada.
A periodicidade e os instrumentos de retroalimentação dependem da política
de informação de cada nível institucional.
18 Guia de Vigilância Epidemiológica
Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica
O Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE) compreende o conjunto
interarticulado de instituições do setor público e privado componentes do Sistema
Único de Saúde (SUS) que, direta ou indiretamente, notificam doenças e agravos,
prestam serviços a grupos populacionais ou orientam a conduta a ser tomada no
controle das mesmas.
Pelas razões expostas na primeira parte deste Capítulo, o SNVE está passando por
profunda reorganização operacional, tendo em vista adequá-lo aos princípios de
descentralização e de integralidade das ações, definidas no SUS. A transferência de
ações e atividades para os níveis descentralizados deve ser gradual, de acordo com
o desenvolvimento dos sistemas locais de saúde, de forma a evitar a descontinuidade
programática. A implantação da NOB/SUS/96 significa um grande avanço para a
descentralização das ações de vigilância epidemiológica não se por prever o aporte
contínuo de recursos financeiros específicos para esta área, transferindo-os fundo
a fundo, como também por definir requisitos e atividades mínimas a serem desenvolvidas
pelos municípios, dependendo do nível de gestão em que estiverem habilitados.
Assim, se estabeleceu um processo concreto de descentralização das esferas de
poder no sistema de saúde e o rol de agravos sob vigilância poderá variar nos diferentes
níveis o que requer o cuidado de garantir o fluxo de informações pertinentes a
cada um deles, bem como o apoio técnico e logístico para o desenvolvimento do
conjunto do sistema.
Nessa nova organização, as atribuições correspondentes aos três níveis do sistema
de saúde, resumidas no Quadro 1, são as seguintes:
a) Atribuições do Nível Municipal
Análise e acompanhamento do comportamento epidemiológico das doenças
e agravos de interesse neste âmbito.
Análise e acompanhamento epidemiológico de doenças e agravos de interesse
dos âmbitos estadual e federal, em articulação com os órgãos
correspondentes, respeitada a hierarquia entre eles.
Participação na formulação de políticas, planos e programas de saúde e
na organização da prestação de serviços, no âmbito municipal.
Implantação, gerenciamento e operacionalização dos sistemas de informações
de base epidemiológica visando a coleta dos dados necessários
às análises da situação de saúde municipal e o cumprimento dos requisitos
técnicos para habilitação na NOB/SUS/96 e nos Índices de Valorização
de Resultados (IVR).
Realização das investigações epidemiológicas de casos e surtos.
Execução de medidas de controle de doenças e agravos sob vigilância de
interesse municipal e colaboração na execução de ações relativas a situações
epidemiológicas de interesse estadual e federal.
A Vigilância Epidemiológica 19
Estabelecimento de diretrizes operacionais, normas técnicas e padrões
de procedimento no campo da vigilância epidemiológica.
Programação, coordenação, acompanhamento e supervisão das atividades
no âmbito municipal e solicitação de apoio ao nível estadual do
sistema, nos casos de impedimento técnico ou administrativo.
Estabelecimento, junto às instâncias pertinentes da administração municipal,
dos instrumentos de coleta e análise de dados, fluxos, periodicidade,
variáveis e indicadores necessários ao sistema no âmbito municipal.
Identificação de novos agravos prioritários para a vigilância epidemiológica,
em articulação com outros níveis do sistema. Apoio técnicocientífico
para os níveis distritais e locais.
Implementação de programas especiais formulados no âmbito estadual.
Participação, junto às instâncias responsáveis pela gestão municipal da
rede assistencial, na definição de padrões de qualidade de assistência.
Promoção de educação continuada dos recursos humanos e o intercâmbio
técnico-científico com instituições de ensino, pesquisa e assessoria.
Elaboração e difusão de boletins epidemiológicos (retro-alimentação) e
participação em estratégias de comunicação social no âmbito municipal.
Acesso permanente e comunicação com Centros de Informação de Saúde
ou assemelhados das administrações municipal e estadual, visando
o acompanhamento da situação epidemiológica, a adoção de medidas
de controle e a retroalimentação do sistema de informações.
b) Atribuições do Nível Estadual
Promoção de análises, estudos e pesquisas epidemiológicas para identificação
dos determinantes, condicionantes, grupos e fatores de risco
populacionais, neste âmbito.
Participação na formulação de políticas, planos e programas de saúde e
na organização da prestação de serviços estaduais.
Assessoramento e orientação técnica aos níveis regional e municipal
para o controle de doenças e agravos à saúde.
Análise e acompanhamento do comportamento epidemiológico das doenças
e agravos à saúde sob vigilância, de interesse específico do âmbito
municipal, nas situações em que os municípios apresentarem dificuldades
para fazê-lo.
Análise e acompanhamento do comportamento epidemiológico das doenças
e agravos à saúde sob vigilância, de interesse do âmbito federal,
em articulação com o Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI/MS).
20 Guia de Vigilância Epidemiológica
Promoção de medidas de controle de doenças e agravos junto aos municípios
e execução das mesmas, em forma supletiva à ações municipais,
nas situações epidemiológicas de interesse estadual.
Estabelecimento de diretrizes operacionais, normas técnicas e padrões
de procedimento no campo da vigilância epidemiológica, ressalvadas as
situações em que os municípios disponham de capacidade para efetuar
a normatização.
Programação, coordenação e supervisão das atividades de vigilância
epidemiológica no âmbito estadual.
Coordenação e execução de atividades de vigilância em cooperação
com os municípios, nas situações em que os agravos ultrapassem o
âmbito de ação estritamente municipal.
Supervisão, acompanhamento e avaliação dos programas executados
no nível municipal.
Elaboração de planos de atuação e cadastramento de pessoal capacitado
para agir em situações emergenciais.
Identificação de novos agravos prioritários para a vigilância epidemiológica,
em articulação com as outras instâncias do SUS e com os níveis
municipais.
Coletas e análises de informações epidemiológicas no nível estadual.
Cooperação técnico-científica para os níveis regionais e municipais.
Participação na definição do controle de qualidade do modelo assistencial
e das ações de saúde junto com as demais instancias do SUS.
Elaboração e difusão de Boletins Epidemiológicos (Retroalimentação,
participação em outras estratégias de comunicação social.
Estabelecimento de mecanismos de apoio e estímulo aos municípios
para que desenvolvam os sistemas locais de vigilância epidemiológica,
obedecendo as diretrizes e disposições da NOB/SUS/96 e IVR.
Relação permanente com os Centros de Informação em Saúde ou com
órgãos assemelhados para o acompanhamento da situação epidemiológica,
a adoção de medidas de controle e a retroalimentação do sistema
de informações.
c) Atribuições do Nível Federal
Assessoramento, acompanhamento e avaliação dos problemas de saúde
considerados de relevância nacional, seja por envolverem doenças
ou agravos sob responsabilidade do nível federal, seja por representarem
situações inusitadas ou epidêmicas impossíveis de serem enfrentadas
de forma isolada pelos estados.
A Vigilância Epidemiológica 21
Atuação em situações especiais, como na ocorrência de agravos inusitados
ou epidemias, que possam escapar do controle estadual ou que
representem risco de disseminação nacional.
Cooperação técnico-científica com estados e municípios, tendo em vista
o aperfeiçoamento permanente da capacidade de realização de investigações
epidemiológicas e de adoção de medidas de controle de agravos.
Definição de diretrizes e bases técnicas para o Sistema Nacional de Vigilância
Epidemiológica.
Normatização de ações e atividades de vigilância e controle dos programas
de interesse nacional.
Elaboração de instrumentos e indicadores adequados para a supervisão
e avaliação visando a comparabilidade do sistema nos seus diversos níveis.
Coleta e análise de dados necessários ao acompanhamento das condições
de saúde da população em âmbito nacional.
Promoção de ações de comunicação social, visando a ampliação da
consciência sanitária e da participação da população nas atividades de
vigilância e controle de doenças e agravos.
Promoção de capacitação de recursos humanos, em articulação com
instituições de ensino, visando aprimorar a capacidade de utilização dos
recursos técnico-científicos disponíveis para as ações de vigilância e
controle de doenças e agravos.
Oferecer instrumentos de análises epidemiológicas visando estimular a
capacidade de trabalho de estados e municípios.
Promoção de intercâmbio de conhecimentos técnico-científicos entre os
diversos níveis do sistema, visando a troca de experiências, a padronização
de procedimentos e a atualização do conteúdo das ações.
Elaboração e divulgação de boletins, informes e outros instrumentos
para garantir a retroalimentação do sistema.
Estabelecimento de mecanismos para o aperfeiçoamento dos instrumentos
técnicos, operacionais e de financiamento dos sistemas locais e
estaduais de vigilância epidemiológica.
sobre um ou mais elos conhecidos da cadeia epidemiológica de transmissão, sejam
capazes de vir a interrompê-la. Entretanto, a interação do homem com o meio ambiente
é muito complexa, envolvendo fatores desconhecidos ou que podem ter se
modificado no momento em que se desencadeia a ação. Assim sendo, os métodos
de intervenção tendem a ser aprimorados ou substituídos, na medida em que novos
conhecimentos são aportados, seja por descobertas científicas (terapêuticas, fisiopatogênicas
ou epidemiológicas), seja pela observação sistemática do comportamento
dos procedimentos de prevenção e controle estabelecidos. A evolução desses
conhecimentos contribui, também, para a modificação de conceitos e de formas
organizacionais dos serviços de saúde, na contínua busca do seu aprimoramento.
A conceituação de vigilância epidemiológica e a evolução de sua prática, ao longo
das últimas décadas devem ser entendidas no contexto acima referido. Originalmente,
essa expressão significava "a observação sistemática e ativa de casos suspeitos
ou confirmados de doenças transmissíveis e de seus contatos". Tratava-se,
portanto, da vigilância de pessoas, através de medidas de isolamento ou de quarentena,
aplicadas individualmente, e não de forma coletiva. Posteriormente, na
vigência de campanhas de erradicação de doenças - como a malária e a varíola - a
vigilância epidemiológica passou a ser referida como uma das etapas desses programas,
na qual se buscava detectar, ativamente, a existência de casos da doença
alvo, com vistas ao desencadeamento de medidas urgentes, destinadas a bloquear
a transmissão. A estrutura operacional de vigilância, organizada para esse fim específico,
devia ser desativada após a comprovação de que o risco de transmissão da
doença havia sido eliminado, como resultado das ações do programa.
Na primeira metade da década de 60 consolidou-se, internacionalmente, uma conceituação
mais abrangente de vigilância epidemiológica, em que eram explicitados
seus propósitos, funções, atividades, sistemas e modalidades operacionais. Vigilância
epidemiológica foi, então, definida como "o conjunto de atividades que permite
reunir a informação indispensável para conhecer, a qualquer momento, o comportamento
ou história natural das doenças, bem como detectar ou prever alterações de
seus fatores condicionantes, com o fim de recomendar oportunamente, sobre bases
firmes, as medidas indicadas e eficientes que levem à prevenção e ao controle de
determinadas doenças"
No Brasil, esse conceito foi inicialmente utilizado em alguns programas de controle
de doenças transmissíveis coordenados pelo Ministério da Saúde, notadamente a
Campanha de Erradicação da Varíola - CEV (1966-73). A experiência da CEV motivou
a aplicação dos princípios de vigilância epidemiológica a outras doenças evitáveis
por imunização, de forma que, em 1969, foi organizado um sistema de notifica2
Guia de Vigilância Epidemiológica
ção semanal de doenças, baseado na rede de unidades permanentes de saúde e
sob a coordenação das Secretarias Estaduais de Saúde. As informações de interesse
desse sistema passaram a ser divulgadas regularmente pelo Ministério da Saúde,
através de um boletim epidemiológico de circulação quinzenal. Tal processo propiciou
o fortalecimento de bases técnicas que serviram, mais tarde, para a implementação
de programas nacionais de grande sucesso na área de imunizações, notadamente
na erradicação da transmissão autóctone do poliovírus selvagem na região
das Américas.
Em 1975, por recomendação da 5ª Conferência Nacional de Saúde foi instituído o
Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica – SNVE. Este sistema formalizado
através da Lei 6.259, do mesmo ano e decreto 78.231, que a regulamentou, em
1976, incorporou o conjunto de doenças transmissíveis então consideradas de maior
relevância sanitária no país. Buscava-se, na ocasião, compatibilizar a operacionalização
de estratégias de intervenção desenvolvidas para controlar doenças específicas,
através de programas nacionais que eram, então, escassamente interativos.
A promulgação da lei 8.080, que instituiu, em 1990, o Sistema Único de Saúde –
SUS, teve importante desdobramentos na área de vigilância epidemiológica. O texto
legal manteve o SNVE, oficializando o conceito de vigilância epidemiológico como
“um conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a detecção ou prevenção
de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual
ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção
e controle das doenças ou agravos". Embora essa definição não modifique a essência
da concepção até então adotada pelo SNVE, ela faz parte de um contexto de
profunda reorganização do sistema de saúde brasileiro, que prevê a integralidade
preventivo-assistêncial das ações de saúde, e a conseqüente eliminação da dicotomia
tradicional entre essas duas áreas que tanto dificultava as ações de vigilância.
Além disso, um dos pilares do novo sistema de saúde passou a ser a descentralização
de funções, sob comando único em cada esfera de governo - federal, estadual,
municipal o que implica no direcionamento da atenção para as bases locais de
operacionalização das atividades de vigilância epidemiológica no país.
Dessa forma, a orientação atual para o desenvolvimento do SNVE estabelece, como
prioridade, o fortalecimento de sistemas municipais de vigilância epidemiológica
dotados de autonomia técnico-gerencial para enfocar os problemas de saúde próprios
de suas respectivas áreas de abrangência. Espera-se, assim, que os recursos
locais sejam direcionados para atender, prioritariamente, às ações demandadas
pelas necessidades da área, em termos de doenças e agravos que lá sejam mais
prevalentes. Nessa perspectiva, a reorganização do SNVE deve pautar-se nos seguintes
pressupostos, que resultaram de amplo debate nacional entre os técnicos da
área, com base nos preceitos da reforma sanitária instituída e implementação no
país:
heterogeneidade do rol de doenças e agravos sob vigilância no nível municipal,
embora apresentando, em comum, aquelas que tenham sido definidas
como de interesse do sistema nacional e do estadual correspondente;
A Vigilância Epidemiológica 3
distintos graus de desenvolvimento técnico, administrativo e operacional
dos sistemas locais, segundo o estágio de organização da rede de serviços
em cada município;
incorporação gradativa de novas doenças e agravos - inclusive doenças
não transmissíveis - aos diferentes níveis do sistema;
fluxos de informações baseados no atendimento às necessidades do sistema
local de saúde, sem prejuízo da transferência, em tempo hábil, de informações
para outros níveis do sistema;
construção de programas de controle localmente diferenciados, respeitadas
as bases técnico-científicas de referência nacional.
A relação de doenças de notificação nacional tem sofrido revisões durante as últimas
décadas, em função de novas ações programáticas instituídas para controlar
problemas específicos de saúde. Em 1998 foi procedida, pelo Centro Nacional de
Epidemiologia - CENEPI, ampla revisão do assunto, que resultou na explicitação de
conceitos técnicos sobre o processo de notificação, bem como dos critérios utilizados
para a seleção de doenças e agravos notificáveis. Essa orientação servirá de
base para a atualização da relação de doenças de notificação compulsória em âmbito
nacional.
As atividades e atribuições dos três níveis de atuação do sistema de saúde no que
se refere a vigilância epidemiológica são descritas no item 10 e Quadro 1.
Propósitos e Funções
A vigilância epidemiológica tem como propósito fornecer orientação técnica permanente
para os que têm a responsabilidade de decidir sobre a execução de ações de
controle de doenças e agravos, tornando disponíveis, para esse fim, informações
atualizadas sobre a ocorrência dessas doenças ou agravos, bem como dos seus
fatores condicionantes em uma área geográfica ou população determinada. Subsidiariamente,
a vigilância epidemiológica constitui-se em importante instrumento para
o planejamento, a organização e a operacionalização dos serviços de saúde, como
também para a normatização de atividades técnicas correlatas.
Sua operacionalização compreende um ciclo completo de funções específicas e
intercomplementares que devem ser, necessariamente, desenvolvidas de modo
contínuo, permitindo conhecer, a cada momento, o comportamento epidemiológico
da doença ou agravo escolhido como alvo das ações, para que as medidas de intervenção
pertinentes possam ser desencadeadas com oportunidade e eficácia.
São funções da vigilância epidemiológica:
coleta de dados;
processamento de dados coletados;
análise e interpretação dos dados processados;
recomendação das medidas de controle apropriadas;
promoção das ações de controle indicadas;
avaliação da eficácia e efetividade das medidas adotadas;
divulgação de informações pertinentes.
4 Guia de Vigilância Epidemiológica
Todos os níveis do sistema de saúde têm atribuições de vigilância epidemiológica
compreendendo o conjunto das funções mencionadas. Quanto mais eficientemente
essas funções forem realizadas no nível local, maior será a oportunidade com que
as ações de controle tenderão a ser desencadeadas. Além disso, a atuação competente
no nível local estimulará maior visão do conjunto nos níveis estadual e nacional,
abarcando o amplo espectro dos problemas prioritários a serem enfrentados
em diferentes situações operacionais. Ao mesmo tempo, os responsáveis técnicos
no âmbito estadual, e, com maior razão, no federal, poderão dedicar-se seletivamente,
a questões mais complexas, emergênciais ou de maior extensão, que demandem
a participação de especialistas e centros de referência, inclusive de nível
internacional.
Dessa forma, não mais se admite que a atuação no âmbito local esteja restrita à
realização de coleta de dados e à sua transmissão a outros níveis. O fortalecimento
de sistemas municipais de saúde, tendo a vigilância epidemiológica como um de
seus instrumentos mais importantes de atuação, deve constituir-se na estratégia
principal de institucionalização.
A Norma Operacional Básica do SUS - NOB-SUS/96, no seu item 14 já prevê a
transferência de recursos financeiros fundo a fundo para estados e municípios para
custeio das ações de epidemiologia e de controle de doenças/agravos formalizando
a criação e operação de sistemas locais de vigilância epidemiológica com aporte de
recursos diferenciados para cada área de acordo com o desenvolvimento desses
sistemas, que serão aferidos pelo índice de Valorização de Resultados (IVR) (12.1.6
da NOB/SUS/96).
Coleta de Dados e Informações
O cumprimento das funções de vigilância epidemiológica depende da disponibilidade
de INFORMAÇÕES que sirvam para subsidiar o desencadeamento de ações - -
INFORMAÇÃO PARA A AÇÃO. A qualidade da informação, por sua vez, depende
da adequada coleta de dados, que são gerados no local onde ocorre o evento sanitário
(dado coletado). É Também nesse nível que os dados devem primariamente
ser tratados e estruturados, para se constituírem em um poderoso instrumento. A
INFORMAÇÃO - capaz de estabelecer um processo dinâmico de planejamento,
avaliação, manutenção e aprimoramento das ações. Por ser de vital importância
para a estruturação e desempenho da vigilância epidemiológica, o Capítulo III deste
Guia descreve as bases e os sistemas de informação que estão implantados ou em
via de implantação no país.
A coleta de dados ocorre em todos os níveis de atuação do sistema de saúde. A
força e valor da informação (que é o dado analisado) depende da qualidade e fidedignidade
com que o mesmo é gerado. Para isso, faz-se necessário que as pessoas
responsáveis pela coleta estejam bem preparadas para diagnosticar corretamente o
caso, como também para realizar uma boa investigação epidemiológica, com anotações
claras e confiáveis para que se possa assimilá-las com confiabilidade.
Outro aspecto refere-se à qualidade do dado gerado, ou seja, sua representatividade
em função do problema existente. Assim, é necessário que a gerência local do sistema
obtenha, com regularidade e oportunidade, dados do maior número possível
A Vigilância Epidemiológica 5
de outras fontes geradoras como ambulatórios ou hospitais sentinelas localizados
nesse nível ou em sua periferia.
A passagem do dado pelos diversos níveis deverá ser suficientemente rápida para o
desencadeamento de ações, particularmente quando for necessário o desenvolvimento
dessas por um outro nível, visando a adoção das medidas em momento
oportuno.
É importante salientar que o fluxo, a periodicidade e o tipo de dado que interessa ao
sistema de vigilância estão relacionados às características de cada doença ou agravo.
Os fluxos de informações, dentro dos estados e municípios, estão sendo profundamente
alterados em função da reorganização do sistema de saúde. Entretanto, tem--
se mantido alguns instrumentos e fluxos, visando impedir que haja solução de continuidade
na coleta, repasse e armazenamento de dados, conforme descrição no
Capitulo III.
Tipos de Dados
Os dados e informações que alimentam o Sistema de Vigilância Epidemiológica
são os seguintes:
Dados Demográficos e Ambientais
Permitem quantificar a população: número de habitantes e características
de sua distribuição, condições de saneamento, climáticas, ecológicas, habitacionais
e culturais.
Dados de Morbidade
Podem ser obtidos através de notificação de casos e surtos, de produção
de serviços ambulatoriais e hospitalares, de investigação epidemiológica,
de busca ativa de casos, de estudos amostrais e de inquéritos, entre outras
formas.
Dados de Mortalidade
São obtidos através das declarações de óbitos que são processadas pelo
Sistema de Informações sobre Mortalidade. Mesmo considerando o sub--
registro, que é significativo em algumas regiões do país, e a necessidade de
um correto preenchimento das declarações, trata-se de um dado que assume
importância capital como indicador de saúde. Esse sistema está sendo
descentralizado, objetivando o uso imediato dos dados pelo nível local de
saúde.
Notificação de Surtos e Epidemias
A detecção precoce de surtos e epidemias ocorre quando o sistema de vigilância
epidemiológica local está bem estruturado com acompanhamento
constante da situação geral de saúde e da ocorrência de casos de cada doença
e agravo sujeito à notificação. Essa prática possibilita a constatação
de qualquer indício de elevação do número de casos de uma patologia, ou
a introdução de outras doenças não incidentes no local, e, conseqüente6
Guia de Vigilância Epidemiológica
mente, o diagnóstico de uma situação epidêmica inicial para a adoção imediata
das medidas de controle. Em geral, deve-se notificar esses fatos aos
níveis superiores do sistema para que sejam alertadas as áreas vizinhas
e/ou para solicitar colaboração, quando necessário.
Fontes de Dados
A informação para a vigilância epidemiológica destina-se à tomada de decisões -
INFORMAÇÃO PARA AÇÃO. Este princípio deve reger as relações entre os responsáveis
pela vigilância e as diversas fontes que podem ser utilizadas para o
fornecimento de dados. As principais são:
Notificação
Notificação é a comunicação da ocorrência de determinada doença ou agravo
à saúde, feita à autoridade sanitária por profissionais de saúde ou qualquer
cidadão, para fins de adoção de medidas de intervenção pertinentes.
Historicamente, a notificação compulsória tem sido a principal fonte da vigilância
epidemiológica a partir da qual, na maioria das vezes, se desencadeia
o processo informação-decisão-ação. A listagem nacional das doenças de
notificação vigente está restrita a alguns agravos e doenças de interesse
sanitário para o pais e compõe o Sistema de Doenças de Notificação Compulsória.
Entretanto, estados e municípios podem incluir novas patologias,
desde que se defina com clareza o motivo e objetivo da notificação, os instrumentos
e fluxo que a informação vai seguir e as ações que devem ser
postas em prática de acordo com as análises realizadas. Entende-se que só
se deve coletar dados que tenham uma utilização prática, para que não se
sobrecarreguem os serviços de formulários que não geram informações capazes
de aperfeiçoar as atividades de saúde.
Dada a natureza específica de cada doença ou agravo à saúde, a notificação
deve seguir um processo dinâmico, variável em função das mudanças
no perfil epidemiológico, dos resultados obtidos com as ações de controle e
da disponibilidade de novos conhecimentos científicos e tecnológicos. As
normas de notificação devem adequar-se no tempo e no espaço, às características
de distribuição das doenças consideradas, ao conteúdo de informação
requerido, aos critérios de definição de casos, à periodicidade da transmissão
dos dados, às modalidades de notificação indicadas e a representatividade
das fontes de notificação. Para nortear os parâmetros de inclusão
de doenças e/ou agravos na lista de notificação compulsória, para as três
esferas de governo, o CENEPI publicou um documento resultante do processo
de discussão da revisão desta lista nacional, que deve ser consultada
por estados e municípios que desejam incorporar ou retirar doenças ou
agravos da lista nacional do Informe Epidemiológico do SUS, VII, no 1, Jan a
Mar/98. (e-mail: cenepi@fns.gov.br.)
Os critérios que devem ser aplicados no processo de seleção para notificação
de doenças são:
A Vigilância Epidemiológica 7
- Magnitude - doenças com elevada freqüência que afetam grandes contingentes
populacionais, que se traduzem pela incidência, prevalência,
mortalidade, anos potenciais de vida perdidos.
- Potencial de disseminação - se expressa pela transmissibilidade da
doença, possibilidade de sua disseminação através de vetores e demais
fontes de infecção, colocando sob risco outros indivíduos ou coletividades.
- Transcendência – tem-se tem definido como um conjunto de características
apresentadas por doenças e agravos, de acordo com sua apresentação
clínica e epidemiológica, das quais as mais importantes são: a
severidade medida pelas taxas de letalidade, hospitalizações e seqüelas;
a relevância social que subjetivamente significa o valor que a sociedade
imputa à ocorrência do evento através da estigmatização dos
doentes, medo, indignação quando incide em determinadas classes sociais;
e as que podem afetar o desenvolvimento, o que as caracteriza
como de relevância econômica devido a restrições comerciais, perdas
de vidas, absenteísmo ao trabalho, custo de diagnóstico e tratamento,
etc.
- Vulnerabilidade - doenças para as quais existem instrumentos específicos
de prevenção e controle permitindo a atuação concreta e efetiva
dos serviços de saúde sob indivíduos ou coletividades.
- Compromissos Internacionais - o governo brasileiro vem firmando
acordos juntamente com os países membros da OPAS/OMS, que visam
empreender esforços conjuntos para o alcance de metas continentais ou
até mundiais de controle, eliminação ou erradicação de algumas doenças.
Exemplo mais expressivo é o do Programa de Eliminação do Poliovírus
Selvagem, que alcançou a meta de erradicação das Américas.
Desta forma, teoricamente, a poliomielite deveria ser excluída da lista,
no entanto este programa preconiza sua manutenção e sugere ainda
que se acrescente as Paralisias Flácidas Agudas, visando a manutenção
da vigilância do vírus, para que se detecte sua introdução em países
indenes, visto que o mesmo continua circulando em áreas fora do
continente americano.
- Regulamento Sanitário Internacional - as doenças que estão definidas
como de notificação compulsória internacional, obrigatoriamente,
são incluídas nas listas de todos os países membros da OPAS/OMS, e
hoje estão restritas a três: cólera, febre amarela e peste.
- Epidemias, surtos e agravos inusitados - todas as suspeitas de epidemias
ou de ocorrência de agravo inusitado devem ser investigados e
imediatamente notificados aos níveis hierárquicos superiores pelo meio
mais rápido de comunicação disponível. Mecanismos próprios de notificação
devem ser instituídos, definidos de acordo com a apresentação
clínica e epidemiológica do evento.
8 Guia de Vigilância Epidemiológica
Estes critérios devem ser observados e analisados em conjunto, e, obviamente,
não é necessário para a inclusão de uma doença o atendimento de todos eles.
Por outro lado, nem sempre podem ser aplicados de modo linear, desde quando
a lista que vai gerar este sistema de informação irá subsidiar a Vigilância Epidemiológica,
e esta tem que se alicerçar sob bases factíveis e aceitáveis por quem
alimenta o sistema, que são especialmente os profissionais de saúde da rede de
serviços.
Mesmo sendo compulsória - o que significa ser dever de todo cidadão notificar a
ocorrência de algum caso suspeito de doença que esteja na relação de notificação
compulsória, e uma obrigação inerente à profissão médica e outras profissões
da área de saúde - a notificação é habitualmente realizada de modo precário,
pelo desconhecimento de sua importância, descrédito nos serviços de saúde,
falta de acompanhamento e supervisão da rede de serviços e, também, pela falta
de retorno dos dados coletados e das ações que foram geradas pela análise.
Neste sentido, é fundamental que trabalhos de sensibilização dos profissionais e
das comunidades sejam sistematicamente realizados, visando a melhoria da
obtenção dos dados no que diz respeito à sua quantidade e qualidade, fortalecendo
e ampliando a rede de notificação, pois, idealmente, o sistema deve cobrir
toda a população. Dessa forma, considera-se que todas as unidades de saúde
devem compor a rede de notificação (pública, privada e filantrópica), como também,
todos os profissionais de saúde e mesmo a população em geral.
Aspectos que devem ser considerados na notificação:
- Notificar a simples suspeita da doença. Não se deve aguardar a confirmação
do caso para se efetuar a notificação, pois isto pode significar perda
da oportunidade de adoção das medidas de prevenção e controle indicadas;
- A notificação tem que ser sigilosa, só podendo ser divulgada fora do âmbito
médico sanitário em caso de risco para a comunidade, respeitando-se o direito
de anonimato dos cidadãos;
- O envio dos instrumentos de coleta de notificação deve ser feito mesmo na
ausência de casos, configurando-se o que se denomina notificação negativa,
que funciona como um indicador de eficiência do sistema de informações.
Além da notificação compulsória, o Sistema de Vigilância Epidemiológica pode
definir doenças e agravos como de simples notificação. Este manual contém capítulos
específicos de todas as doenças que compõem a lista brasileira de doenças
de notificação compulsória, e muitos outros que são importantes problemas
sanitários para o país. Observe-se que algumas destas patologias estão indicadas
nos capítulos específicos como de notificação (Leptospirose, Teníase/
Cisticercose, etc.) enquanto em outras sugere-se a realização de inquéritos
periódicos (Diabetes).
O Sistema Nacional de Agravos Notificáveis (SINAN), detalhado no capitulo III
deste Guia, é o principal instrumento de coleta dos dados das doenças de notificação
compulsória e de outros agravos.
A Vigilância Epidemiológica 9
Laboratórios
O resultado de exames laboratoriais na rotina da Vigilância Epidemiológica é um
dado que rotineiramente complementa o diagnóstico de confirmação da investigação
epidemiológica. Entretanto, o uso do laboratório como fonte de detecção
de casos tem sido restrito a algumas doenças em situações especiais. Na realidade,
não existe ainda um sistema integrado e sistemático de todas as doenças
que fazem parte do sistema de vigilância com os resultados dos exames que são
processados nos Laboratórios Centrais (LACEN), nem com os de triagem sorológica
de doadores de sangue dos hemocentros. A Coordenação da Rede Nacional
de Laboratórios de Saúde Pública (COLAB) e as Secretarias de Saúde Estaduais
(SES) estão discutindo esta articulação, o que viabilizará tornar o laboratório
fonte rotineira de informação da vigilância. Por outro lado, os LACENs deverão
desenvolver junto com a vigilância estudos epidemiológicos especiais, não
devendo ficar limitados a simples demanda espontânea.
Entretanto, faz-se necessário o engajamento dos laboratórios públicos e privados
no sistema que está sendo organizado, para ser de uso rotineiro da vigilância
epidemiológica pois, muitas vezes, através deles se diagnosticam enfermidades
que não foram detectadas pelo sistema formal de notificação.
Bases de Dados dos Sistemas Nacionais de Informação
O registro rotineiro de dados sobre saúde, derivados da produção de serviços ou
de sistemas de informação específicos, constituem-se valiosas fontes de informação
sobre a ocorrência de doenças e agravos sob vigilância epidemiológica.
Com a progressiva implementação de recursos informacionais no setor saúde,
esses dados tendem a tomar-se cada vez mais acessíveis por meios eletrônicos,
sendo de primordial importância para os agentes responsáveis pelas ações de
vigilância, em todos os níveis. Em âmbito nacional, além do SINAN anteriormente
referido, há quatro grandes sistemas de informação cujo interesse é prioritário
e estão descritos no Capitulo III deste Guia.
- Sistema de Informação de Mortalidade - SIM
- Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - SINASC
- Sistema de Informações Hospitalares - SIH
- Sistema de Informações Ambulatoriais - SIA
Os dados derivados desses sistemas complementam os de notificação, tanto
com relação a casos que deixaram de ser notificados, quanto por aportarem outras
variáveis de análise. Seu uso para a vigilância epidemiológica deve ser estimulado,
objetivando aprimorar a qualidade do registro e compatibilizar as informações
oriundas de diferentes fontes.
Investigação Epidemiológica
Procedimento que não só complementa as informações da notificação sobre a
fonte de infecção, mecanismos de transmissão, dentre outras, como também
pode possibilitar a descoberta de novos casos que não foram notificados. Por ser
a etapa mais nobre da metodologia de vigilância epidemiológica, será melhor
detalhada no item 4 deste capítulo.
10 Guia de Vigilância Epidemiológica
Imprensa e População
Muitas vezes, informações oriundas da população e da imprensa são fontes eficientes
de dados, devendo ser sempre consideradas, desde quando se proceda
a investigação pertinente, para confirmação ou descarte de casos. Quando a vigilância
de uma área não está organizada ou é ineficiente, o primeiro alerta da
ocorrência de um agravo, principalmente quando se trata de uma epidemia, pode
ser a imprensa ou a comunidade. A organização de boletins que contenham informações
oriundas de jornais e de outros meios de comunicação e seu envio
aos dirigentes com poder de decisão, são importantes auxiliares da vigilância
epidemiológica, no sentido de que se defina o aporte de recursos necessários à
investigação e controle dos eventos sanitários
Fontes Especiais de Dados
Estudos Epidemiológicos
Várias são as fontes que podem fornecer dados, quando se deseja analisar a
ocorrência de um fenômeno do ponto de vista epidemiológico. Os registros de
dados e as investigações epidemiológicas constituem-se fontes regulares de
coleta. No entanto, sempre que as condições exigirem, deve-se recorrer diretamente
à população ou aos serviços, em determinado momento ou período,
para obter dados adicionais ou mais representativos. Esses dados podem
ser obtidos através de inquérito, investigação ou levantamento epidemiológico.
- Inquéritos Epidemiológicos
O inquérito epidemiológico é um estudo seccional, geralmente do tipo
amostral, levado a efeito quando as informações existentes são inadequadas
ou insuficientes, em virtude de diversos fatores, dentre os quais
pode-se destacar: notificação imprópria ou deficiente; mudança no comportamento
epidemiológico de uma determinada doença; dificuldade em
se avaliar coberturas vacinais ou eficácia de vacinas, necessidade de se
avaliar eficácia das medidas de controle de um programa; descoberta de
agravos inusitados.
- Levantamento Epidemiológico
É um estudo realizado com base nos dados existentes nos registros dos
serviços de saúde ou de outras instituições. Não é um estudo amostral e
destina-se a coletar dados para complementar informações já existentes.
A recuperação de séries históricas, para análises de tendências, e a busca
ativa de casos, para aferir a eficiência do sistema de notificação, são
exemplos de levantamentos epidemiológicos.
Sistemas Sentinela
Uma importante estratégia de informação para vigilância é a organização de
redes constituídas de fontes de notificação especializadas, suficientemente
motivadas para participar de esforços colaborativos comuns, voltados ao estudo
de problemas de saúde ou de doenças específicas. As chamadas fonA
Vigilância Epidemiológica 11
tes sentinelas, quando bem selecionadas, são capazes de assegurar representatividade
e qualidade as informações produzidas, ainda que não
se pretenda conhecer o universo de ocorrências.
Esta estratégia de formação de Sistemas de Vigilância Sentinela tem como
objetivo monitorar indicadores chaves na população geral ou em grupos especiais,
que sirvam como alerta precoce para o sistema, não tendo a preocupação
com estimativas precisas de incidência ou prevalência da população
geral. Apesar de alguns autores entenderem que vigilância sentinela seria
uma tentativa de se conhecer algumas medidas de incidência de doença em
países que não dispõem de bons sistemas de vigilância, sem ter que se recorrer
a levantamentos dispendiosos, outros colocam que esta estratégia não
está limitada a países em desenvolvimento, e vem sendo utilizada freqüentemente
em países da Europa e nos EUA. Entende-se que Vigilância Sentinela
é um modo de se utilizar modernas técnicas da epidemiologia aliada a
formas de simplificar a operacionalidade de coleta de dados.
Existem várias técnicas de monitoramento para esta forma complementar de
informações à vigilância tradicional, e uma delas está baseada na ocorrência
de evento sentinela. De acordo com Rutstein et cols (1983), evento sentinela
é a detecção de doença prevenível, incapacidade, ou morte inesperada
cuja ocorrência serve como um sinal de alerta de que a qualidade da terapêutica
ou prevenção deve ser questionada. Assim, toda vez que se detecta
evento desta natureza o sistema de vigilância deve ser acionado para que as
medidas indicadas possam ser rapidamente acionadas.
No Brasil, tem-se utilizado com freqüência a técnica de se eleger unidades
de saúde sentinelas, que na grande maioria são os hospitais que internam
doenças infecciosas e parasitárias, que informam diariamente aos órgãos de
vigilância os seus internamentos e atendimentos ambulatoriais. Desse modo,
detecta-se com rapidez as doenças que necessitam de atenção hospitalar e
estão sob vigilância epidemiológica. Outra importante aplicação desta metodologia
é no monitoramento e detecção precoce de surtos de diarréias.
A instituição de redes de profissionais sentinelas tem sido muito utilizada
no estudo e acompanhamento da ocorrência de câncer, pois grande parte
dos casos buscam atenção médica especializada. O monitoramento de
grupos alvos, através de exames clínicos e laboratoriais periódicos ‚ de
grande valor na área de prevenção das doenças ocupacionais.
A delimitação de áreas geográficas específicas para se monitorar a ocorrência
de doenças específicas ou alterações na situação de saúde é uma metodologia
que vem sendo desenvolvida e tem sido denominada vigilância de
áreas sentinelas.
Ainda que no momento atual não se disponha de manuais práticos com orientações
técnicas e operacionais para estas alternativas metodológicas, torna-
se importante que sejam estimuladas e apoiadas, particularmente para serem
desenvolvidas nos Sistemas Locais de Saúde, visando se obter informa12
Guia de Vigilância Epidemiológica
ções que atendam ao principal objetivo da Vigilância Epidemiológica, que é o
pronto desencadeamento de ações preventivas.
Apesar de se considerar importante, e talvez seja uma tendência natural a
prática de se desenvolver diferentes sistemas de Vigilância Epidemiológica,
cada um com distintos objetivos e aplicação de metodologias diferenciadas,
todos buscando oferecer subsídios técnicos e operacionais para desencadeamento
de ações, planejamento, implementação e avaliação de programa,
tem-se que alertar que a proliferação de sistemas acarreta crescentes dificuldades
logísticas aos serviços, impondo-se a necessidade de certo grau de
racionalização ao processo.
Diagnóstico de Casos
A confiabilidade do sistema de notificação depende, em grande parte, da capacidade
dos serviços locais de saúde - que são responsáveis pelo atendimento dos casos - -
diagnosticarem, corretamente, as doenças e agravos. Para isso, os profissionais
deverão estar tecnicamente capacitados e dispor de recursos complementares para
a confirmação da suspeita clínica. Diagnóstico e tratamento feitos correta e oportunamente
asseguram a credibilidade dos serviços junto à população, contribuindo
para a eficiência do sistema de vigilância.
Investigação Epidemiológica de Casos
A investigação epidemiológica é um método de trabalho utilizado com muita freqüência
em casos de doenças transmissíveis, mas que se aplica a outros grupos de
agravos. Consiste em um estudo de campo realizado a partir de casos (clinicamente
declarados ou suspeitos) e de portadores. Tem como objetivo avaliar a ocorrência,
do ponto de vista de suas implicações para a saúde coletiva. Sempre que possível,
deve conduzir à confirmação do diagnóstico, a determinação das características
epidemiológicas da doença, à identificação das causas do fenômeno e à orientação
sobre as medidas de controle adequadas. É utilizada na ocorrência de casos isolados
e também em epidemias. O método de investigação de epidemias, por ter grande
relevância, está descrito detalhadamente no Capítulo II deste Guia.
a) Roteiro de Investigação
Todo novo caso de doença transmissível é um problema epidemiológico não resolvido
e, de algum modo, relacionado a saúde de outros indivíduos da comunidade.
Isso significa que, diante da ocorrência de casos ou óbitos por causa inserida
no sistema de vigilância, ou de agravo inusitado, a equipe ou profissional
responsável pela vigilância deve estudar o caso, investigando e estabelecendo o
significado real do mesmo para a população e área em que foi encontrado.
Várias indagações devem ser levantadas:
De quem foi contraída a infecção? (fonte de contágio)
Qual a via de disseminação da infecção, da fonte ao doente?
Que outras pessoas podem ter sido infectadas pela mesma fonte de contágio?
A Vigilância Epidemiológica 13
Quais as pessoas a quem o caso pode haver transmitido a doença?
A quem o caso ainda pode transmitir a doença? Como evitá-lo?
b) Andamento da Investigação
Início - a finalidade da investigação é a adoção de medidas de controle em
tempo hábil. Nesse sentido, faz-se necessário que seja iniciada imediatamente
após a ocorrência do evento, visando obedecer o período de tempo
tecnicamente adequado, para que as medidas profiláticas sejam adotadas em
tempo útil e oportuno.
Entrevista - em geral, as unidades de saúde dispõem de formulários específicos
para as doenças incluídas no sistema de vigilância, denominados Ficha
de Investigação Epidemiológica. Esses formulários, importantes por facilitar a
consolidação de dados, devem ser preenchidos cuidadosamente, registrando-
se todas as informações indicadas, para permitir a análise e a comparação
de dados. O investigador poderá acrescentar novos itens que considere
relevantes para a investigação. Um espaço para observações deve sempre
ser reservado, visando a anotação de informações que possam ajudar o processo
de investigação e que não constam da ficha e também não foram pré--
definidas pelo investigador. Os dados para preenchimento dessa ficha são
coletados a partir de informações obtidas do médico e/ou profissionais de saúde
assistentes, de prontuários, de resultados de exames laboratoriais, de
perguntas dirigidas ao próprio paciente, e, dependendo do agravo, de indivíduos
da comunidade.
Em virtude da diversidade de características clínico-epidemiológicas, as fichas de
investigação devem ser específicas para cada tipo de doença ou agravo. O detalhamento
das informações previstas depende do estágio do programa de controle.
Por isso deve ser atualizada, mas garantindo a base de dados para o
acompanhamento de tendências. A investigação epidemiológica de epidemias
pode exigir um formulário desenhado para a ocorrência específica. As fichas epidemiológicas
devem conter as seguintes informações:
Dados de identificação - nome do paciente, idade, sexo, estado civil, nacionalidade,
profissão, local de trabalho ou escola, residência (como ponto de
referência para localização) etc.
Dados de anamnese e exame físico - queixa principal, data de início dos
sintomas, história da moléstia atual, antecedentes mórbidos, contatos anteriores,
viagens realizadas, lugares que costuma freqüentar, mudanças de
hábitos alimentares nos dias que antecederam os sintomas e outros dados
que possam contribuir para completar a história epidemiológica. Exame físico
completo, repetido periodicamente quando indicado, objetivando acompanhar
a evolução ou para esclarecimento diagnóstico.
Suspeita diagnóstica - logo após o exame clínico deve ver o diagnóstico do
paciente, caso já se tenha elementos (clínicos e epidemiológicos) para firmá-
lo, ou se formula as principais suspeitas para orientar a condução terapêutica,
as medidas de controle e a solicitação de exames laboratoriais.
14 Guia de Vigilância Epidemiológica
Informações sobre o meio ambiente - se for doença presumivelmente de
veiculação hídrica, averiguar aspectos referentes ao sistema de abastecimento
de água, à disposição de dejetos e ao destino do lixo, historia migratória
da comunidade, obras que provocaram transformações no meio
ambiente, chuvas, secas, alagamentos, instalação ou existência de indústria,
colheitas temporárias com utilização de mão-de-obra local ou alienígena,
uso de pesticidas, existência de insetos vetores etc.
Exames complementares - de acordo com o(s) agravo(s) suspeitado(s), a
equipe de investigação deverá elaborar, com a equipe de assistência, um
plano diagnóstico para o paciente Em caso de epidemia, este plano vai alem
dos pacientes, pois deve-se coletar exames para diagnóstico das fontes de
contaminação, veículo de infecção, pesquisa e exame de vetores, etc de
acordo com cada situação. Este plano visa agilizar o diagnóstico, otimizar o
gasto de recursos e, conseqüentemente, a adoção precoce das medidas de
controle.
O laboratório é um meio importante de apoio para a conclusão diagnóstica. Entretanto,
em muitas situações não se faz necessário aguardar resultados laboratoriais
para se iniciar as medidas de controle, que podem ser adotadas com base
em suspeitas, corroboradas ou não pelos resultados dos exames. É fundamental
se observar rigorosamente as normas técnicas para colheita e transporte de
material, para que não se percam as amostras coletadas e as oportunidades diagnósticas.
c) Busca ativa de casos
Quando se suspeita que outros casos possam ter ocorrido, sem conhecimento
dos serviços de vigilância epidemiológica, a busca ativa de casos se impõe, visando
ao conhecimento da magnitude do evento, ao tratamento adequado dos
acometidos e à ampliação do espectro das medidas de controle. Essa busca,
parte integrante da investigação e casos, será realizada no espaço geográfico
em que se suspeite a existência de fonte de contágio ativa. Assim, a busca pode
ser restrita a um domicílio, rua ou bairro, como pode ultrapassar barreiras geográficas
de municípios ou estados, de acordo com correntes migratórias ou veículos
de transmissão. Quando isso ocorrer, as equipes das outras áreas devem
ser acionadas, e se viabilizar a troca de informações, que comporão as anotações
da investigação e se prestarão para a análise do evento.
d) Busca de pistas
Para estabelecer a origem da transmissão e, conseqüentemente, classificar o
caso, faz-se necessário articular as informações coligidas e ter certeza de que as
mesmas são suficientes. A partir daí, passa-se para o que se pode denominar
"busca de pistas" .
Cabe ao investigador optar por aquelas pistas que sejam mais produtivas para a
classificação do caso. Algumas informações passam, então, a ser mais relevantes,
tais como:
Período de incubação;
A Vigilância Epidemiológica 15
Presença de outros casos na localidade;
Existência ou não de vetores ligados à transmissibilidade da doença;
Grupo etário mais atingido;
Fonte de contágio comum (água, alimentos);
Modos de transmissão (respiratória, contato direto); e
Época em que ocorre (estação).
A avaliação dessas variáveis e de outras, em seu conjunto, fornecerá as pistas
para a identificação do problema e a tomada de medidas necessárias ao seu
controle.
Por ser um m‚todo que exige pessoal preparado, recursos financeiros e um bom
sistema de notificação, não se realiza investigação epidemiológica em todas as
doenças. Em geral, os seguintes critérios são utilizados para se definir quais as
doenças que serão investigadas:
A doença é considerada prioritária pelo sistema de vigilância de acordo com
os critérios de seleção;
A doença está excedendo a freqüência usual;
Há suspeita de que os casos sejam devidos a uma fonte comum de infecção;
A doença se apresenta com gravidade clínica maior que a habitual;
A doença é desconhecida na área.
Processamento e Análise de Dados
Os dados colhidos são consolidados (ordenados de acordo com as características
das pessoas, lugar, tempo etc.) em tabelas, gráficos, mapas da área em estudo,
fluxos de pacientes e outros. Essa disposição fornecerá uma visão global do evento,
permitindo a avaliação de acordo com as variáveis de tempo, espaço e pessoas
(quando? onde? quem?) e de associação causal (por que?) e deverá ser comparado
com períodos semelhantes de anos anteriores.
É importante lembrar que, além das freqüências absolutas, o cálculo de indicadores
epidemiológicos (coeficientes de incidência, prevalência, letalidade e mortalidade)
deve ser realizado para efeito de comparação.
A partir do processamento dos dados, deverá ser realizada a análise criteriosa dos
mesmos, em maior ou menor complexidade, dependendo dos dados disponíveis e
da formação profissional da equipe transformando-os em INFORMAÇÃO capaz de
orientar a adoção das medidas de controle. Quanto mais oportuna for a análise,
mais eficiente será o sistema de vigilância epidemiológica.
Decisão-Ação
Todo o sistema de vigilância é montado tendo como objetivo o controle, a eliminação
ou a erradicação de doenças, o impedimento de óbitos e seqüelas etc., Ou seja, a
vigilância epidemiológica só tem sua razão de ser se for capaz de servir para a adoção
de medidas que impactem as doenças no sentido da redução da morbi-mortalidade.
Dessa forma, após a análise dos dados, deverão ser definidas imediatamente
as medidas de prevenção e controle mais pertinentes à situação. Isso deve ocorrer
16 Guia de Vigilância Epidemiológica
no nível mais próximo da ocorrência do problema, para que a intervenção seja mais
oportuna e, conseqüentemente, mais eficaz..
Vigilância Epidemiológica de Doenças e Agravos não
Transmissíveis
Apesar da Lei No 6.259 que instituiu o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica
no Brasil não restringir sua atuação às doenças transmissíveis, este vem se limitando
ao longo destas últimas décadas a estas enfermidades. Entretanto, desde
1968, a 21a Assembléia Mundial de Saúde promoveu uma ampla discussão técnica
a respeito da VE, destacando-se que a abrangência do seu conceito permitia a sua
aplicação a outros problemas de saúde pública que não as doenças transmissíveis,
a exemplo das mal-formações congênitas, envenenamentos na infância, leucemia,
abortos, acidentes, doenças profissionais, comportamentos como fatores de risco,
riscos ambientais, utilização de aditivos, dentre outras.
Hoje, com as profundas mudanças no perfil epidemiológico da população, no qual se
observa o declínio das taxas de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias e
o crescente aumento das mortes por causas externas e doenças crônicas degenerativas,
tem-se considerado que muitas enfermidades não transmissíveis são resultantes
do processo de transformação das sociedades modernas, e que colocam em
risco importantes grupos populacionais impondo enfrentamentos coletivos. Deste
modo, tem-se discutido a imperiosa necessidade da sistemática incorporação de
doenças e agravos não transmissíveis ao escopo de atividades da Vigilância Epidemiológica,
abrindo-se a perspectiva de se ampliar o leque das doenças de notificação.
Algumas secretarias municipais e estaduais já vêm tomando iniciativas nesta
direção a exemplo da Bahia e São Paulo.
Cabe destacar que ao estudar a possibilidade de inclusão de novos agravos ao
sistema de VE seja infeccioso ou não, deve ser verificada qual a melhor estratégia
para a coleta de dados, a forma de inserção, os objetivos da iniciativa e a capacidade
operacional da rede de serviços de saúde. Os objetivos podem ser alcançados
através de uma, ou mais das sugestões apontadas no item deste capítulo que se
refere às fontes de dados. Entretanto, se houver a necessidade do conhecimento
caso a caso do agravo, deve-se incorporar à lista de notificação.
Dependendo do grau de desenvolvimento do sistema local, pode-se ir mais além do
atual escopo da vigilância epidemiológica, incorporando-se gradativamente outras
informações que contemplem o monitoramento e análise da situação de saúde das
populações visando o enfrentamento mais global dos seus problemas. O progressivo
avanço de organização e capacitação dos municípios possibilitará o desenho de
novos modelos assistenciais que atendam à proposta de transformação dos atuais
sistemas de vigilância de doenças na vigilância em saúde.
Normatização
Para que um sistema de vigilância epidemiológica funcione com eficiência e eficácia,
faz-se necessário que se estabeleçam normas técnicas capazes de uniformizar
procedimentos e viabilizar a comparabilidade de dados e informações. Essas norA
Vigilância Epidemiológica 17
mas têm que ser claras e serem repassadas para os diversos níveis do sistema
através de manuais, cursos, ordens de serviço etc.
Na padronização, especial destaque deve ser dado à definição de caso de cada
doença ou agravo, visando tornar comparáveis os critérios diagnósticos que regulam
a entrada dos casos no sistema seja como suspeito, compatível ou mesmo
confirmado por diagnóstico laboratorial ainda de acordo com a situação epidemiológica
específica de cada doença.
A definição de caso de uma doença ou agravo, do ponto de vista da vigilância, podese
modificar ao longo de um período em conseqüência das alterações na epidemiologia
da doença, da intenção de ampliar ou reduzir os parâmetros de ingresso de
casos no sistema, aumentando ou diminuindo a sua sensibilidade e especificidade
para atender às necessidades de vigilância, etapas e metas de um programa especial
de intervenção. Exemplo claro deste fato encontra-se no Programa de Erradicação
do Poliovírus Selvagem, que adotou diferentes critérios nas suas definições de
caso suspeito, compatível, provável ou confirmado ao longo da sua trajetória. Esta
edição do Guia de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde, atualiza normas,
procedimentos técnicos e definições de caso da maioria das doenças que
estão sob vigilância no país.
As normas sobre as doenças e agravos de interesse epidemiológico têm que estar
compatibilizadas em todos os níveis do sistema de vigilância, para possibilitar a
realização de análises e de avaliações coerentes, qualitativa e quantitativamente.
Nesse sentido, as orientações técnicas e operacionais emanadas dos órgãos centrais
do sistema devem ser consideradas e adaptadas à realidade de cada área
mantendo-se a coerência e obedecendo as definições de caso. Da mesma forma se
procede com as doenças e agravos de interesse estadual. Aquelas patologias de
notificação compulsória exclusiva no âmbito municipal, também devem ter seus
conteúdos de ações normatizado, nesse nível do sistema.
Retroalimentação do Sistema
A função de retroalimentação do sistema é fundamental para mantê-lo funcionando.
A devolução de informações aos níveis de menor complexidade, desde uma análise
mais específica ao notificante até a mais complexa da situação epidemiológica de
uma determinada região, é fundamental para assegurar a credibilidade do sistema,
uma vez que os profissionais e pessoas da comunidade que o alimentam, devem ser
mantidos informados. Além disso, a retroalimentação é peça importante na coleta de
subsídios para reformular os programas nos seus diversos níveis. Será tanto mais
útil quanto melhor for a qualidade da informação gerada, pois a continuidade da
política e do programa de controle, ou as propostas de modificações, estão na dependência
desse mecanismo.
A retroalimentação terá por base os resultados de investigação e a análise de dados,
e se efetivará através de informes e análises epidemiológicas locais, regionais,
estaduais, macrorregionais e nacionais. Essa função deve ser estimulada em todos
os níveis, para que a devolução da informação seja útil e tenha a oportunidade desejada.
A periodicidade e os instrumentos de retroalimentação dependem da política
de informação de cada nível institucional.
18 Guia de Vigilância Epidemiológica
Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica
O Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE) compreende o conjunto
interarticulado de instituições do setor público e privado componentes do Sistema
Único de Saúde (SUS) que, direta ou indiretamente, notificam doenças e agravos,
prestam serviços a grupos populacionais ou orientam a conduta a ser tomada no
controle das mesmas.
Pelas razões expostas na primeira parte deste Capítulo, o SNVE está passando por
profunda reorganização operacional, tendo em vista adequá-lo aos princípios de
descentralização e de integralidade das ações, definidas no SUS. A transferência de
ações e atividades para os níveis descentralizados deve ser gradual, de acordo com
o desenvolvimento dos sistemas locais de saúde, de forma a evitar a descontinuidade
programática. A implantação da NOB/SUS/96 significa um grande avanço para a
descentralização das ações de vigilância epidemiológica não se por prever o aporte
contínuo de recursos financeiros específicos para esta área, transferindo-os fundo
a fundo, como também por definir requisitos e atividades mínimas a serem desenvolvidas
pelos municípios, dependendo do nível de gestão em que estiverem habilitados.
Assim, se estabeleceu um processo concreto de descentralização das esferas de
poder no sistema de saúde e o rol de agravos sob vigilância poderá variar nos diferentes
níveis o que requer o cuidado de garantir o fluxo de informações pertinentes a
cada um deles, bem como o apoio técnico e logístico para o desenvolvimento do
conjunto do sistema.
Nessa nova organização, as atribuições correspondentes aos três níveis do sistema
de saúde, resumidas no Quadro 1, são as seguintes:
a) Atribuições do Nível Municipal
Análise e acompanhamento do comportamento epidemiológico das doenças
e agravos de interesse neste âmbito.
Análise e acompanhamento epidemiológico de doenças e agravos de interesse
dos âmbitos estadual e federal, em articulação com os órgãos
correspondentes, respeitada a hierarquia entre eles.
Participação na formulação de políticas, planos e programas de saúde e
na organização da prestação de serviços, no âmbito municipal.
Implantação, gerenciamento e operacionalização dos sistemas de informações
de base epidemiológica visando a coleta dos dados necessários
às análises da situação de saúde municipal e o cumprimento dos requisitos
técnicos para habilitação na NOB/SUS/96 e nos Índices de Valorização
de Resultados (IVR).
Realização das investigações epidemiológicas de casos e surtos.
Execução de medidas de controle de doenças e agravos sob vigilância de
interesse municipal e colaboração na execução de ações relativas a situações
epidemiológicas de interesse estadual e federal.
A Vigilância Epidemiológica 19
Estabelecimento de diretrizes operacionais, normas técnicas e padrões
de procedimento no campo da vigilância epidemiológica.
Programação, coordenação, acompanhamento e supervisão das atividades
no âmbito municipal e solicitação de apoio ao nível estadual do
sistema, nos casos de impedimento técnico ou administrativo.
Estabelecimento, junto às instâncias pertinentes da administração municipal,
dos instrumentos de coleta e análise de dados, fluxos, periodicidade,
variáveis e indicadores necessários ao sistema no âmbito municipal.
Identificação de novos agravos prioritários para a vigilância epidemiológica,
em articulação com outros níveis do sistema. Apoio técnicocientífico
para os níveis distritais e locais.
Implementação de programas especiais formulados no âmbito estadual.
Participação, junto às instâncias responsáveis pela gestão municipal da
rede assistencial, na definição de padrões de qualidade de assistência.
Promoção de educação continuada dos recursos humanos e o intercâmbio
técnico-científico com instituições de ensino, pesquisa e assessoria.
Elaboração e difusão de boletins epidemiológicos (retro-alimentação) e
participação em estratégias de comunicação social no âmbito municipal.
Acesso permanente e comunicação com Centros de Informação de Saúde
ou assemelhados das administrações municipal e estadual, visando
o acompanhamento da situação epidemiológica, a adoção de medidas
de controle e a retroalimentação do sistema de informações.
b) Atribuições do Nível Estadual
Promoção de análises, estudos e pesquisas epidemiológicas para identificação
dos determinantes, condicionantes, grupos e fatores de risco
populacionais, neste âmbito.
Participação na formulação de políticas, planos e programas de saúde e
na organização da prestação de serviços estaduais.
Assessoramento e orientação técnica aos níveis regional e municipal
para o controle de doenças e agravos à saúde.
Análise e acompanhamento do comportamento epidemiológico das doenças
e agravos à saúde sob vigilância, de interesse específico do âmbito
municipal, nas situações em que os municípios apresentarem dificuldades
para fazê-lo.
Análise e acompanhamento do comportamento epidemiológico das doenças
e agravos à saúde sob vigilância, de interesse do âmbito federal,
em articulação com o Centro Nacional de Epidemiologia (CENEPI/MS).
20 Guia de Vigilância Epidemiológica
Promoção de medidas de controle de doenças e agravos junto aos municípios
e execução das mesmas, em forma supletiva à ações municipais,
nas situações epidemiológicas de interesse estadual.
Estabelecimento de diretrizes operacionais, normas técnicas e padrões
de procedimento no campo da vigilância epidemiológica, ressalvadas as
situações em que os municípios disponham de capacidade para efetuar
a normatização.
Programação, coordenação e supervisão das atividades de vigilância
epidemiológica no âmbito estadual.
Coordenação e execução de atividades de vigilância em cooperação
com os municípios, nas situações em que os agravos ultrapassem o
âmbito de ação estritamente municipal.
Supervisão, acompanhamento e avaliação dos programas executados
no nível municipal.
Elaboração de planos de atuação e cadastramento de pessoal capacitado
para agir em situações emergenciais.
Identificação de novos agravos prioritários para a vigilância epidemiológica,
em articulação com as outras instâncias do SUS e com os níveis
municipais.
Coletas e análises de informações epidemiológicas no nível estadual.
Cooperação técnico-científica para os níveis regionais e municipais.
Participação na definição do controle de qualidade do modelo assistencial
e das ações de saúde junto com as demais instancias do SUS.
Elaboração e difusão de Boletins Epidemiológicos (Retroalimentação,
participação em outras estratégias de comunicação social.
Estabelecimento de mecanismos de apoio e estímulo aos municípios
para que desenvolvam os sistemas locais de vigilância epidemiológica,
obedecendo as diretrizes e disposições da NOB/SUS/96 e IVR.
Relação permanente com os Centros de Informação em Saúde ou com
órgãos assemelhados para o acompanhamento da situação epidemiológica,
a adoção de medidas de controle e a retroalimentação do sistema
de informações.
c) Atribuições do Nível Federal
Assessoramento, acompanhamento e avaliação dos problemas de saúde
considerados de relevância nacional, seja por envolverem doenças
ou agravos sob responsabilidade do nível federal, seja por representarem
situações inusitadas ou epidêmicas impossíveis de serem enfrentadas
de forma isolada pelos estados.
A Vigilância Epidemiológica 21
Atuação em situações especiais, como na ocorrência de agravos inusitados
ou epidemias, que possam escapar do controle estadual ou que
representem risco de disseminação nacional.
Cooperação técnico-científica com estados e municípios, tendo em vista
o aperfeiçoamento permanente da capacidade de realização de investigações
epidemiológicas e de adoção de medidas de controle de agravos.
Definição de diretrizes e bases técnicas para o Sistema Nacional de Vigilância
Epidemiológica.
Normatização de ações e atividades de vigilância e controle dos programas
de interesse nacional.
Elaboração de instrumentos e indicadores adequados para a supervisão
e avaliação visando a comparabilidade do sistema nos seus diversos níveis.
Coleta e análise de dados necessários ao acompanhamento das condições
de saúde da população em âmbito nacional.
Promoção de ações de comunicação social, visando a ampliação da
consciência sanitária e da participação da população nas atividades de
vigilância e controle de doenças e agravos.
Promoção de capacitação de recursos humanos, em articulação com
instituições de ensino, visando aprimorar a capacidade de utilização dos
recursos técnico-científicos disponíveis para as ações de vigilância e
controle de doenças e agravos.
Oferecer instrumentos de análises epidemiológicas visando estimular a
capacidade de trabalho de estados e municípios.
Promoção de intercâmbio de conhecimentos técnico-científicos entre os
diversos níveis do sistema, visando a troca de experiências, a padronização
de procedimentos e a atualização do conteúdo das ações.
Elaboração e divulgação de boletins, informes e outros instrumentos
para garantir a retroalimentação do sistema.
Estabelecimento de mecanismos para o aperfeiçoamento dos instrumentos
técnicos, operacionais e de financiamento dos sistemas locais e
estaduais de vigilância epidemiológica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário